Acórdão nº 1070/17.8T8VFR.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Maio de 2019
Magistrado Responsável | CATARINA SERRA |
Data da Resolução | 16 de Maio de 2019 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO Na presente acção que segue a forma de processo comum, em que são autores AA e BB e réu CC, pedem os autores a condenação do réu no pagamento da quantia de €176.138,48 a título de danos patrimoniais, a quantia de €50.000,00 a título de danos não patrimoniais e ainda, a quantia a liquidar ulteriormente referente a danos patrimoniais e não patrimoniais, juros de mora desde a citação, custas e procuradoria.
Alegaram para o efeito, em síntese, que adquiriram, em 2002, uma fracção autónoma designada pela letra “A”, correspondente a uma habitação de tipo T3, sita na freguesia de … à sociedade “DD, Lda.”. A mesma, porém, padece de defeitos de construção e de vícios estruturais que impediam a sua normal utilização e que colocavam em perigo a integridade física e mesmo a sua vida e das demais pessoas que frequentavam a mesma fracção. Os danos que a mesma apresenta resultaram da inadequação das obras efectuadas com o projecto aprovado, assim como a da não utilização dos materiais previstos quer em quantidade quer em qualidade e bem assim, das alterações efectuadas ao projecto inicialmente aprovado sem que fossem acompanhadas do prévio estudo de estabilidade.
Mais alegaram que a Câmara Municipal de … emitiu a licença de utilização relativa à fracção em causa pois que pelo réu foi subscrito o respectivo termo de responsabilidade a assumir como verdadeiro estar a dita fracção construída, concluída, tudo de acordo com o projecto aprovado e em obediência às regras legais.
Assim, o réu, enquanto director de obra e no exercício da sua atividade profissional, infringiu quer os dispositivos legais que devem ser observados no planeamento, direcção e execução da construção, quer as boas práticas de construção, sendo que actuando desse modo, provocou danos irreparáveis na habitação dos autores e nas contíguas, colocando-as em risco iminente de derrocada.
Mais alegaram que, no que diz à execução das obras, o réu CC era o seu Director Técnico e responsável por todos os projectos, motivo pelo qual tinha o dever de acompanhar a realização da obra e de verificar que a obra estava a ser executada dentro das regras da arte, tendo permitido, por acção e por omissão, que a obra fosse executada de forma deficiente e com recurso a materiais e técnicas desadequadas, mas, no entanto, não se coibiu de assumir a responsabilidade por tal, ao declarar falsamente perante a Câmara Municipal de … que a obra tinha sido executada correctamente, através do respectivo termo de responsabilidade com base no qual aquela edilidade, fazendo fé na declaração sob honra do réu, veio a conceder a licença de utilização.
Referem ainda que competia ao réu CC, como subscritor do termo de responsabilidade, o dever de não prestar falsas declarações sobre a obra em causa. Sabia o réu, que actuando do modo descrito causava perigo para a integridade física e até mesmo para a vida dos autores e seu agregado familiar, que adquiriam uma daquelas habitações, e bem assim das pessoas que ali passassem, ainda que como simples visita, pois que aquelas fracções autónomas podiam e podem ruir a qualquer momento, fruto dos defeitos estruturais graves que apresentam.
O réu actuou sempre, de forma conivente com os responsáveis pela construção, pois a última palavra a si cabia, ao subscrever o termo de responsabilidade, comprovativo (mediante essas falsas declarações) de que a obra estava construída de acordo com o projecto e de acordo com as regras legais da arte, no sentido de obtenção da licença de utilização e para assim acelerar a comercialização das referidas moradias.
O réu, ao sufragar, através do termo de responsabilidade, factos falsos e bem sabendo que os mesmos não correspondiam à verdade, ainda assim conformou-se com tal declaração, pois sabia que a mesma era imprescindível e necessária para a Câmara Municipal de … emitir a licença de utilização, pois sem esse documento, essa declaração da sua parte, a licença de utilização não seria emitida, já que é o documento com valor legal relevante no qual a entidade camarária competente faz fé no cumprimento de todas normas legais e técnicas supra mencionadas e emite o dito alvará sem o qual não é possível que o imóvel seja vendido.
O réu actuou deliberada, livre e conscientemente, ao emitir falsas declarações, que sabia não corresponderem à verdade e bem sabendo que sem essas falsas declarações não seria possível obter a licença de utilização.
Os factos – falsas declarações em documento relevante perante entidade pública – praticados pelo réu causaram elevadíssimos danos, patrimoniais e não patrimoniais, aos autores, porquanto o estado em que se encontra a fracção por estes adquirida está condenada a ser demolida, dada a insegurança que lhe é inerente e a inviabilidade económica para a sua reparação.
Alegam que, se tivessem sido esclarecidos previamente pelo réu de que a construção teria os defeitos e ónus agora verificados, nunca teriam efectuado o negócio de aquisição da fracção “A”. Os autores destinaram a fracção autónoma à sua habitação própria e permanente, bem como à das suas filhas, EE, actualmente com dezassete anos de idade (nascida a 17.08.2000) e a FF actualmente com treze anos de idade (nascida a 19.10.2003), o que era do inteiro conhecimento do réu – pois bem sabia que estava a prestar falsas declarações e que as mesmas eram relevantes e imprescindíveis para a obtenção da licença de utilização.
Mais referem que os graves defeitos de construção foram assumidos de forma dolosa, por acção e omissão, pelo réu, que subscreveu o termo de responsabilidade sabendo e devendo saber que a obra não estava executada em obediência ao projecto, nem às regras da arte e muito menos em obediência às regras de segurança das construções, mas mesmo assim, com o fito de permitir que as fracções habitacionais pudessem entrar no comércio, subscreveu, contra a verdade dos factos, os documentos idóneos a obter da entidade competente, a Câmara Municipal de …, a emissão da licença de utilização, a qual veio entretanto a declarar a cassação dos alvarás de utilização.
Alegam um conjunto de danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes da actuação do réu e cuja indemnização peticionam na presente acção.
Citado o réu veio contestar, defendendo-se por excepção e por impugnação.
Por excepção invocou a excepção do caso julgado, alegando para o efeito que os autores deduziram no âmbito dos autos de Proc. comum colectivo n.º 512/07.5TAVFR, pedido de indemnização civil, o qual foi já decidido com Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, com trânsito em julgado, sendo que os factos são os mesmos, são os mesmos intervenientes, as mesmas imputações e o mesmo tipo de pedidos.
Alega ainda as excepções da prescrição e da ilegitimidade.
Os autores pronunciaram-se no sentido da improcedência de tais excepções e, quanto ao caso julgado, alegaram que, na presente acção, a causa de pedir e o pedido de indemnização nela consubstanciados assentam nas falsas declarações prestadas pelo réu e, como tal, não se verifica o caso julgado.
Realizou-se audiência prévia e, em 3.05.2018, proferiu-se a sentença (fls. 316 e s.), contendo a decisão que se transcreve: “Como tal, e em face de tudo quanto ficou exposto, julgo procedente a invocada exceção dilatória de caso julgado e, consequentemente, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 576º/1 e 2, 577º/i), todos do CPC, o Réu terá que ser absolvido da instância, o que se decide em conformidade.
Atento o decidido, encontra-se prejudicado o conhecimento das demais exceções alegadas pelo R.
”.
Desta sentença interpuseram os autores recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, alegando que a decisão proferida no âmbito do Proc. 512/07.5TAVFR, que recaiu sobre o pedido cível ali formulado, não tem efeito de caso julgado em relação à pretensão formulada na presente acção e, portanto, que a excepção de caso julgado devia ser julgada improcedente.
Por Acórdão de 7.01.2019 (fls. 353 e s.), acordaram os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e revogar a sentença e, nessa conformidade, julgar improcedente a excepção de caso julgado, prosseguindo os autos os ulteriores termos.
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