Acórdão nº 1818/17.0T8CBR-A.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Data da Resolução19 de Junho de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I - RELATÓRIO O exequente Banco AA, S.A. instaurou acção executiva, para pagamento de quantia certa, contra os executados BB e CC.

Com base em duas livranças subscritas por DD e avalizadas pelos executados (fls 277 a 279), reclamou o pagamento da quantia de € 36.805,35.

Os executados deduziram oposição à execução por embargos de executado alegando, em síntese, que negam a autoria das assinaturas apostas nas livranças dadas à execução.

Aquando da celebração dos contratos de crédito ao consumidor com DD, nos quais os embargantes assumiram a qualidade de fiadores, não lhe foi entregue cópia, o que implica a nulidade dos contratos.

A obrigação não se mostra líquida e exigível, porque tendo o crédito do exequente sido reconhecido no processo de insolvência de DD, desconhecem qual o montante que já foi satisfeito.

Os executados desconhecem os critérios de preenchimento da livrança, sendo que não comunicou nem informou das cláusulas contratuais gerais inerentes ao contrato de crédito ao consumo. Tais cláusulas são abusivas por inviabilizarem o estabelecimento de qualquer relação causal entre aquelas despesas e aqueles montantes e, por conseguinte, violadoras de valores fundamentais do direito, como o princípio da boa fé consagrado nos artigos 15º e 16º alínea a) do DL 446/85.

A obrigação é inoponível, porque os executados assumiram a qualidade de fiadores do devedor DD.

O exequente/embargado contestou (fls.34 a 46) defendendo, em resumo, que as assinaturas apostas nas livranças são do punho dos embargantes.

No email de 16 de Janeiro de 2016 que os embargantes dirigiram ao embargado, admitiram a sua qualidade de avalistas e reconheceram-se devedores da quantia de € 35.155,99 e comunicaram a intenção de procederem ao pagamento da referida quantia em 195 prestações mensais, no valor unitário de 180 euros. Esta proposta não foi aceite.

Nas condições particulares dos dois contratos de mútuo celebrados entre o exequente e o executado, os embargantes, antes da sua assinatura declararam que “ aceitamos ser avalistas da livrança em branco referida no artigo oitavo das Condições Gerais do presente contrato de mútuo, constante em anexo, mais declarando ter conhecimento de todas as restantes condições constantes do anexo a este documento. Consequentemente, fica o Banco AA, S.A. irrevogavelmente autorizado a proceder ao seu preenchimento, nos termos previstos no referido artigo”.

As livranças foram, na mesma ocasião do contrato, subscritas pelo mutuário e avalizadas pelos embargantes, ainda em branco.

Ao esperarem sete anos para dizerem que não receberam um contrato, sendo o seu comportamento anterior no sentido de reconhecerem a dívida, agiram em abuso de direito.

Os embargantes são tidos na execução, porque avalistas dos títulos dados para pagamento coercivo, não porque tenham intervindo em qualquer contrato como fiadores.

Pugna pela improcedência dos embargos.

No despacho saneador julgaram-se improcedentes as excepções arguidas considerando a obrigação certa, líquida e exigível.

Foi proferida sentença que julgou improcedentes os embargos de executado, determinando-se o prosseguimento da execução quanto aos dois execuados.

Os embargantes recorreram e a Relação, por acórdão de 6.11.2018, julgou improcedente a apelação e confirmou a sentença.

Os embargantes recorreram e interpuseram recurso de revista excepcional.

A Formação a que alude o artigo 672º nº 3 do Código de Processo Civil, por acórdão de 22.5.2019, julgou-se incompetente para tomar posição sobre a admissibilidade do recurso e determinou a remessa dos autos à distribuição como revista normal, com o entendimento de que falece um dos contornos conferidos pelo nº 3 do artigo 671º do Código de Processo Civil à figura da dupla conforme, pois o acórdão da Relação confirmou a decisão da primeira instância, mas com fundamentação essencialmente diferente.

Os recorrentes apresentaram as seguintes CONCLUSÕES: 1ª - O Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido nos presentes autos e ora em crise, é nulo nos termos do disposto no artigo 615° n° 1, alª d), do Código de Processo Civil.

  1. Apesar de invocado pelos recorrentes a inversão do ónus da prova, nos termos do artigo 1° n° 3, do Decreto-Lei n° 446/85, de 25 de Outubro, a decisão ora em crise omite da sua fundamentação qualquer referência a tal invocação, originando a nulidade da decisão.

  2. - Padece de nulidade a decisão ora em crise, nos termos do disposto no artigo 615° n° 1, alínea d), por não se ter pronunciado quanto à nulidade invocada por violação do disposto no artigo 590° n°s 1 e 4 e artigo 5° do Código de Processo Civil; 4ª - A invocação pelos recorrentes de uma nulidade da decisão é de apreciação obrigatória para o tribunal.

  3. - Por acórdão de 6 de Novembro de 2018, foi julgado improcedente o recurso interposto pelos apelantes CC e BB, pugnando essencialmente por "o avalista não pode opor, como o fiador, os meios pessoais de defesa do devedor principal contra o portador, as excepções pessoais nos termos do artº 17° LULL já que de contrário seria negar a natureza do aval, como acto cambiário abstracto. (...) Sendo a obrigação do avalista autónoma, em princípio não pode defender-se com as excepções do avalizado atinentes à relação subjacente, salvo quanto ao pagamento, porque o avalista presta uma garantia à obrigação cambiária do avalizado e não directamente à obrigação causal subjacente".

  4. - O tribunal a quo afastou a aplicação in casu dos regimes legais constantes do Decreto-Lei n° 133/2009, de 2 de Junho e Decreto-Lei n° 446/85, de 25 de Outubro que cominam a falta de entrega de cópia do contrato com a nulidade da garantia.

  5. - A decisão ora em crise encontra-se em clara contradição com o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em 01-07-2014, no âmbito do processo n° 712/11.3T2AGD-A.C1, aqui Acórdão Fundamento.

  6. - O Acórdão Fundamento pugna pela aplicação dos regimes jurídicos constantes do Decreto-Lei n° 133/2009, de 2 de Junho e Decreto-Lei n° 446/85, de 25 de Outubro em caso factualmente idêntico ao dos presentes autos, defendendo que " (...) o caso se mostra coberto pelos regimes do DL n° 446/85 de 25/10 que estabelece o regime das cláusulas contratuais gerais e do DL n° 359/91 de 21-09 que estabelece o regime do contrato de crédito ao consumo".

  7. - Primordial é saber se deve ser aplicado o regime do contrato de crédito ao consumo bem como o regime das cláusulas contratuais gerais, nomeadamente considerando a não prova de entrega de uma cópia do contrato e de comunicação das cláusulas do contrato, aos recorrentes avalistas.

  8. - Nos presentes autos os recorrentes figuram como avalistas de um contrato de crédito ao consumidor, tendo invocado como meio de defesa oponível ao portador da livrança respectiva, e mutuário, a não entrega de um exemplar do contrato celebrado e a não comunicação e explicitação das cláusulas contratuais gerais que subscreveram, defesa que deve ser considerada admissível ao avalista, no preciso sentido do acórdão fundamento; 12ª - Deve ser levada a cabo a revista da decisão de que ora se recorre no sentido exarado no acórdão fundamento que se junta, Terminam, pedindo que o presente recurso seja julgado totalmente procedente por provado e, em consequência, ser a decisão recorrida revista no sentido do acórdão fundamento.

O exequente/embargado apresentou resposta, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir II - FUNDAMENTAÇÃO B) Fundamentação de direito Mostram-se provados os seguintes factos: 1. O exequente “Banco AA, S.A.” é portador de duas livranças no valor de € 8.158,27 e de € 26.997,72, com data de emissão em 06-01-2016 e com vencimento em 21-01-2016, respectivamente (cfr. dois originais juntos aos autos executivos).

  1. As referidas livranças têm apostas no verso os dizeres seguintes: “Dou o meu aval ao subscritor” e uma assinatura manuscrita com o nome “CC” e “BB (v. originais juntos ao processo principal).

  2. As duas livranças não foram pagas.

  3. As assinaturas apostas no verso dos originais das duas livranças juntas ao processo principal foram apostas pelo punho do executado/embargante CC e pelo punho da executada/embargante BB.

  4. O embargante CC é marido da embargante BB.

  5. E é irmão de DD, subscritor das duas livranças.

  6. Em 18 de Junho de 2013, a solicitação do referido DD, foi celebrado contrato de mútuo, por via do qual...

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