Acórdão nº 407/19 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução04 de Julho de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 407/2019

Processo n.º 423/2019

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. A. intentou, no (hoje designado) Juízo Local Cível de Tomar, uma ação declarativa contra B., Lda. (a ora Recorrente), pedindo a condenação da Ré na entrega de determinado imóvel sito em Tomar, livre de pessoas e bens. O processo seguiu os seus termos em primeira instância, culminando em sentença que condenou a Ré a entregar à Autora o imóvel em causa.

1.1. Inconformada com tal decisão, a Ré dela interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora. Das respetivas alegações (de fls. 125/143, que aqui se dão por integralmente reproduzidas) consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

c) Quanto à ineficácia da denúncia por falta de confirmação

Uma denúncia ineficaz por falta de legitimidade da denunciante nunca poderia vir a ser confirmada.

Mas mais do que isso, o M.mo Juiz a quo entendeu que a Autora não estava obrigada a confirmar a denúncia porque a Lei n.º 31/2012 teve como objetivo a desburocratização do arrendamento e não criou qualquer norma transitória.

Discordamos em absoluto, porquanto a única razão para ter sido eliminada a necessidade de confirmação foi o facto de aquela lei ter encurtado na denúncia injustificada do artigo 1101.º do CC o prazo de antecedência da denúncia de 5 para 2 anos, desaparecendo assim naturalmente as razões que justificavam o pré-aviso.

Conforme foi reconhecido no recente Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-06-2016, Proc. 4274/15.4YLPRT.L1-8 […], a denúncia rege-se pela lei vigente ao tempo em que foi decretada.

E, sendo a denúncia válida face à lei em vigor ao tempo em que foi realizada, devem ficar ressalvados os efeitos já produzidos pela mesma, ainda que sobrevenha nova lei que revogue ou altere a primeira.

Transcreve-se do sumário do referido acórdão:

«Efetivamente, preceitua o artigo 1101.º, alínea c), do Código Civil preceitua que ‘o senhorio pode denunciar o contrato de duração indeterminada mediante comunicação ao arrendatário com antecedência não inferior a cinco anos sobre a data em que pretenda a cessação’.

Foi o que fizeram os senhorios com a carta de 25 de outubro de 2010, configurando, assim, como válida, a denúncia.

Por outro lado, estabelece o artigo 1104.º do Código Civil uma condição de eficácia da denúncia referida, ao preceituar que “no caso previsto na alínea c) do artigo 1101.º, a denúncia deve ser confirmada, sob pena de eficácia, por comunicação com a antecedência máxima de 15 meses e mínima de um ano relativamente à data da sua efetivação”.

Foi o que os senhorios voltaram a fazer com a carta de 11 de agosto de 2014.»

Assim, naquele caso considerou-se validamente efetuada a denúncia porque realizada e confirmada nos termos da lei vigente ao tempo em que foi decretada não obstante a confirmação ter ocorrido já depois de revogada a norma do artigo 1104.º CC, que impunha a confirmação como condição de eficácia.

A lei vigente ao tempo dispunha que a denúncia nunca se tornaria eficaz se não fosse confirmada.

A Lei n.º 31/2012 não consagrou em parte alguma a eficácia automática de denúncias já feitas anteriormente, sendo por isso abusivo e ilegal considerar como fez a sentença numa interpretação manifestamente contra legem que essa eficácia pudesse decorrer sem mais dos proclamados objetivos de desburocratização do arrendamento atribuídos àquela Lei.

A decisão recorrida viola assim diretamente o disposto no artigo 12.º do Código Civil – princípio da irretroatividade da Lei – desde já se invocando a ilegalidade da norma do artigo 1104.º do CC no sentido em que o tribunal a interpretou, ou seja, da sua inaplicabilidade após a vigência da Lei n.º 31/2012 às situações criadas anteriormente – às situações de denúncia já comunicadas e ainda não confirmadas.

[…]

Conclusões

[…]

13.ª – A decisão recorrida ao considerar desnecessária a confirmação violou o disposto no artigo 12.º do Código Civil, desde já se invocando a ilegalidade da norma do artigo 1104.º do CC no sentido em que o tribunal a interpretou ou seja da sua inaplicabilidade após a vigência da Lei n.º 31/2012 às situações criadas anteriormente ou seja às situações de denúncia já comunicadas e ainda não confirmadas.

[…]” (sublinhados acrescentados).

1.1.1. No Tribunal da Relação de Évora, foi proferido acórdão, datado de 20/12/2018, negando provimento ao recurso. Dos respetivos fundamentos consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

12. [O] novo regime, implementado pela Lei n.º 31/2012, não retirou eficácia aos atos que começaram a ser praticados ao abrigo do regime anterior o que significa que, tendo a cabeça de casal da herança de Albano Barreira procedido à denúncia do contrato por carta de 21 de dezembro de 2009, o prazo de cinco anos nessa data iniciado continuou a decorrer, não se tendo interrompido ou iniciado novo prazo com a entrada em vigor da alteração legislativa perpetrada pela Lei n.º 31/2012.

De facto, nos termos do artigo 12.º do Código Civil, ‘[a] lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.’

Porém, à data da comunicação da denúncia estava em vigor a norma do artigo 1104.º do Código Civil, onde se estabelecia que ‘[n]o caso previsto na alínea c) do artigo 1101.º, a denúncia deve ser confirmada, sob pena de ineficácia, por comunicação com a antecedência máxima de 15 meses e mínima de um ano relativamente à data da sua efetivação’.

Deste modo, ao abrigo da legislação em vigor à data em que a cabeça de casal acionou o direito de denúncia, a falta de confirmação no prazo previsto neste preceito implicava a ineficácia da denúncia.

Contudo, em face das alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2011, deixou de ser necessária a confirmação da denúncia, tendo o artigo 1104.º do Código Civil sido revogado.

Assim, verificando-se que à data da entrada em vigor da Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, que é aplicável às relações contratuais constituídas que subsistam na data da sua entrada em vigor, sem prejuízo das normas transitórias (cf. artigo 59.º), ainda não havia decorrido o prazo exigido no anterior artigo 1104.º para a confirmação da denúncia, com a revogação desta norma tal confirmação deixou de ser exigível.

Efetivamente, como se diz na sentença, tendo a denúncia sido efetuada por carta de 21 de dezembro de 2009, a confirmação da mesma, de acordo com a disposição legal revogada (artigo 1104.º do Código Civil) deveria ocorrer entre 22 de setembro e 22 de dezembro de 2013, período em que já não existia qualquer norma legal que a fundamentasse, pois, a alteração legislativa entrou em vigor em 12 de novembro de 2012. Assim, devendo presumir-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9.º, n.º 3, do Código Civil), a inexistência de qualquer salvaguarda ou disposição transitória referente aos prazos de denúncia em curso ao tempo da entrada em vigor da Lei 31/2012, leva-nos a concluir que foi intenção do legislador aplicar o novo regime às situações já existentes, numa lógica de simplificação, desonerando em definitivo os senhorios da obrigação de enviarem nova comunicação a confirmar a denúncia.

Deste modo, deixando de ter previsão legal a confirmação da denúncia, o ato tornou-se plenamente eficaz com o simples decurso do prazo de cinco anos, tendo operado a cessação do contrato de arrendamento (cf. artigo 1079.º do Código Civil).

[…]” (sublinhados acrescentados).

1.2. A Ré interpôs, então, recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos seguintes:

“[…]

B., Lda, R. nos presentes autos, tendo sido notificada do douto acórdão de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT