Acórdão nº 387/19 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Maria de Fátima Mata-Mouros
Data da Resolução26 de Junho de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 387/2019

Processo n.º 383/18

1.ª Secção

Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I – Relatório

1. No âmbito do incidente previsto no artigo 178.º, n.º 7, do Código de Processo Penal (CPP), que constitui o apenso designado pela letra “A” dos autos de instrução n.º 121/13.0TELSB do Tribunal Central de Instrução Criminal, vieram as requerentes – A. Lda., B., Lda., C., Lda., D., Lda., E., Lda., F., Lda., e G., Lda., – requerer a revogação da medida de apreensão dos bens decretada pelo Ministério Público.

Com efeito, por despacho do Ministério Público (MP) datado de 14 de julho de 2017, na sequência do encerramento do inquérito, foi decidido determinar, ao abrigo do disposto no artigo 178.º, n.ºs 1 e 3, do CPP, a apreensão de nove imóveis, por o MP ter considerado que estes seriam produto dos crimes investigados no âmbito dos autos e se encontrarem em nome das empresas que foram utilizadas para branquear o recebimento de fundos vindos de Angola, mais precisamente da H..

Tomando conhecimento do registo da apreensão dos bens imóveis de sua propriedade e do respetivo despacho do Ministério Público, vieram as requerentes, nos termos e para os efeitos do artigo 178.º, n.º 7, do CPP, requerer a revogação da medida de apreensão dos bens. Para fundamentar este pedido alegaram, entre outros fundamentos, que ao proferir o referido despacho, através do qual decretou a apreensão dos imóveis, o Ministério Público usurpou uma competência constitucional e exclusiva do juiz de instrução, em violação do disposto no artigo 32.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP). Invocaram, assim, que «o artigo 178.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, quando interpretado no sentido de ser da competência do Ministério Público autorizar, ordenar ou validar a apreensão de bens que constituam o lucro, o preço ou a recompensa do crime, no intuito de garantir a sua posterior perda a favor do Estado, redunda em norma materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 1.º, 2.º, 17.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.os 1 e 4, 32.º, n.os 1 e 4, e 62.º, n.º 1, da Constituição da República da Portuguesa».

Por decisão proferida no Tribunal Central de Instrução Criminal, o Mmo. juiz a quo, decidindo a final, julgou procedente a pretensão das requerentes, ordenando o levantamento das apreensões dos aludidos imóveis, nos moldes seguintes:

«Decisão

Pelo exposto decide este Tribunal em julgar procedente o incidente judicial previsto no artigo 178.º, n.º 6, do CPP e, em consequência:

1 – Ao abrigo do disposto no artigo 62.º, 202.º, 280.º n.º 1, al. a), da CRP, julgar verificada a inconstitucionalidade do artigo 178.º, n.º 1 e 3, do CPP, enquanto defere ao Ministério Público a competência para autorizar, ordenar ou validar a apreensão de objetos que constituam o lucro, o preço ou a recompensa do crime, por violação do artigo 32.º, n.º 4, da CRP.

Julgar verificada a inexistência jurídica da decisão do M.ºP.º e ordenar o levantamento imediato da apreensão dos imóveis em causa.

2 – Declarar a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 178.º, n.º 9 e 10, do CPP, na interpretação de que não é obrigatória a audição de uma pessoa coletiva, terceira em relação ao procedimento criminal em curso, sem que esteja verificada a impossibilidade dessa audição.

Julgar que a falta de audição do interessado, no inquérito, de pessoa não arguida no processo contra quem é requerida a apreensão de bens com vista à sua perda a favor do Estado, suposta a não inviabilidade da sua notificação para o respetivo ato, constitui a nulidade relativa prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do CPP e declarar, em consequência, a nulidade do despacho que decretou a apreensão dos imóveis supra identificados com o consequente levantamento da apreensão.

3 – Julgar verificada a irregularidade, por falta de fundamentação, do despacho do MºPº que decretou a apreensão dos imóveis das requerentes, constante de fls. 42 a 52 e, em consequência, dar o mesmo sem efeito.

4 – Determinar o cancelamento do registo da apreensão quando aos imóveis supra identificados, nos termos do artigo 13.º do Código de Registo Predial.

Notifique.

Comunique à Conservatória do Registo Predial.

Dê conhecimento ao Gabinete de Administração de Bens».

2. Nesta sequência, o Ministério Público interpôs dois recursos obrigatórios para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), constituindo o objeto do primeiro a parte que julgou «verificada a inconstitucionalidade do artigo 178.º, n.º 1 e 3, do CPP, enquanto defere ao Ministério Público a competência para autorizar, ordenar ou validar a apreensão de objetos que constituam o lucro, o preço ou a recompensa do crime, por violação do artigo 32.º, n.º 4, da CRP» (cfr. fls. 529) e como objeto do segundo a parte que «declarou a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 178.º, n.º 9 e 10, do CPP, na interpretação de que não é obrigatória a audição de uma pessoa coletiva, terceira em relação ao procedimento criminal em curso, sem que esteja verificada a impossibilidade dessa audição» (cfr. fls. 530).

3. Por despacho de 26 de abril de 2018, proferido pelo tribunal a quo, foram os recursos interpostos admitidos, com atribuição de efeito meramente devolutivo. Mais se consignou que «dado que o eventual recurso ordinário apenas terá efeito meramente devolutivo e dado que o recurso perante o Tribunal Constitucional apenas tem efeito devolutivo, conforme admite o próprio recorrente, cumpra-se de imediato a decisão proferida neste incidente».

4. Prosseguindo os autos para alegações apenas quanto ao primeiro recurso (uma vez que na parte respeitante à questão colocada no segundo recurso se considerou não existir uma recusa efetiva para efeito da admissibilidade do recurso previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, o que determina a sua inadmissibilidade nessa parte), o Ministério Público apresentou alegações, concluindo do seguinte modo:

«V – Conclusões

71. O Ministério Público interpôs, em 26 de Abril de 2018, a fls. 529 dos autos supra-epigrafados, recurso obrigatório, para este Tribunal Constitucional, do teor da douta decisão de fls. 487 a 525, proferida no Processo n.º 121/13.0TELSB-A, pelo Tribunal Central de Instrução Criminal, “(…) nos termos dos artigos 280.º, n.º 1, al. a), da Constituição da República Portuguesa, 70.º, n.º 1, alínea a), 71.º, n.º 1, 75.º-A, 76.º, 78.º, n.º 5, e 79.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, com as alterações introduzidas pelas Leis n.º 143/85, de 26/11, n.º 85/89, de 07/97, n.º 88/95 de 01/09, n.º 13-A/98 de 26/02, Lei Orgânica n.º 1/2011, de 30/11, Lei Orgânica n.º 5/2015, de 10/04, Lei Orgânica n.º 11/2015, de 28/08 e Lei Orgânica n.º 1/2018, de 19/04”.

72. Este recurso tem por objeto a “decisão proferida a fls. 502, na parte em que o Mm.º JIC refere “Nesta conformidade, a abrigo do disposto no artigo 62.º, 202.º, 280.º, n.º 1, al. a), da CRP, julgo verificada a inconstitucionalidade do artigo 178.º, n.º 1 e 3, do CPP, enquanto defere ao Ministério Público a competência para autorizar, ordenar ou validar a apreensão de objetos que constituam o lucro, o preço ou a recompensa do crime (…)”.

73. O parâmetro constitucional cuja violação foi invocada na douta decisão recorrida, e que fundamentou o juízo de inconstitucionalidade, encontra-se corporizado no artigo 32.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.

74. O presente recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade foi admitido pelo douto despacho de fls. 531 a 533 dos autos supra-referenciados, tendo-lhe sido fixado, pelo Mm.º juiz recorrido, efeito meramente devolutivo.

75. Todavia, a fundamentação que conduziu o Mm.º julgador “a quo” a esta decisão apenas atendeu, quanto à matéria dos efeitos e regime de subida, ao disposto no Código de Processo Penal, tendo ignorado as normas específicas constantes da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, a Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional que, no n.º 4 do seu artigo 78.º, determina que, com exceção das situações previstas nos restantes números (inaplicáveis no caso vertente) “o recurso tem efeito suspensivo e sobe nos próprios autos”.

76. Ora, uma vez que, por força do disposto no n.º 3 do artigo 76.º da referida Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, o Tribunal Constitucional não se encontra vinculado pela decisão do tribunal “a quo” que fixou ao recurso efeito meramente devolutivo e que as partes só nas alegações podem impugnar tal decisão, vem o recorrenteMinistério Público – reiterando o anteriormente invocado a fls. 528 destes autos, requerer que ao recurso seja atribuído o efeito suspensivo da decisão impugnada.

77. Antes de analisarmos a questão substantiva trazida ao conhecimento do Tribunal Constitucional, não poderemos deixar de apontar e enfatizar um conjunto de equívocos e ambiguidades que maculam o douto despacho recorrido, inquinando o seu iter decisório e dificultando, concomitantemente, o desempenho da tarefa processual atribuída ao Ministério Público.

78. Efetivamente, a norma jurídica infraconstitucional desaplicada pela douta decisão impugnada (bem como a fundamentação que a sustenta, melhor exemplificada a fls. 501) resulta da conjugação entre os n.ºs 1 (na versão anterior a 31 de maio de 2017) e 3 (na versão, apesar de não modificada, em vigor a partir de 31 de Maio de 2017) do artigo 178.º do Código de Processo Penal e é julgada inconstitucional na medida em que defere ao Ministério Público a competência para autorizar, ordenar ou validar a apreensão de objetos que constituam o lucro, o preço ou a recompensa do crime, numa formulação...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
3 temas prácticos
3 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT