Acórdão nº 69/18.1YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelMANUEL AUGUSTO DE MATOS
Data da Resolução04 de Julho de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – Secção do Contencioso: I - RELATÓRIO 1.

Por deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, doravante designado por CSM, adoptada na sessão de 12 de Junho de 2018, o Senhor Juíz ..., Dr AA foi sancionado com «uma pena de “advertência” pela prática de uma infracção disciplinar consubstanciada na violação do dever funcional de prossecução do interesse público (neste caso especificamente na vertente de actuar de não abalar a confiança pública no sistema judicial) prevista nos artigos 82.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais e 73.º, n.

os 1, 2, alínea a) e 3, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, “ex vi” do artigo 131.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais», com anotação no seu registo biográfico.

2.

Inconformado, apresentou «recurso contencioso (rectius, acção administrativa)» para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo pela procedência da presente acção e: «em consequência, ser a douta deliberação declarada nula ou anulada por erro manifesto na apreciação da prova, por omissão de pronúncia, por omissão de diligências de prova, erro nos pressupostos jurídico-factuais, nomeadamente por contradição entre os fundamentos e a decisão, inexistência de violação do interesse público, violação do princípio "ne bis in idem" e violação do princípio da proporcionalidade, nos termos dos artigos 162.º e 163°, ambos do CPA, com as legais consequências».

3.

Cumprido o disposto no artigo 174.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, o CSM apresentou resposta, concluindo pela improcedência do recurso.

4.

Na sequência da notificação, nos termos e para os efeitos previstos pelo artigo 176.º do EMJ, alegaram: 4.1.

O recorrente, doravante A., suscitou a questão prévia relativa à «tramitação do recurso dos autos» e concluiu pela procedência da acção e, em consequência, anulada a deliberação impugnada, em conclusões que se transcrevem: «CONCLUSÕES (1.ª) A tramitação do recurso dos autos tem de ser a da ação administrativa (de impugnação de atos) regulada no CPTA com as especificidades constantes dos artigos 168.º a 178.º do EMJ; (2.ª) Outra interpretação traduzir-se-ia, por um lado, num "privilégio" (inconstitucional) do Conselho Superior da Magistratura relativamente a outros altos órgãos da Administração Pública e até dos órgãos de soberania do Estado, designadamente Presidente da República, Assembleia da República e seu Presidente, Conselho de Ministros, Primeiro-Ministro, Tribunal Constitucional e seu Presidente, Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, Tribunal de Contas e seu Presidente, além de outros [cfr. artigo 24.º, n.º 1, alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais]; (3.ª) Por outro lado, os magistrados judiciais e outros eventuais interessados deixariam de ter tutela jurisdicional efetiva quanto aos atos do CSM; (4.ª) Ou seja, tal interpretação, além do mais, violaria, por um lado, o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva constitucionalmente consagrados e, por outro lado, o direito a um processo equitativo, consagrado no n.º 1 do artigo 6.º da Constituição Europeia dos Direitos do Homem; (5.ª) Neste sentido, assim tem sido a mais recente jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, de que é exemplo o douto Acórdão do TEDH de 21 de junho de 2016, [Requêtes n.º 9023/13 e 78077/13 (CEDH, art°- 6.º§1,violação), disponível em https://hudoc.echr.coe.int/eng#f%22itemid%22:r%220Ql-3823%22]); (6.ª) A deliberação impugnada do Conselho Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM), de 12 de junho de 2018, que decidiu aplicar ao A. a pena disciplinar de Advertência Registada [p]ela prática de uma infração disciplinar consubstanciada na violação do dever funcional de prossecução do interesse público (neste caso especificamente na vertente de actuar no sentido de não abalar a confiança pública no sistema judicial) prevista nos artigos 82° do Estatuto dos Magistrados Judiciais e 73.º, n.ºs 1,2, alíneas a) e 3, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, "ex vi" do artigo 131.º do Estatuto dos magistrados Judiciais, enferma de invalidades várias, razão pela qual deverá ser declarada nula ou anulada nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 161.º, n.ºs 1 e 2, alínea d) e l63°, n.º 1, ambos do CPA; (7.ª) Primeiro, porque a matéria de facto dada como provada não retrata corretamente a realidade e é manifestamente insuficiente porquanto: (i) é omissa quanto aos factos resultantes dos depoimentos prestados pelas testemunhas, Dr. BB, Dr. CC, Dra. DD - que nem sequer constam do rol de factos não provados; (ii) os factos dados como provados n.ºs 43 e 44.º não tem qualquer sustentação de prova e no essencial concretizam antes conclusões (iii) não foram aprovados quaisquer factos quanto à idoneidade do A., não obstante em sede de Defesa o, então Arguido, tenha feito prova disso; (8.ª) Segundo, porque decorre da deliberação impugnada omissão de pronúncia quanto a vários factos trazidos à colação pelo A., designadamente a deliberação impugnada em sede de motivação: (i) não esclarece nem sequer se pronuncia porque é que aquando do processo eleitoral do Município de ... de 2013, em que eram intervenientes os mesmos candidatos do processo eleitoral em apreço, não foi considerado que o ora A., ao nele participar, não incorreu em qualquer violação dos seus deveres funcionais, sendo certo que a propósito do processo eleitoral do Município de ... de 2017, já incorre; (ii) e nada refere quanto ao facto de que não haver juízes disponíveis para assegurar o turno do processo eleitoral da autarquia de ..., tendo sido neste contexto que o ora A. se voluntariou para assegurar tal turno, até porque já tinha experiência na matéria decorrente, pelo menos, do processo eleitoral anterior; (9.º) Terceiro, porque há omissão de diligências essenciais de prova que se revelam essenciais para a descoberta da verdade material dos factos e que, caso tivessem sido realizadas retirariam a ilicitude disciplinar à conduta imputada ao A, como sejam: a) não apuramento das razões pelas quais o turno não foi efetuado pelos Juízes da Comarca de ... e o contexto em que surge o ora A. a assegurar esse turno; b) a audição do ora A. ter sido realizada depois de o Exmo. Senhor Instrutor ter ouvido a Exma. Senhora Dra. Juiz Presidente da Comarca, o que, em rigor viola o princípio da presunção de inocência, na sua conformação como princípio de apreciação de prova (princípio in dubio pro reo); c) incerteza quanto à fonte que determinou o apuramento das anteriores relações profissionais do ora A.; d) não apuramento das circunstâncias em que a diligência telefónica foi recebida pelo ora A.; e) não audição presencial do ora A, o que viola, também, o princípio do processo equitativo (cf. artigo 69 CEDH) por não ter sido dado possibilidade de refutar o depoimento da Exma. Senhora Dra. Juiz Presidente da Comarca com prova de igual valor.

(10.ª) O R. ao não ter realizado todas as diligências de prova essenciais para a descoberta da verdade material dos mesmos, age, em última instância, em estrita violação do princípio do inquisitório, princípio subjacente ao artigo 115.º do CPA, o qual determina que o R. está obrigado a um esforço oficioso [n]o sentido do completo esclarecimento da verdade material dos factos pois só com ela o interesse público é compatível (in Luiz S. CABRAL DE MONCADA, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 1- Edição, Coimbra Editora,2015, pág. 412); (11.ª) Quarto por erro manifesto na apreciação dos pressupostos jurídico-factuais: contradição entre fundamentos e a decisão, inexistência de violação do interesse público e violação do princípio "ne bis idem" porque atentos os factos apurados, o ora A. norteou a sua atuação, enquanto juiz de turno ao processo eleitoral da Autarquia de ..., em estrita obediência à Lei e à Constituição; depois, ainda, que tivesse existido a suposta violação do dever funcional de prossecução do interesse público, sempre seria inequívoco concluir que não resultou qualquer prejuízo para o serviço; (12.ª) Acresce que, atento o incidente de suspeição suscitado no processo eleitoral, por um lado, e visando as garantias de isenção e imparcialidade assegurar a confiança na administração da justiça, a qual é um objetivo do serviço, por outro lado, se não existe dever de o A. de as suscitar jurisdicionalmente por via da figura da suspeição, como considerou a deliberação impugnada, e, também não se encontrando numa situação de impedimento, não pode, de todo, considerar-se existir violação do princípio de prossecução do interesse público, ao não suscitar o A. para fins administrativos a dispensa do processo eleitoral em apreço; (13.ª Por outro lado, ainda, ao considerar excluída o ilícito da omissão do A. em suscitar a suspeição, ao abrigo da liberdade de consciência, no âmbito da qual considera caber ao próprio Juiz, na sua livre convicção, decidir se existem ou não, motivos de suspeita que o levem a pedir escusa, mas ao punir essa mesma omissão no plano do interesse público, o R. aprecia duas vezes o mesmo facto omissivo, o que é ilegal por violação do ne bis in idem (art. 27.º, n.º 5 do CRP); (14.ª) Quinto por não preenchimento do elemento objetivo do tipo disciplinar. De facto, não obstante a imputação feita pelo R. ao A., o certo é que, pelo menos dois elementos do tipo ilícito não se verificam, nomeadamente o relativo à culpa, aqui a título de negligência, e o relativo ao dano; (15.ª) Quanto à negligência, não se podia exigir ao A., no âmbito da organização do serviço de turno, o dever interno de prever o perigo de a sua imparcialidade vir a ser questionada publicamente, muito menos o dever externo, de agir, com vista à sua remoção; (16.ª) Quanto ao dano, de igual modo, não se verifica o seu preenchimento, visto que não foram colocados em causa quaisquer bens jurídicos concretos, o que é de todo de manifesta relevância, pois que a infração disciplinar não é uma infração de perigo, antes pressupõe a...

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