Acórdão nº 4762/16.5T8CBR-A.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução04 de Julho de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo de Justiça 1. AA e BB deduziram os presentes embargos de executado, por apenso à execução para pagamento de quantia certa, sob a forma de processo comum, que lhes move a Caixa CC, S.A.

, peticionando a respectiva procedência e, consequentemente, a extinção da execução.

Alegando para tal, em síntese, que a execução se funda em duas livranças, que avalizaram, e diversos documentos que retractam a relação subjacente à emissão/subscrição de cada uma delas, que se reconduzem à celebração de dois contratos de mútuo entre a exequente e a devedora principal, sendo que, quanto ao primeiro de tais contratos, sem que disso tenham sido informados, se alterou a natureza de um financiamento de curto para longo prazo, o que vai contra os interesses dos ora executados na qualidade de avalistas.

Relativamente ao segundo contrato alegam que “se limitaram a apor a sua assinatura em tudo o que lhes foi pedido”, sem que algo lhe tenha sido explicado, tendo-se procedido à alteração do valor mutuado, sem o seu conhecimento e sem que se possa concluir qual a livrança que respeita a cada um de tais contratos.

Mais referem que não obstante em ambas as livranças exequendas, que foram entregues em branco, ter sido aposta a data de vencimento de 31/12/2015, não pode relevar esta data, porquanto a devedora principal foi declarada insolvente por sentença proferida em 15/06/2012, transitada em julgado, em face do que a obrigação principal se venceu nesta data, em consequência do que alegam que “a obrigação está inexoravelmente prescrita nos termos do que se prescreve no artº 70.º da LULL”, acrescentando que a data de vencimento aposta nas livranças constitui violação do pacto de preenchimento, tanto mais que a exequente reclamou os seus créditos na supra referida insolvência; e acrescentando ainda que a arbitrária indicação da data de vencimento das livranças terá como efeito a sua nulidade por força do disposto no artigo 33.º da LULL.

Mais alegam que, atento o lapso temporal decorrido entre o vencimento das obrigações e o preenchimento das livranças sem que tenha havido por parte da exequente uma interpelação para o cumprimento das obrigações, acarreta que o preenchimento das livranças é abusivo, o que configura má fé da exequente, já que só intentou a execução “após deixar avolumar o valor em dívida”.

Depois de liminarmente admitidos os embargos, foi a exequente embargada notificada para os contestar, o que fez, alegando que as livranças foram preenchidas em conformidade com o estabelecido nos pactos de preenchimento, tendo os embargantes, na qualidade de avalistas, ficado vinculados aos acordos de preenchimento havidos entre os intervenientes iniciais, sendo portadora legítima das livranças exequendas e podendo, nessa qualidade, accionar os ora executados embargantes, na qualidade de avalistas.

Mais refere que as preencheu respeitando os pactos de preenchimento, inscrevendo os valores em dívida, fixando as datas de vencimento e interpelando os devedores ao cumprimento através do envio de cartas registadas.

Relativamente à prescrição alega que, “tendo as mesmas [livranças] como data de vencimento 31.12.2015, e tendo a execução sido instaurada em 15.06.2016, evidente se torna que não se encontra, de modo algum, prescrita a obrigação”, uma vez que o prazo de prescrição a considerar é o prazo de três anos previsto no art. 70º, § 1º, ex vi art. 77º, ambos da LULL. Ainda que assim não fosse, sempre as livranças poderiam valer como títulos executivos (cfr. artigo 703º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil) ou como documento particular, de acordo com o disposto no art. 46º, nº 1, alínea c), do mesmo Código (na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, atenta a decisão do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 408/2015, de 14 de Outubro).

Para além de que a prescrição da obrigação cambiária não acarreta a extinção da obrigação fundamental, pois que, ainda que prescrita a obrigação fundamental, a livrança continua a constituir título executivo válido, designadamente contra os avalistas.

Relativamente ao teor dos contratos que subjazem à emissão/subscrição das livranças alega que os embargantes intervieram na respectiva outorga, bem como nas inerentes e subsequentes alterações contratuais, de tudo tendo tido conhecimento. Quanto à imputada litigância de má fé, defende que assim não actua, tendo-se limitado a exercer os direitos que lhe advêm de ser legítima portadora das livranças exequendas.

Respondendo, os embargantes reiteram o que alegaram quanto à prescrição das livranças exequendas; ou seja, que a mesma decorre do seu abusivo preenchimento, não podendo as mesmas configurar um documento particular nos moldes referidos pela embargada, tendo sido entregues em branco.

Por despacho de fls. 76, o juiz da 1ª instância convidou os embargantes a aperfeiçoar a petição inicial de embargos nos seguintes termos: “Pelo exposto, convidam-se: Os Executados/Embargantes a, no prazo de 10 dias, apresentarem nova e integral petição inicial em que: – Aleguem quais os negócios jurídicos que foram celebrados entre a Subscritora/Emitente e a Tomadora das Livranças e que constituem as relações fundamentais causais da Subscrição/Emissão das Livranças em branco; – Aleguem se a celebração desses negócios jurídicos e a Subscrição/Emissão das Livranças em branco foi acompanhada da celebração pelas Partes de pactos de preenchimento das Livranças (subscritos pelos Executados/Embargantes como Avalistas) que constituem as convenções executivas das relações fundamentais; – Qual o teor desses pactos de preenchimento; e – O relato descritivo e factual sobre o estado de cumprimento ou de incumprimento das relações fundamentais e a sua conjugação com o teor dos pactos de preenchimento, permitindo concluir que os títulos cambiários não deviam ter sido preenchidos (por não se verificarem os pressupostos dos pactos que permitem os preenchimentos) ou que foram preenchidos de forma incorrecta (alegando qual é o estado do incumprimento das relações fundamentais e quais são os correctos termos e os concretos valores dos preenchimentos dos títulos de acordo com os pactos).

* Na ausência desta alegação, não dão os Executados/Embargantes a conhecer ao Tribunal a sua versão sobre os factos que consubstanciam um conclusivamente alegado preenchimento abusivo das Livranças – cuja prova pudesse impedir ou reconfigurar a sua responsabilidade cambiária de acordo com o correspondente conteúdo literal inscrito nas Livranças – e fica por cumprir o ónus de alegação que apenas sobre si recai.

* Oportunamente, será dada oportunidade à Exequente/Embargada de apresentar nova e integral contestação perante a petição inicial aperfeiçoada que for apresentada.”.

No seguimento, os embargantes executados vieram apresentar nova petição inicial de embargos aperfeiçoada (a fls. 80), na qual explicitaram os pontos referidos no despacho de aperfeiçoamento, designadamente o modo como foram entregues as livranças exequendas (em branco) e os contratos que lhes subjazem.

Relativamente à data de vencimento inscrita nas mesmas livranças, reiteram que as obrigações subjacentes se venceram com a declaração de insolvência da obrigada principal, tendo a data de vencimento de coincidir com a do vencimento das livranças, sob pena de abuso do direito, não podendo a exequente, arbitrariamente, apor-lhes a data que entender, designadamente a que delas consta (31/12/2015) sem que nada o justifique, tanto mais que entre a data da referida insolvência e a data do vencimento, como tal aposta, não teve lugar interpelação para pagamento por parte da exequente.

Apresentando nova contestação a exequente embargada reitera o alegado na primitiva contestação, designadamente quanto aos contratos em causa e à responsabilidade dos ora embargantes executados, decorrente do aval que prestaram à subscritora das livranças. Bem como alega que os informou de que as mesmas iriam ser preenchidas, dada a situação de incumprimento, de acordo com o anteriormente estabelecido.

A fls. 123, foi proferido despacho saneador/sentença, no qual se decidiu o seguinte: “Pelo exposto, o Tribunal decide: 1) Julgar parcialmente procedente a Oposição à Execução e extinguir parcialmente o Processo Executivo na parte em que excede, por referência à data da apresentação do requerimento executivo (15-06-2016): a) € 382.402,83 de capital; b) € 60.460,10 de juros moratórios vencidos até 15-06-2016 (inclusive); c) Juros moratórios vincendos, sobre o capital, à taxa legal determinada nos termos do artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil, desde 15-06-2016 (exclusive) até efectivo e integral pagamento; d) Imposto do Selo sobre os juros moratórios vincendos.

2) Absolver a Exequente/Embargada do pedido de condenação por litigância de má fé.

3) Fixar o valor dos Embargos de Executado em € 556.305,89 (art.

os 297.º/1, 304.º/1, 306.º/1/2, e 607.º/6 CPC).

4) Condenar no pagamento das custas dos Embargos de Executado os Executados/Embargantes na proporção de 80% e a Exequente/Embargada na proporção de 20%.”.

Inconformados com a decisão, os embargantes executados interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, pedindo a reapreciação da decisão de direito.

Por acórdão de fls. 145 foi decidido: “Julgar procedente o presente recurso de apelação, em função do que se revoga a decisão recorrida, que se substitui por outra que declara prescritas as livranças exequendas, não podendo, consequentemente, a execução prosseguir os seus termos.” 2.

Vem a exequente embargante interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: “A. A exequente em 15.06.2016 instaurou execução e apresentou como título executivo duas livranças com vencimento em 31.12.2015.

B. De harmonia com o disposto no art. 70º (ex vi do art. 77º), da LULL, o prazo de prescrição aplicável às livranças é de 3 anos a contar da data do vencimento inscrito nas mesmas.

C. O preenchimento de uma livrança em branco é condição...

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