Acórdão nº 515/04.1BELSB-A de Tribunal Central Administrativo Sul, 11 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelMÁRIO REBELO
Data da Resolução11 de Julho de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: RECORRENTE: Autoridade Tributária e Aduaneira.

RECORRIDO: M.......

OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pelo MMº juiz do TAF de Lisboa que jugou procedente o pedido de execução de sentença de anulação de acto administrativo e condenou a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar 78.801,18 à EXEQUENTE no prazo de 30 dias sob pena de, em caso de incumprimento, os autos seguirem termos do processo executivo para pagamento de quantia certa.

CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES: I. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença a qual considerou que a acção foi proposta em momento claramente anterior ao termo do prazo legalmente previsto para o efeito, de acordo com o disposto no n.º 2 do Art.º 146.º do CPPT, e concomitantemente, julgou improcedente a excepção de intempestividade da execução de julgados, invocada pela ora Recorrente, entendendo que o prazo para a execução espontânea das sentenças e acórdãos dos tribunais tributários conta-se a partir da data em que o processo tiver sido remetido ao órgão da administração tributária competente para a execução.

  1. É contra tal entendimento que se insurge a Recorrente, entendendo que a douta sentença procede a uma errada interpretação e aplicação do disposto no n.º 2.º do Art.º 146.º do CPPT, em face da doutrina e da mais recente jurisprudência.

  2. O princípio da tutela jurisdicional efectiva enquanto direito fundamental estatuído nos Art.ºs 20.º e 268.° n° 4, ambos da CRP, compreende o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, cada pretensão regularmente deduzida em juízo (dimensão declarativa), bem como a possibilidade de a fazer executar (dimensão executiva) e de obter as providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, destinadas a assegurar o efeito útil da decisão (dimensão cautelar).

  3. Determina, o Art. 205,º n° 2 da CRP que as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades estatuindo o n° 3 do mesmo dispositivo legal que a lei regula os termos da execução das decisões dos tribunais relativamente a qualquer autoridade e determina as sanções a aplicar aos responsáveis pela sua inexecução.

  4. Acerca da execução das sentenças aduz o n.º 1 do Art.º 146.°do CPPT que, são admitidos no processo judicial tributário os meios processuais acessórios de intimação para a consulta de documentos e passagem de certidões, de produção antecipada de prova e de execução dos julgados, os quais serão regulados pelas normas sobre o processo nos tribunais administrativos, constantes nos Art.º 173.º a 179.º do CPTA.

  5. O Art. 158.º n° 1 do CPTA sustenta que as decisões dos tribunais administrativos obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer autoridades administrativas, e implica a nulidade de qualquer acto administrativo que desrespeite uma decisão judicial e faz incorrer os seus autores em responsabilidade civil, criminal e disciplinar.

  6. No que concerne ao conteúdo do dever de executar, consagra o Art. 100° da LGT, que a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.

  7. O Art.º 146.º nº 2 do CPPT refere que, o prazo de execução espontânea das sentenças e acórdãos dos tribunais tributários conta-se a partir da data em que o processo tiver sido remetido ao órgão da administração tributária competente para a execução, podendo o interessado requerer a remessa no prazo de oito dias após o trânsito em julgado da decisão.

  8. Entendeu a sentença recorrida que o início do prazo de execução espontânea, se inicia com a remessa do processo ao órgão de execução fiscal, ao invés do trânsito em julgado, sustentando tal entendimento em jurisprudência do STA (Acórdão do S.T.A. de 12.02.2015, Proc. n.° 01169/14).

  9. É certo que tem sido propalado pela jurisprudência do STA que a norma do n.º 2 do Art.º 146.º do CPPT deve ser considerada apenas para os efeitos de contagem do prazo para requerer a execução do julgado pois que, constituindo lex scripta, os interessados não deverão ser prejudicados em matéria de prazos para a utilização dos seus meios de defesa por confiarem no que dispõe a lei tributária (neste sentido refere Jorge Lopes de Sousa no seu Código de Procedimento e Processo Tributário anotado, 6ª ed., vol. II, pag. 530, que « por força do principio da confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito democrático, o contribuinte não poderá ser prejudicado, vendo caducado o seu direito, pelo facto de observar directamente o que resulta da lei).

  10. Todavia, em face das normas e dos princípios atrás assinalados, não poderá olvidar-se que existe também jurisprudência do STA, que aponta no sentido que se sufraga que o início do prazo de execução espontânea se inicia com o trânsito em julgado da sentença anulatória.

  11. Desde lodo, a jurisprudência do STA tem considerado que o n.º 2 do Art. 146.º do CPPT é inconstitucional por evidenciar uma dimensão materialmente violadora do n.º 2 do artigo 205.º da CRP, posto que à face deste imperativo constitucional, uma vez transitadas, as decisões são de imediata execução obrigatória, não dependendo de qualquer requerimento do interessado. - cfr., neste sentido, os Acórdãos 17.06.2009, Proc. 73/09, de 3.12.2008, Proc. n.º 570A/08 (do Pleno) e de 19.03.2009, Proc. n.º 983/08 todos in www.dgsi.pt.

  12. Como se entendeu no Acórdão STA de 17.06.2009 proferido no Proc. n.º 73/09, onde se refere que “Se, como dissemos, o prazo de 6 meses para requerer a execução de julgado se inicia após o termo do prazo legal para a execução espontânea do decidido, existindo norma tributária que estabelece que o prazo para a execução espontânea pela Administração tributária se conta da remessa do processo ao órgão da administração tributária competente para a execução (havendo a faculdade do interessado, que não o dever, de requerer essa remessa), parece que deve entender-se, como sustenta o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer junto aos autos, que a remessa do processo ao órgão da Administração tributária teria de ser oficiosamente notificada pela secretaria do tribunal à interessada, nos termos do n,° 2 do artigo 229.° do Código de Processo Civil, pois que o direito processual da parte à execução do julgado não depende de prazo a fixar peio juiz nem de prévia citação, antes decorre da lei, que fixa o seu termo inicial na dependência da prática de um acto do próprio Tribunal (a remessa do processo ao serviço de finanças).

  13. Resulta assim, que à revelia do entendimento propugnado na sentença o prazo para a Recorrente dar cumprimento espontâneo das decisões dos tribunais, se inicia com o trânsito em julgado (artº 100º da Lei Geral Tributária) e não com a remessa do processo, sem prejuízo de ao interessado ser concedida a faculdade de requerer a remessa dos autos ao serviço de finanças competente no prazo de oito dias após o trânsito da decisão (a este propósito veja-se Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 6ª edição, 2011, vol. II, pág. 530 e a jurisprudência do STA no Proc. 01015/11 de 09.05.2012, ainda no Acórdão do Pleno do Contencioso Tributário do STA de 02.12.2009, Proc. n.° 0570-A/08 e Acórdão do STA de 12/02/2014, processo n° 01528/13).

  14. Acresce ainda que, é comummente aceite que o disposto na LGT prevalece sobre o CPPT, como resulta do Art. 1° do CPPT, (nesse sentido, Cons. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 6ª edição, 2011, voL II, 6.° Ed., Áreas Editora," 2011, pág. 528), e estando a matéria em causa - garantia dos contribuintes - sujeita ao princípio da reserva (relativa) de lei, nos termos do disposto nos Arts.º 103.° n° 2 e 165.° n.º l, al. i), ambos da CRP, resulta que para que o desiderato constitucional seja respeitado, a definição, por decreto-lei, de matéria relativa às garantias dos contribuintes, está dependente de prévia lei habilitante, o que sucedeu no caso da LGT, mas que não existiu para o CPPT, pelo que a concluir-se pela prevalência do n° 2 do Art.° 146.º do CPPT, sempre este estaria ferido de inconstitucionalidade.

  15. Pelo exposto, conclui-se pela aplicação do disposto no Art. 100.° da LGT, e a obrigação da Recorrente executar o julgado, surge imediatamente com o trânsito em julgado da decisão judicial (A este propósito veja-se o mais recente entendimento propalado pelo TCAN proferido no Proc. n.º 76/05.4BECBR-A, cujo entendimento acolhemos e o qual refere “Nesta sequência, crê-se que se impõe esta leitura mais incisiva desta matéria, até porque aquilo que se impõe à administração tributária é a execução do julgado, o que determina que, naturalmente, o prazo de execução espontânea esteja ligado ao momento em que surge a obrigação de executar, ou seja, com o trânsito em julgado da decisão. Como vimos, não é sempre esta a posição do S.T.A., que faz uma leitura da situação procurando integrar o exposto no art. 146° n° 2 do CPPT, deixando como que em suspenso o que fica dito a propósito do momento em que existe a obrigação de executar, o que constitui, quer se queira quer não, uma suspensão/negação do princípio enunciado.Com efeito, se tal momento reside no trânsito em julgado da decisão, aquilo que se afigura natural é que o prazo de execução espontânea se conte a partir desse momento, e não a partir da tal notificação a que alude o art. 146° n°2do CPPT. Tal posição, crê-se, não tem razão de ser, exibindo resquícios de uma postura algo paternalista no que concerne à situação da administração tributária, que...

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