Acórdão nº 103/16.0GBAGN.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelJORGE JACOB
Data da Resolução26 de Junho de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO: Nos autos de instrução que correram termos pelo Juízo de Instrução Criminal de Coimbra – Juiz 2, foi proferida decisão instrutória de não pronúncia relativamente a A., pela prática de um crime de usurpação p. p. pelos art.ºs 195º, nº 1 e 197º do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos (que adiante se referirá por CDADC e ao qual se reportam todas as disposições legais seguidamente mencionadas sem menção do diploma de origem).

Inconformadas, as assistentes B. e C., interpuseram recurso do despacho de não pronúncia, retirando das correspondentes motivações as conclusões seguintes: I – Recurso da B.

a) No dia 24 de Maio de 2016, pelas 15.40, no estabelecimento comercial denominado (…), estavam a ser difundidas ao público obras musicais e literário-musicais, através de uma aparelhagem sonora, à qual estavam acopladas várias colunas, sintonizada na estação Rádio (...) ; b) As obras transmitidas neste estabelecimento comercial são protegidas pelo direito de autor; c) O arguido não dispunha de autorização da Recorrente, que o habilitasse a difundir tais obras em espaço público; d) A questão a apreciar nos autos é saber se a utilização que o arguido fazia das obras configura o conceito de "comunicação pública", tal como previsto no artigo 3.º n.º1 da Directiva 2001/29 e se os tribunas nacionais estão vinculados a interpretação que tem sido atribuída pelo Tribunal de Justiça da União Europeia ao conceito de "comunicação pública"; e) O Tribunal de Justiça da União Europeia tem vindo a delimitar, unanimemente, em diversos Acórdãos o conceito de comunicação pública; f) O conceito de "comunicação pública" deve ser entendido em sentido amplo, de modo a assegurar um elevado nível de protecção aos titulares de direito; g) O meio de comunicação específico não é decisivo; importante é que seja dada ao público a possibilidade de aceder às obras em causa; h) O conceito de "público" envolve um número indeterminado, mas importante de telespectadores ou ouvintes potenciais; i) Deve ser um público "novo", no sentido em que é diferente do previsto quando a radiodifusão foi inicialmente autorizada; j) O elemento lucrativo é relevante, mas não é decisivo; 1) A utilização de um mero meio técnico para garantir ou melhorar zona de cobertura não constitui comunicação ao público; m) A utilização de televisão, radio, colunas, amplificadores não são meros meios técnicos para garantir ou melhorar a transmissão de origem na zona de cobertura, uma vez que, caso essa intervenção não se verificasse, os clientes, embora encontrando-se fisicamente no interior da referida zona, não poderiam desfrutar da obra difundida.

n) O Tribunal de Justiça da União Europeia tem vindo, pelo menos desde 2007, em sucessivos Acórdãos a proferir decisões que nos permitem, com segurança e de modo uniforme a toda a União Europeia, circunscrever e entender este conceito; o) O Tribunal de Justiça da União Europeia tem entendido que a transmissão de obras radiodifundidas, através de aparelhos de televisão ou rádio em espaços públicos, configura o conceito de comunicação pública, uma vez que o detentor do aparelho de televisão, ao permitir a escuta ou a visualização da obra, tal intervenção deve ser considerada um acto de comunicação ao publico, nos termos do artigo 3º n.º 1 desta Directiva; p) O Tribunal de Justiça da União Europeia tem Circunscrito o conceito de “comunicação pública" em diversos Acórdãos, de entre os quais os Acórdãos SGAE, C-306/05; Football Association Premier League, C-403/08 e C-429/08 e OSA, C-351/12; q) As normas nacionais devem ser interpretadas no sentido que resulta da letra e do espirito da Directiva; r) No âmbito de um processo de reenvio promovido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, o Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu que "o conceito deve ser interpretado como abrangendo a transmissão de obras radiodifundidas através de um ecrã de televisão que se estende ao aparelho de radio e de colunas aos clientes que se encontrem presentes num estabelecimento comercial. Em tal situação estamos perante uma nova comunicação ao público e não perante uma mera recepção de uma obra"; s) Uma decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia proferida em casos de reenvio prejudicial para efeitos de interpretação vincula, quer quanto às conclusões, quer quanto à fundamentação, os tribunais nacionais.

t) O Tribunal a quo estava vinculado a seguir a interpretação que o Tribunal de Justiça da União Europeia deu ao conceito de “comunicação pública” no processo de reenvio suscitado pelo Tribunal da Relação de Coimbra; u) O arguido foi advertido várias vezes pela assistente, antes e depois do levantamento do Auto de Noticia que deu origem aos presentes autos, para a obrigatoriedade de obter autorização para proceder à comunicação de obras protegidas no espaço que explora; v) Embora estivesse avisado pela assistente para a necessidade de obter autorização, o arguido optou por não o fazer: x) O crime de usurpação é punido a título de dolo e a titulo de negligência; z) Ao ter sido avisado pela Recorrente para a necessidade de obter autorização, o arguido não pode não ter representado na sua mente a possibilidade de actuar de modo desconforme à Lei e, ainda assim, decidiu fazê-lo; aa) O arguido actuou, no mínimo, com dolo; ab) Ao ter decidido de forma diferente o Tribunal a quo violou os princípios do primado e da interpretação conforme; ac) A decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo deve, por isso, ser alterada, pronunciando-se o arguido pela prática de um crime de usurpação.

Termos em que deve ser revogada a decisão proferida em primeira instância, pronunciando-se o arguido A. pela prática de um crime de usurpação, previsto e punido nos termos do disposto no artigo 195° e 197º do CDADC.

II – Recurso da C.

1 - O presente recurso, interposto pela Assistente, da decisão instrutória nos autos à margem identificados, que sustentou a não pronúncia do Arguido relativamente à prática do crime de usurpação p. e p. pelos arts. 195. n. 1 e 197. n. 1, ambos do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos deve - com o devido respeito – ser julgado totalmente procedente, pois que, a decisão de não pronúncia do M mo. a quo, assenta, na perspetiva da Assistente, em pressupostos de direito erróneos.

2 - O Mmo. a quo, tendo por base o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ n.º 15/2013 de 16.12.2013, entendeu não pronunciar o Arguido pela prática do crime de usurpação, apesar de concordar que este se encontra em direto confronto com a jurisprudência comunitária, afirmando que «... na verdade, não é aprestado a esgrimir nenhum argumento que não tenha sido considerado no AC de fixação de jurisprudência, razão pela qual entendo que não há lugar à desaplicação desta jurisprudência obrigatória».

3 - Ora, na realidade, tal como referido no Acórdão da Relação de Coimbra, aqui Tribunal ad quem, de 28 de Junho de 2017, in www.dgsi.pt, «A fundamentação da divergência tem que ir para além da comum fundamentação da decisão penal, devendo suportar-se em argumento novo, relevante, e não ponderado, na notória alteração das concepcões doutrinais e/ou jurisprudenciais ou na modificação da composição do Tribunal Supremo (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 2007, Universidade Católica Editora, pág. 102 e Pereira Madeira, Código de Processo Penal Comentado, obra colectiva, 2014, Almedina, pág. 1591» - sublinhado nosso.

4 - Ora, o único argumento esgrimido pelo Mmo. a quo para a aplicação da Jurisprudência Uniformizada pelo Acórdão do STJ nº 15/2013 foi o de não ter sido esgrimido nenhum novo argumento de direito que lhe permitisse fundamentar a divergência da sua decisão face à jurisprudência uniformizada.

5 - Porém, entende a Assistente, ora Recorrente, que a divergência pode ser fundada não apenas mediante a existência de novos argumentos jurídicos mas também numa notória alteração das concepções doutrinais e jurisprudenciais relativamente às questões de direito em apreço sendo certo que, in casu, essa alteração existe, quer doutrinalmente, na doutrina nacional e comunitária, quer jurisprudencialmente, em sede de toda a jurisprudência do TJUE sobre esta matéria.

6 - Na verdade, o próprio Mmo. a quo admite a contradição direta entre o Acórdão do STJ nº 15/2013 e a jurisprudência comunitária, afirmando, na decisão instrutória, que «...esta jurisprudência do Acórdão do STJ n.º 15/2013 está em clara oposição com a interpretação que o TJUE tem vindo, uniformemente, a fazer sobre o conceito de «comunicação ao público» e que é a de que a autorização para a radiodifusão abrange apenas a recepção de obras em ambientes privados, de que são exemplo, os acórdãos do TJUE C-403/08, C-429/08 e C-351/12».

7 - Assim, tal entendimento plasmado no Acórdão do STJ n.º 15/2013, contraria, frontalmente, a interpretação (sentido, alcance e objetivo) das normas internacionais e comunitárias sobre esta questão, aplicáveis ao nosso país e às quais este se encontra vinculado, bem como, a interpretação conforme com as mesmas que das disposições nacionais, mormente as do CDADC, se terá que fazer, enquanto normas resultantes da transposição para o ordenamento jurídico nacional da Diretiva 2001/29/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio - mostrando-se necessário e urgente seguir, a nível nacional, a corrente jurisprudencial delineada neste ponto pelo TJUE.

8 - Porquanto, relativamente à diferenciação entre receção e comunicação pública, elemento basilar da tese do Acórdão do STJ n.º 15/2013, o TJUE concretizou de forma consistente e unitária o conceito de "público" e de "comunicação pública", nomeadamente no que diz respeito à comunicação pública resultante de transmissão de uma obra radiodifundida aos clientes de um estabelecimento através de rádio ou de ecrã de televisão.

9 - Sendo claro na vasta jurisprudência do TJUE nesta matéria, que constitui direito europeu...

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