Acórdão nº 91/17.5T8PTL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelAFONSO CABRAL DE ANDRADE
Data da Resolução13 de Junho de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Sumário: 1.

Quando alguém contrata outrem para lhe realizar vários trabalhos de recuperação, construção e demolição em prédios, trabalhos de serviços de máquina em limpezas, demolição de casa em ruínas e execução de muro em alvenaria, e serviços de reforço estrutural e de elementos de fachada, fixação de elementos soltos no telhado e beirado, bem como a limpeza de escombros, estamos perante um típico contrato de empreitada.

  1. Quando na sequência da conclusão desses trabalhos o empreiteiro emite duas facturas nos valores de €10.083,54 e de €14.244,63, não pode ser aplicado a esse contrato o regime constante do art. 317,b CC, que presume que ocorreu o pagamento, invertendo o ónus da prova do mesmo, pois essa norma fixa presunções de pagamento que se fundam na noção de que as obrigações a que se referem costumam ser pagas em prazo bastante curto e do pagamento não é costume exigir quitação.

I- Relatório Sociedade X – Engenharia & Construção, Lda.

, NIPC ... intentou contra F. C.

, J. B.

e M.C.

acção materializada sob a forma de processo comum peticionando a condenação dos réus no pagamento do montante de €24.328,17, acrescido de juros vencidos à taxa legal, no valor de €4.031,74 e vincendos calculados desde a data de entrada da acção até integral pagamento.

Constituía objecto do litígio:

  1. A autora peticiona dos réus – todos eles adquirentes, por partilha, dos bens deixados em herança por óbito Maria – o pagamento do preço acordado por obras de construção civil que executou a pedido daquela.

  2. Os réus, por seu lado, entendem que a sua mãe – Maria, de quem foram herdeiros – não celebrou qualquer acordo com a autora, mas antes com outra sociedade, de nome “Y, Lda.”. De todo modo invocam que o preço acordado pela execução das obras, e agora peticionado pela autora, foi pago.

Foram consideradas questões a decidir: a) se o preço das obras foi pago – pagamento efectivo ou presumido – e, ainda, em face do proferido pelos réus apenas em alegações finais produzidas em audiência de julgamento, b) se há ou não nulidade do contrato que constitui fonte da obrigação peticionada.

Realizada audiência de julgamento, o Tribunal proferiu sentença que julgou a acção procedente e, consequentemente, condenou os réus a pagar à autora a quantia de € 24.328,17, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos calculados à taxa supletiva prevista para as obrigações civis, contados sobre €10.083,54 desde 28.9.2012 e sobre €14.244,63 desde 6.4.2013 até efectivo e integral pagamento.

Inconformados com esta decisão, os réus interpuseram recurso, que foi recebido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos e com efeito devolutivo (artigos 644º,1,a, 645º,1,a e 647º,1 do Código de Processo Civil).

Findam as suas alegações com a formulação das seguintes conclusões:

  1. O sentido que as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deveriam ter sido interpretadas e aplicadas: da qualificação do contrato em causa e da prescrição do crédito nos termos do artigo 317º, al. b) do código civil I.

Ficou provado que “(…) no ano de 2012 foram realizados trabalhos de serviços de máquina em limpezas, demolição de casa em ruínas e execução de muro em alvenaria, na freguesia de ... (…)” e “(…) já no ano de 2013 foram prestados serviços de reforço estrutural e de elementos de fachada, fixação de elementos soltos no telhado e beirado, bem como a limpeza de escombros no Edifício ... sita no Largo ..., freguesia de ..., referido concelho de Ponte de Lima (…)” (Factos Provados C e E).

II.

Consta da sentença que “Perante os factos apurados é inequívoco que entre autora e a falecida Maria se estabeleceu uma relação no âmbito de dois contratos de empreitada: um, em 2012, que tinha por objecto a limpeza, demolição e execução de muro em alvenaria em prédio de ... e outro, em 2013, que tinha por objecto o reforço estrutural e de elementos de fachada, fixação de elementos soltos no telhado e beirado, bem como a limpeza de escombros.

” Sendo “O contrato de empreitada é definido pela lei como aquele em que uma das partes se obriga a realizar determinada obra, mediante um preço – artigo 1207º do Código Civil.

” III.

É claro que inexiste um contrato de empreitada celebrado entre as partes, mas somente mera “execução de trabalhos”.

IV.

A realização de “(…) serviços de máquinas em limpezas, demolição de casa em ruínas e execução de muro em alvenaria (…)” e de “(…) serviços de reforço estrutural e de elementos de fachada, fixação de elementos soltos no telhado e beirado, bem como a limpeza de escombros (…)”, não configuram um contrato de empreitada, entendido legalmente nos termos do artigo 1207º do Código Civil.

V.

Os serviços prestados pela Autora/Recorrida não têm por objecto a construção de um imóvel de longa duração mas tão somente a realização de pequenos serviços, situação em que a dívida deveria e foi solvida num curto prazo (atente-se que as facturas se venceram em trinta dias), porquanto a conclusão dos trabalhos também foi de reduzido prazo.

VI.

O Tribunal ad quem já se pronunciou, e bem, sobre esta questão, tendo concluído que um contrato de empreitada incluem obras que “(…) se estendem por vários meses e mesmo anos, sendo certo que a garantia de reparação dos respectivos defeitos é, nesses casos, de 5 anos. (artigos 916º, nº 3 e 1225º, nº 1 do CC e artº 5º, nº 1 do DL 67/2003, de 08.04) (…)” – in www.dgsi.pt/jtrg.

VII.

Não podia o Tribunal ad quo afirmar na sentença recorrida que nos autos estamos perante “(…) obras que habitualmente demoram largos meses e que, no caso dos autos, envolvem prazos de garantia elevados (cinco anos, por força do artigo 1225º, 1 do Código Civil) (…)".

VIII.

Não se presta a garantia de serviços de máquinas em limpezas, demolição de casa em ruínas, execução de muro em alvenaria, reforço estrutural e de elementos de fachada bem como a fixação de elementos soltos no telhado e beirado de uma casa em ruínas e ainda limpeza de escombros. A Autora/Recorrida certamente que não garante cinco anos limpezas, demolições, muros em alvenaria e reforço de uma casa em ruínas.

IX.

Nos presentes autos não estamos perante uma empreitada porquanto se tratam de “(…) ''trabalhos ocasionais que normalmente são executados e pagos de imediato, sejam eles resultantes de prestação de serviços de execução rápida ou não, em que a maior parte das vezes nem sequer são emitidas facturas ou recibos de quitação'', como acontece ''com frequência na generalidade dos contratos de empreitada relativos a reparações de automóveis, electrodomésticos, computadores e outros tantos bens imóveis não consumíveis.'' (…)” (sublinhado nosso)– in www.dgsi.pt/jtrg.

X.

No caso em apreço não estamos perante obras de execução de contratos de empreitadas que respeitem a reparações efectuadas em imóveis destinados a longa duração, mas sim serviços de máquinas em limpezas, demolição de casa em ruínas, execução de muro em alvenaria, reforço estrutural e de elementos de fachada bem como a fixação de elementos soltos no telhado e beirado de uma casa em ruínas e ainda limpeza de escombros.

XI.

Conclui-se então que não estamos perante um contrato de empreitada, mas perante um contrato de prestação de serviços genérico, regulado no artigo 1154º do Código Civil.

XII.

“(…) O contrato de empreitada é uma espécie do género «contrato de prestação de serviços». Este é definido como aquele «em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.» - artº 1154º do CC. Já a empreitada é substanciada como o contrato «pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra mediante um preço»- artº 1207º do CC. Sendo que «os materiais e utensílios necessários à execução da obra devem ser fornecidos pelo empreiteiro, salvo convenção ou uso em contrário» - artº 1210º do CC (…)” – in www.dgsi.pt/jtrc.

XIII.

Em qualquer momento dos presentes autos foi questionado quem procedeu ao fornecimento dos materiais e utensílios necessários à execução da obra, pois nos serviços de máquinas em limpezas e demolição de casa em ruínas, poderiam ter sido utilizadas máquinas da falecida Maria; na execução de muro em alvenaria, poderia ter sido utilizado material, nomeadamente pedras, do muro já existente; no reforço estrutural e de elementos de fachada bem como a fixação de elementos soltos no telhado e beirado de uma casa em ruínas, neste caso os materiais poderiam ter sido usados os que se encontravam na casa em ruínas.

XIV.

Estando nós perante um contrato de prestação de serviços, dispõe o artigo 317º, alínea b) do Código Civil que prescrevem no prazo de dois anos os créditos dos comerciantes pelos objectos vendidos a quem não seja comerciante ou os não destine ao seu comércio, e bem assim os créditos daqueles que exerçam profissionalmente uma indústria, pelo fornecimento de mercadorias ou produtos, execução de trabalhos ou gestão de negócios alheios, incluindo as despesas que hajam efectuado, a menos que a prestação se destine ao exercício industrial do vendedor.

XV.

Todavia, acolhendo a tese plasmada na sentença, estando nós perante um contrato de empreitada, “(…) A prescrição de curto prazo da al. b) do artº 317º do CC não se aplica aos contratos de empreitada, excepto se os mesmos respeitarem a empreitadas de rápida execução e com valores diminutos e usualmente de pagamento imediato ou a breve trecho (…)” – in www.dgsi.pt/jtrc.

XVI.

Os serviços prestados pela Autora/Recorrida tiveram por objecto a realização de pequenos serviços, situação em que a dívida deveria e foi solvida num curto prazo (atente-se que as facturas se venceram em trinta dias), porquanto a conclusão dos trabalhos também foi de reduzido prazo.

XVII.

Deste modo, estas obras de rápida execução e com valores diminutos e usualmente de pagamento imediato ou a breve trecho (sublinhado nosso), enquadram-se na expressão execução de trabalhos prevista no artigo 317º, alínea b) do...

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