Acórdão nº 381/19 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução26 de Junho de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 381/2019

Processo n.º 182/2019

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. Corre termos no Juízo Local Cível de Barcelos com o número 1151/12.4TBBCL uma ação declarativa em que são Autora A., Ré B. (a ora Recorrente) e interveniente principal C.. Na referida ação, em 14/06/2016, o mandatário da Ré deu notícia de que esta padecia de doença incapacitante, correndo já processo tendente à sua interdição. Examinada a informação clínica pertinente, em 11/07/2017 foi proferido despacho, pelo senhor Juiz titular do processo número 1151/12.4TBBCL, com o seguinte teor: “[a]tendendo à posição assumida pelo Ministério Público no requerimento que antecede, e uma vez que a Ré B. apenas tem como filho, o interveniente C., nomeia-se como curador especial da ré B. o seu neto D.”.

1.1. Em 06/12/2017, foi apresentado um requerimento, subscrito por advogada, juntando procuração para efeito da sua representação no processo, acompanhado de “atestado clínico que atesta a sua capacidade para intervir em juízo”. Em 11/12/2017, a Ré, alegando que encontrava “no pleno gozo dos seus direitos”, requereu a cessação da curadoria, pedido a que o Ministério Público deu o seu acordo.

Apreciando tal pretensão, em 11/01/2018 foi proferido um despacho pela senhora Juíza titular do processo, com o seguinte teor:

“[…]

Com relevo para a decisão temos que:

1) No âmbito do processo administrativo que correu termos nos Serviços do Ministério Público de Barcelos sob o n.º 627/16.9T9BCL, em 23.03.2017, foi realizado exame de perícia médico-legal de psiquiatria, à aqui ré B.

2) O perito médico que realizou exame, constatou que:

«a examinada [está] desorientada no espaço e no tempo (…) Depois de informada acerca do objeto da perícia não revelou capacidade de entender o sentido e o alcance da mesma…

Apresenta um discurso por vezes incoerente, mas que a capacita a descrever situações concretas e a expressar emoções primárias.

As suas funções cognitivas, numa avaliação clínica sumária, revelam uma deterioração cognitiva global marcada…

A examinanda desconhece o valor facial do dinheiro para uma nota de dez euros. Desconhece o custo dos bens de consumo essenciais e desconhece o valor da sua reforma.

A sua capacidade de juízo crítico encontra-se prejudicada pela deterioração cognitiva marcada.

Da análise da observação clínica, do exame do estado mental, da entrevista familiar e da consulta de registos clínicos constantes de peças processuais é possível afirmar que a examinanda sofre de síndrome demencial em estádio grave.

É de admitir que, a data do começo da sua incapacidade se deva situar em janeiro de 2015 (…)»

3) E concluiu no relatório pericial que «…sou de parecer que a examinanda sofre de anomalia psíquica grave, que incapacita total e permanentemente de reger a sua pessoa e bens…» (fls. 399 e 400)

4) Em 04.07.2016, a ré foi submetida a avaliação psicológica, a título particular e a pedido do filho C., tendo a Sra. Psicóloga clínica Dra. (…) concluído, para além do mais, que «os resultados da avaliação psicológica, baseada na recolha da história clínica com o filho, na observação clínica e em instrumentos de avaliação cognitiva devidamente certificados, permitem concluir a presença de défice cognitivo, com dificuldades ao nível da atenção, competências construtivas, capacidade visoespacial, nomeação e perceção visual, memória imediata e memória recente. Sem dificuldades significativas ao nível da memória remota. Estes resultados parecem diminuir significativamente o seu juízo crítico e a sua capacidade de insight.» (fls. 487)

5) Em 04.10.2017, o Sr. Oficial de Justiça que foi citar a ré B. no âmbito do processo de interdição n.º 2200/17.5T8BCL, fez constar que «certifico … que não levei a efeito a citação de B., uma vez que a citanda aos meus olhos não se encontra capaz de receber a presente citação.» (fls. 488)

6) Em 23.11.2017, a ré foi submetida a avaliação psicológica, a título particular e a pedido do filho C., tendo a Sra. Psicóloga clínica Dra. (…) concluído, para além do mais, que «os resultados da avaliação psicológica, baseada na recolha da história clínica, na observação clínica e em instrumentos de avaliação cognitiva, permitem concluir a ausência de défice cognitivo, com bom funcionamento geral. (…) com capacidade insight preservada, mantendo juízo crítico em relação à sua pessoa, ao seu estado de saúde e respetivas necessidades. …as alterações avaliadas parecem naturais do processo de envelhecimento, tendo em conta a sua idade cronológica e ausência de escolaridade, não parecendo existir sinais de psicopatologia.» (fls. 436)

7) Em 11.12.2017, a ré outorgou procuração perante o Sr. Notário E.. (fls. 444)

8) A ré tem 89 anos de idade. (fls. 312)

Posto isto, temos que os elementos que nos levaram a decidir pela curadoria provisória da ré foi a existência de exame de perícia médico-legal de psiquiatria, realizado por médico do INML, no âmbito de um processo administrativo que correu termos nos Serviços do Ministério Público de Barcelos sob o n.º 627/16.9T9BCL.

Exame pericial de psiquiatria forense que concluiu que a ré sofre de anomalia psíquica grave, que incapacita total e permanentemente de reger a sua pessoa e bens.

Ora, a única prova que a própria ré junta para provar da desnecessidade da curadoria provisória foi o relatório de avaliação psicológica, realizado a título particular e a pedido do filho C., pela Psicóloga clínica Dra. (…). Deste modo, a prova que a ré requereu foi o relatório de avaliação psicológica elaborado pela Psicóloga (…), junto aos autos a fls. 436 e é com base nesse documento e nos demais elementos juntos aos autos que o Tribunal tem de decidir.

E partindo do exposto, temos de dizer, em primeiro lugar, que a Sr. Psicóloga que agora elaborou este relatório em 23.11.2017, já anteriormente elaborou outro de sentido diferente, pois em 04.07.2016, afirmou que «permitem concluir a presença de défice cognitivo … o que parece[m] diminuir significativamente o seu juízo crítico e a sua capacidade de insight.»

Ora, muito se estranha que alguém que tinha um défice cognitivo, deixe de o ter um ano e quatro meses depois, sendo certo que a ré é pessoa de 89 anos de idade.

Surpreende ainda mais que alguém que em 04.07.2016 se mostrava com a sua capacidade insight significativamente diminuída, tenha já mais de um ano depois e com 89 anos, essa mesma capacidade de insight (ou seja, de discernimento) preservada, conforme resulta dos dois relatórios de avaliação psicológica.

Em segundo lugar, tais relatórios foram elaborados a pedido do filho da ré e como tal valem como documentos particulares.

Em terceiro lugar, temos que um Médico Psiquiatra, a pedido do Ministério Público, concluiu que a ré sofre de anomalia psíquica grave, que incapacita total e permanentemente de reger a sua pessoa e bens.

É certo que as perícias são livremente apreciadas pelo Tribunal nos termos do art. 389.º do Código Civil, pelo que o relatório do exame pericial realizado no âmbito do PA que correu termos nos Serviços do Ministério Público, tem de ser avaliado tal como os relatórios de avaliação psicológica elaborados a pedido do filho da ré. Contudo, não podemos, em consciência, deixar de dar maior primazia ao relatório de psiquiatria forense elaborado por entidade isenta, desinteressada e que fez exame a pedido do Ministério Público, em detrimento de um/dois relatórios elaborados a pedido do filho da ré, sendo ainda certo que a Sra. Psicóloga clínica que elabora os dois relatórios de avaliação psicológica, nem explica como é que alguém com 88/89 anos de idade, melhora ao nível da capacidade de compreensão e discernimento e deixa de ter um défice cognitivo, pois para quem já concluíra, o que consta do relatório de julho de 2016, o mínimo que se impunha é que explicasse tal melhoria com o decorrer dos anos. E isso não acontece na presente situação.

Deste modo, atentando essencialmente ao relatório de psiquiatria forense que determinou necessidade da curadoria especial, que em nosso entender não sai infirmado pelo documento agora junto pela ré, e nos termos do n.º 3 do citado artigo temos de decidir que é de indeferir o incidente de cessação do curador provisório por desnecessidade, tal como é requerido pela B..

Quatro notas finais.

A primeira para referir que os desentendimentos das partes são conhecidos da signatária até pela realização de outro julgamento entre as mesmas partes, mas isso não serve de nada para decidir do presente incidente.

Por outro lado, quando à ausência de...

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