Acórdão nº 9/15.0YGLSB.S2-B de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelRAUL BORGES
Data da Resolução29 de Maio de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Nos autos de inquérito com o NUIPC 9/15.0YGLSB, que correu termos nos Serviços do Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça, em que é arguido AA, Juiz Desembargador em exercício de funções no Tribunal da Relação do Porto, foi deduzida acusação particular e pedido de indemnização civil, pelo assistente BB, contra o mencionado arguido, imputando-lhe a prática de dois crimes de difamação, previstos e punidos pelos artigos 180.º, n.º 1, e 183.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.

*** No âmbito dos mesmos autos de inquérito, a assistente CC também deduziu acusação particular e pedido de indemnização civil, contra o arguido AA, imputando-lhe a prática de um crime de difamação, previsto e punido pelos artigos 180.º, n.º 1, e 183.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código Penal.

*** O Ministério Público não acompanhou a acusação particular deduzida pela assistente CC por considerar que inexistia nos autos prova suficiente que permitisse sustentar a imputação ao arguido AA do crime de difamação, previsto e punido pelos artigos 180.º, n.º 1, e 183.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código Penal.

Já no que diz respeito à acusação particular deduzida pelo assistente BB contra o arguido AA, decidiu o Ministério Público acompanhar parcialmente a mesma, tendo considerado que alguns dos factos aí constantes integravam o crime de difamação, previsto e punido pelos artigos 180.º, n.º 1, e 183.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.

*** Nos termos do artigo 286.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, veio o arguido AA requerer a abertura de instrução, invocando a caducidade do direito de queixa exercido pelos assistentes CC e BB. Pugnou, ainda, pela atipicidade dos factos que lhe são imputados, e bem assim, para a hipótese de assim se não entender, defendeu que tais factos deverão ser tidos por justificados, ao abrigo do disposto no artigo 180.º, n.º 2, do Código Penal.

*** O requerimento de abertura de instrução apresentado pelo arguido foi admitido, tendo sido declarada aberta a instrução e determinada a realização das diligências probatórias requeridas consideradas pertinentes.

*** Realizadas que foram as diligências probatórias admitidas, teve lugar o debate instrutório.

*** Em 07-12-2017 foi proferida decisão instrutória, constante da certidão de fls. 2 a 68, (fls. 2124 a 2190 no principal), que decidiu (em transcrição): “A - Não pronunciar o arguido AA pela prática dos factos que, tendo-lhe sido imputados na acusação deduzida pelo assistente BB, se reportam à falsificação da letra e assinatura do arguido e aos problemas familiares do assistente; B - Não pronunciar o arguido AA pela prática dos factos que, tendo-lhe sido imputados na acusação deduzida pela assistente CC, dizem respeito ao incidente a que se refere o Processo n.º 168/12.TRPRT, ocorrido entre a assistente e uma oficial de justiça do Tribunal de ..., às expressões “Vou-te cozer” e “O corpo no EP”, e a menção alusiva à diminuição do património da assistente; C - Não pronunciar o arguido pela prática de três crimes de difamação, previstos e punidos pelos artigos 180.º, número 1, e 183.º, número 1, alínea b), do Código Penal; D - Pronunciar, nos termos do disposto no artigo 308.º, número 1, do Código de Processo Penal, para julgamento em processo comum e com intervenção do tribunal singular: AA, [...], nascido a ... de 1955, [...], por os autos indiciarem suficientemente que: 1.

No dia 15 de Janeiro de 2015, o arguido, ao prestar depoimento de parte no aludido processo 704/12.5TVLSB, o arguido AA, referindo-se à pessoa do assistente, afirmou o seguinte, no trecho respeitante a 01h07m00ss do respectivo depoimento: “BB é um indivíduo altamente temerário, é um indivíduo que… cujo estado normal, muito especialmente depois das refeições, é embriagado … é um o homem que em ... mais foge aos impostos … e, de resto, tem processo-crime por causa disso.

” 2.

E, na sessão que se seguiu a esta, ocorrida no dia 20 de Janeiro de 2015, o arguido prestou novamente depoimento e, a instâncias do mandatário da assistente CC, ali Ré, afirmou o seguinte, no trecho respeitante a 05m52ss: “Advogado da Ré - Olhe, nessa altura tinha boas relações com o Senhor Engenheiro BB? Autor – Nessa altura tinha muito boas relações com o Senhor Engenheiro BB. Ainda era altura em que ele frequentava a minha casa e bebia lá uma garrafa de uísque por noite, em regra”.

  1. Prosseguindo, o arguido imputou ao assistente o facto de ter reunido com a aqui assistente CC, com o objectivo de combinarem as perguntas, que a primeira haveria de lhe fazer, na diligência do dia 07/11/2011, a ter lugar no processo 269/11-PD, instaurado pelo CSM, bem como as respostas que havia de dar às mesmas perguntas.

  2. Assim, aquando do depoimento prestado, nos aludidos autos 704/12.5TVLSB, no dia 15 de Janeiro de 2015 e no trecho respeitante aos 24m 29ss das suas declarações, o arguido AA afirmou: “E então, junto do Doutor DD obtém a … a … o conhecimento do Senhor EE que a põe ao corrente, que a põe ao corrente da … da … dos indivíduos que estavam em contencioso comigo.

    Quem são os indivíduos que estavam em contencioso comigo? É o próprio, por razões que se prendiam com um processo-crime … eh … que estava… em que ele esteve … portanto, tinha o julgamento marcado para dia 6 de Outubro e no dia 6 de Outubro lhe perdoei – já agora, a título de parêntesis, quero dizer aqui isto, porque… só para evitar que me… esquecer-me disto, que é muito importante – e logo no dia 7, eu perdoo-lhe no dia 6 de Outubro e logo no dia 7 o Senhor EE, ao meu irmão ... e à empregada da casa, uma tal FF, diz isto, virou-se para ela e diz-lhe: “Olha, tu vais ter que me … que me prestar contas destes vinte e tal anos que andas a gerir aquilo que é meu e dos meus irmãos e quanto ao outro – o outro, referia-se a mim – ele vai saber o que é doce, porque já tem uma juiz à perna”. Isto no dia 7 de Outubro de 2011.

    Vim posteriormente a saber, aliás, agora já o posso dizer, já o disse no outro dia no Tribunal da Relação de Guimarães, já o posso dizer porque, infelizmente, a senhora … na altura eu omiti, omiti a identificação da pessoa que me disse isto porque era funcionária do Senhor EE e eu não queria que fosse objecto de represálias, mas entretanto e infelizmente a senhora faleceu e eu agora já não tenho problemas em dizer que era a Dona JJ que ouviu … viu e ouviu estarem reunidos no armazém do Senhor EE antes do dia 6, antes do dia 6 de Outubro, não … não posso precisar datas … eh … reunidos, o Senhor EE, o GG … o … eh … BB, o BB, conhecido por ..., e o HH, com ela. E dizem-me também com o seu Excelentíssimo marido e Advogado. E que a Senhora Juiz é nessa … nessa reunião que lhes fazia uma série de perguntas e que lhes ensinava as respostas que havia de dar. Isto foi-nos transmitido pela Dona JJ, a mim e ao meu irmão ....

    Portanto, estamos no dia 6 de Outubro, e no dia 7 de Outubro já o Senhor EE dizia “isto. O meu irmão ..., provavelmente para não me aborrecer, não me disse nada …” 5.

    Ao proferir as afirmações relativas ao estado normal de embriaguez do assistente, sobretudo após as refeições, à circunstância de ser em ... quem mais foge aos impostos, de se ter reunido com a assistente CC com o objectivo de combinarem as perguntas que a mesma lhe havia de fazer na diligência de 07.11.2011, a realizar no Processo n.º 269/11-PD, e bem assim ao tecer juízos de valor sobre a sua pessoa, agiu o arguido com perfeita consciência de que as referidas afirmações e os mencionados juízos de valor eram adequados a ofender a honra e a consideração do assistente, o que quis e conseguiu.

  3. Constituindo objectivo subjacente às mesmas afirmações e mencionados juízos de valor emitidos pelo arguido acerca do assistente o de apoucar, humilhar e rebaixar a sua pessoa.

  4. Visou ainda o arguido com a afirmação vertida a respeito da prestação fiscal do assistente afectar a sua consideração social e profissional.

  5. O arguido – até por ser magistrado e estar colocado na Secção Criminal de um Tribunal Superior − sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei, tendo agido com vontade livre e consciente.

  6. No âmbito do referido depoimento, prestado 15.01.2015, entre as 9h45m32s e as 13h12m46s, o arguido AA afirmou: “Dizem-me alguns colegas, inclusive aqui da Relação de Lisboa, dizem-me: “Olha que a tua imagem pública nunca mais vai ser a mesma, por muito que demonstres as falsidades e as calúnias, nunca mais vai ser a mesma, porque a imagem já passou.

    Olha que se formou um lóbi negativo relativamente à tua pessoa e sabes o que é que se diz? Diz-se o seguinte: Aqueles que te conhecem continuam a considerar-te um juiz honesto, sensato, com capacidades, com … enfim … um juízo de reputação. Os outros, sabes o que dizem? És um juiz de quem a juíza e o irmão disseram coisas graves e dizem coisas graves”.

  7. E, mais adiante (a partir de1h37m05s do mesmo trecho), acrescenta: “Estive graduado em oitavo lugar ex aequo com o sexto. Já na altura não entrei por causa destes processos, porque se andou … agora já sei isto, agora já sei … andou-se a pedir a … a … juízes conselheiros para não se jubilarem precisamente para eu não entrar … precisamente por causa destas … deste conjunto de … de … de denúncias caluniosas que a Doutora CC e advogado e da imagem pública que, efectivamente, se repercutiu com base naquilo que a Senhora Doutora CC…”.

  8. E, prosseguindo no dito depoimento, (a partir de 1h37m48s), disse o arguido: “Agora estou graduado em décimo nono, sôtor, e foram buscar à idoneidade nove pontos menos”.

  9. Sendo que, a partir de 1h39m00s do referido registo das suas declarações, o arguido acrescentou, a instância do seu Advogado: “Não tenho dúvidas, sôtor, que há.

    Mas há lóbis, sôtor … há um lóbi formado … o lóbi está formado e está montado” 13.

    E prosseguindo: “(…) sôtor, deixe-me dizer isto, eu andei muito tempo… e o sôtor sabe isso muito bem… andei muito tempo não preocupado com a história da Maçonaria … (…) Mas eu nunca estive preocupado com isso … confesso … acusar-me de fazer...

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