Acórdão nº 1346/15.9T8CHV.G2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelFERNANDO SAMÕES
Data da Resolução27 de Junho de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 1346/15.9T8CHV.G2.S1[1] * Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção[2]: I. Relatório AA, BB e marido CC, DD e mulher EE instauraram acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra FF, GG, HH e II, todos com os sinais dos autos, formulando os seguintes pedidos: 1.

“devem os RR. ser condenados a reconhecer -e isso mesmo ser declarado e reconhecido- que os autores são os únicos e universais herdeiros legitimários do falecido JJ”; 2.

“devem os RR. ser condenados a reconhecer -e isso mesmo ser declarado e reconhecido- que o valor total dos bens pertencentes ao falecido JJ, tendo em conta os bens deixados, os bens doados e o bem incluído no testamento, perfazem o valor total de € 74.418,74”; 3.

“devem os RR. ser condenados a reconhecer -e isso mesmo ser declarado e reconhecido- que o valor da legítima dos herdeiros legitimários (descendentes) do falecido JJ perfaz o montante de € 49.612,50”; 4.

“devem os RR. ser condenados a reconhecer -e isso mesmo ser declarado e reconhecido- que o valor da segunda liberalidade (segunda doação a favor da R. FF), é, em parte, inoficiosa porque ofende a dita legítima no montante de € 23.881,75”; 5.

“devem os RR. ser condenados a reconhecer -e isso mesmo ser declarado e reconhecido- que a deixa testamentária é totalmente inoficiosa”; 6.

“deve a R. FF ser condenada a repor à herança a quantia de € 23.881,75, a qual deverá ser feita com a verba n.º 3 da segunda doação no valor de € 24.000,00.” Para tanto, alegaram, em resumo, o seguinte: No dia 1 de Março de 2015, faleceu JJ, com 82 anos de idade, no estado de solteiro, o qual não deixou ascendentes vivos, sobrevivendo-lhe três filhos - os autores AA, BB e DD.

A herança aberta por óbito do falecido JJ é constituída apenas por bens imóveis situados no limite da União das freguesias de ... e ..., concelho de ...; O falecido JJ outorgou, no dia 11 de Agosto de 1999, escritura de doação a favor da ré FF, exarada no Livro de Escrituras Diversas n.º 352-C, de fls. 88 a 88 verso, do Cartório Notarial de ...; outorgou, no dia 6 de Julho de 2000, outra escritura de doação a favor da mesma FF, exarada no Livro de Escrituras Diversas n.º 348-C, de fls. 94 a 94 verso do Cartório Notarial de ...; e fez, no dia 18 de Fevereiro de 2015, testamento público a favor dos réus GG e HH e, ainda, da autora AA, exarado no Livro de Testamentos e Escrituras de Revogação de Testamentos n.º 4-T do Cartório Notarial de ..., Notário em ....

Os réus FF, GG e HH contestaram, por excepção, invocando o erro na forma de processo e a litispendência, e por impugnação, alegando, em síntese, que não aceitam os valores dos imóveis e que os autores omitem créditos da herança.

Concluíram pela absolvição da instância ou do pedido.

Foi proferido saneador-sentença, onde se decidiu: A) Julgar procedente a excepção dilatória de erro na forma do processo e absolver os Réus FF, GG, HH e II da instância atinente aos 2.º, 3.º, 4.º, 5.º e 6.º pedidos formulados pelos Autores; B) Julgar a excepção de litispendência improcedente; C) Reconhecer os Autores AA, BB e DD como herdeiros legitimários do falecido JJ.

Inconformados com essa decisão, na parte relativa à procedência da excepção do erro na forma do processo, os autores interpuseram recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães julgado o recurso procedente e determinado o prosseguimento dos autos. Foi proferido despacho que enunciou o objecto do litígio e os temas da prova.

Após realização de prova pericial, teve lugar a audiência de discussão e julgamento.

E, em 16/4/2018, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e ABSOLVEU os Réus do peticionado.

Inconformados, os autores interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães que foi apreciado e decidido por acórdão de 6/12/2018, tendo concluído com o seguinte dispositivo: “Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso procedente, e em consequência, revogando a sentença recorrida, julga a acção procedente e em consequência: a) declara que os autores AA, BB, e DD são os únicos herdeiros legitimários do falecido JJ; b) declara que os bens da herança do falecido JJ perfazem o valor total de € 84.381,50; c) declara que o valor da legítima dos autores perfaz o montante de € 56.254,32; d) declara que as liberalidades feitas em vida a favor da ré FF ofendem a legítima dos autores e têm de ser reduzidas em € 19.267,84.

e) declara que a deixa testamentária é totalmente inoficiosa”.

Não conformada, desta feita, a ré FF interpôs recurso de revista e apresentou a respectiva alegação com as seguintes conclusões: «1. O artº. 342º., 1 Cód. Civil estabelece, como regra, que àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.

  1. No caso, em análise, ao contrário do que nos pretende fazer crer o douto Acórdão recorrido, não resulta dos factos provados (e podem ser lidos e relidos os constantes do douto Acórdão recorrido) que a “herança é constituída exclusivamente por bens imóveis”.

  2. É inegável que, para o cálculo da legítima e para a determinação de eventual inoficiosidade de liberalidades, é necessário realizar o cálculo do valor total dos bens que integram a Herança do falecido JJ.

  3. Os Recorridos não fizeram a prova dos factos constitutivos do direito alegado e, por isso, terá que ser julgada improcedente a sua pretensão.

  4. Em caso de dúvida – que não vislumbramos - importa recordar que o artº. 342º., nº. 2 Cód. Civil refere que, nessa situação (de dúvida), os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.

  5. Sucede, porém, que não resultou provado um facto essencial e constitutivo do alegado direito dos Recorridos; a saber: que a Herança do falecido progenitor é composta, única e exclusivamente, pelos bens referidos em 7 do requerimento inicial.

  6. Não resultando provado tal facto, salvo melhor opinião, todos os cálculos e considerandos jurídicos tornam-se desnecessários e inconsequentes… 8. Ou seja, a prova produzida (designadamente, os factos julgados provados) não permite realizar o cálculo da legítima, nem determinar, eventuais, inoficiosidades… 9. Em todo o caso, e sem prescindir, importa sublinhar que o Recorrido DD, em sede de depoimento de parte (prova por confissão) refere o seguinte: Ao minuto 2.06 …que o prédio conhecido como ...matança produz castanha e que esta é apanhada pelo depoente e pelo cunhado CC…desta actividade retiram quinhentos ou seiscentos euros, por ano… Ao minuto 3.00 …se o falecido tinha dinheiro, é perguntar ao Sr. LL…tem móveis no interior da casa de habitação, designadamente, armário e dois quartos…e para além das terras, tinha mais coisas.

  7. Ou seja, no seu curto depoimento, o Recorrente/Apelante refere a existência de créditos da Herança (sobre ele e sobre o cunhado), no montante, médio, de € 500/€ 600, por ano; admite a possibilidade de existir dinheiro (uma vez que o falecido teria contas com um, tal, Sr. LL) e refere a existência de bens móveis e de mais coisas.

  8. São factos, necessariamente, do conhecimento dos Recorridos, que lhes são desfavoráveis (aliás, fazem cair a acção pela base…) e que configuram prova por confissão.

  9. Estranhamente, o Tribunal da Relação de Guimarães não deu qualquer atenção ao depoimento de parte (que constitui prova por confissão) e “fez de conta” que o mesmo é/foi inexistente !!! 13. Ainda que se entenda – o que não se aceita – que o ónus da prova da inexistência do direito dos Recorridos e dos factos (não) constitutivos desse direito, incumbia aos RR. (prova por negação), estes realizaram essa prova, por confissão, através do depoimento de parte do Recorrido DD !!! 14. Não obstante o exposto, inexplicavelmente, os M.mos Julgadores do Tribunal a quo fizeram tábua raza deste depoimento de parte e da confissão de que os bens relacionados no requerimento inicial não são todos os bens que integram a Herança de JJ… 15. Resulta, ainda, da ata da audiência de discussão e julgamento de 6 de Março de 2018, que no início da audiência pelo ilustre mandatário dos réus foi pedida a palavra e no seu uso disse (gravado no sistema informático em uso neste Tribunal): Os réus contestantes aceitam o valor atribuído pelos autores aos seguintes imóveis: - Com referência ao artigo 7º. do articulado inicial o constante da verba nº. 2; - Com referência ao artigo 8º. do articulado inicial o constante das verbas 1, 2 e 4; - e com referência ao artigo 10º. o valor atribuído pelos autores à verba única.

  10. Ressalvada melhor opinião, a posição assumida pelos réus, em plena audiência de discussão e julgamento, constitui confissão judicial escrita (porque ditada para a acta) e tem força probatória plena (cfr. artigo 358º., nº. 1 Cód. Civil).

  11. Neste contexto, por força da confissão judicial, o valor de mercado dos imóveis, em causa, não pode ser distinto (nem superior, nem inferior) do constante no requerimento inicial.

  12. As doutas decisões (de Primeira e Segunda Instâncias), ao atribuir valores distintos aos imóveis (e, no caso, superiores…), são nulas, por violação do disposto nos artº.s 352º. e ss. Cód. Civil.

  13. A, ora, Recorrente sustentou perante o Tribunal da Relação de Guimarães que os, aqui, Recorridos, litigavam de má fé (chamando a atenção e transcrevendo os trechos do depoimento de parte do Recorrido DD que entendeu como relevantes para apreciação da questão).

  14. Os M.mos Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães, pura e simplesmente, não apreciaram esta questão.

  15. Tal omissão (de pronúncia) constitui nulidade, nos termos do preceituado no artº. 615º., nº. 1, al. d) CPC.

  16. Os Recorridos formularam os pedidos constantes do articulado inicial; designadamente: que fosse declarado e reconhecido que o valor total dos bens pertencentes ao falecido JJ perfazem o valor total de € 74418,74.

    O douto Acórdão, ora, em recurso, estabeleceu e decidiu que “os bens da herança do falecido JJ perfazem o valor total de € 84381,50”.

  17. Os Recorridos pediam no articulado inicial...

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