Acórdão nº 2008/17.8T8BRG-B.G1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelCATARINA SERRA
Data da Resolução06 de Junho de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO AA e mulher, BB vieram instaurar a presenta acção declarativa de condenação contra a ré, CC.

Citada que foi, apresentou a ré contestação, sendo que, por despacho proferido nos autos a 28/11/2017, foi decido não admitir a contestação apresentada pela Ré, por extemporaneidade.

Inconformada com esta decisão, dela interpôs recurso a ré para o Tribunal da Relação de Guimarães, pugnando pela revogação desta despacho e pela sua substituição por outra decisão que admita o articulado da contestação, anulando todo o processado subsequente, e ordenando o prosseguimento dos autos com as legais consequências.

Analisando a tempestividade da contestação, decidiu o Tribunal da Relação de Guimarães, por Acórdão de 18.10.2018, confirmar a decisão recorrida.

Inconformada com tal desenlace, recorreu a ré para o Supremo Tribunal de Justiça. O recurso foi interposto como de revista excepcional, ao abrigo do artigo 672.º, n.º 1, als.

a), b) e c), do CPC e apresentava as seguintes conclusões: “1 - O Acórdão recorrido confirmou a sentença proferida em 1.ª instância, proferindo a seguinte decisão: “I – Enquanto o prazo dilatório é o que difere para certo momento a possibilidade da realização de um acto ou o início da contagem de um outro prazo, o prazo peremptório é aquele de cujo resulta a extinção do direito de praticar o acto.

II – Quando o pedido de apoio judiciário é formulado na pendência da acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o pedido de apoio e reinicia-se a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação.

III – E se na data desta notificação já tinha decorrido o prazo da dilação e estava a correr o prazo da contestação, apenas este último prazo se interrompe.” 2 - Nos presentes autos a citação da Ré, ora Recorrente, ocorreu no dia 24-05-2017, tendo a mesma beneficiado de uma dilação de 5 dias que acrescentou ao prazo para a apresentação da contestação (de 30 dias, de acordo com o disposto no artigo 569.º, n.º 1 do C.P.C), dado que o aviso de recepção foi assinado por pessoa diversa da Ré (artigo 245.º, n.º 1, al. a) do C.P.C.).

3 - Todavia, a ora Recorrente formulou pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono em 26-06-2017, reiniciando-se a contagem a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação, que ocorreu no dia 26-07-2017.

4 - Como esta notificação ocorreu no período de férias judiciais, o reinício da contagem do prazo foi transferido para o 1º dia útil seguinte, ou seja, 01-09-2017.

5 - Pelo que, procedendo-se à contagem do prazo de 35 dias para a apresentação da contestação em juízo este terminou em 05 de Outubro, que sendo feriado, se transferiu para o 1.º dia útil seguinte, assim e, somando ao dia 06 de outubro de 2017, três dias úteis, o prazo de apresentação da contestação terminava em 11 de Outubro de 2017, conforme sucedeu.

6 – O n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil consagra uma excepção a esta inadmissibilidade da revista, admitindo a "Revista Excepcional" e como se demonstrará, o presente recurso é admissível no caso sub judice, nos termos do disposto nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, preenchendo ainda as condições gerais de admissibilidade quanto ao valor da causa, nos termos do disposto no artigo 629.º do Código de Processo Civil.

7 - A alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º prevê a admissibilidade do Recurso de Revista "quando esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.".

8 - Ora, pressupõe este fundamento que "estejamos perante uma questão de manifesta dificuldade e complexidade, cuja solução jurídica imponha estudo e reflexão, quer porque se trata de questão que suscita divergências a nível doutrinal, sendo conveniente a intervenção do Supremo para orientar os tribunais inferiores ou porque se trata de questão nova, que à partida se revela susceptível de provocar divergências, por força da sua novidade e originalidade, que obrigam a operações exegéticas de elevado grau de dificuldade, susceptíveis de conduzir a decisões contraditórias, justificando igualmente a sua apreciação pelo STJ para evitar ou minorar as contradições que sobre ela possam surgir." in Acórdão do STJ de 02-02-2010, Processo n.º 3401/08.2TBCSC.L1.S1 in www.dgsi.pt.

9 - Trata-se ou de “vexata quaestio”, ou seja, uma questão muito controversa e debatida na doutrina, muito agitada e cuja resolução se impõe, se possível “sine discrepante”, ou de questão que, pelo seu ineditismo, deva ser apreciada para sedimentação futura.

10 - Pelo que, a questão jurídica que nos prende nos presentes autos é de facto aferir se o prazo que se reiniciou inclui também a dilação prevista no artigo 245.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Civil (?) 11 - Desta forma, a questão de sabermos se o prazo de dilação se contabiliza para efeitos de reiniciar a contagem do prazo para a apresentação do articulado de Contestação, é de extrema e particular relevância jurídica, por forma a acautelar os interesses quer das partes envolvidas, quer dos próprios advogados inscritos no Sistema de Acesso ao Direito.

12 - Na verdade, a apreciação deste recurso excepcional de revista e a tomada de posição por esta instância superior irá trazer uma maior certeza e segurança jurídica na contabilização dos prazos processuais, o que assume enorme importância, pois estamos a lidar com eventuais e potenciais situações de preclusão do direito de que as partes se arrogam.

13 - Pelo que, o conceito de relevância jurídica poderá, no caso em apreço, ser analisado na vertente de evitar futuras situações de contabilizações erróneas de prazos processuais, com a responsabilização dos advogados no domínio do instituto da perda de chance, o que para além de contribuir para o entupimento da justiça, leva também ao desprestígio da classe profissional em causa.

14 - Além disso, convém ter presente o disposto no artigo 24.º, n.º 4 da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho, na sua redacção actual, que consigna expressamente que o prazo que estiver em curso na acção judicial pendente se interrompe por mero efeito da junção aos autos do documento comprovativo da apresentação nos serviços de segurança social do requerimento com o pedido de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono; e, no n.º 5, prevê-se que o prazo interrompido se inicia, isto é, começa a correr por inteiro (cf. artigo 326.º, n.º 1, do Código Civil), a partir da notificação da decisão que conhecer do pedido de apoio judiciário, nos termos ali especificados.

15 - Ou seja, parece fácil proceder a uma leitura num duplo sentido desta norma: por um lado, poderá fazer-se a leitura de que se inicia a contagem do prazo que estiver em curso - o prazo dilatório conjuntamente com o prazo peremptório (5+30) - e, por outro lado poderá igualmente fazer-se a leitura que se inicia a contagem somente do prazo peremptório da contestação (30).

16 - Estamos, portanto, perante a situação em que a admissão deste recurso de revista se reveste de relevância jurídica e, em que se manifesta claro interesse objectivo (dado que transpõe os limites do caso concreto aqui em apreciação, constituindo um caso “tipo” que se repete e previsivelmente continuará a repetir-se) e, em que também se reconhece a utilidade de intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, com vista a uma pronúncia que possa servir como orientação para os tribunais e advogados, assim contribuindo para uma melhor aplicação do direito.

17 - Neste sentido, há relevância jurídica necessária para uma melhor aplicação do direito quando se trate de questão manifestamente complexa, cuja subsunção jurídica imponha um importante, e detalhado, exercício de exegese, um largo debate pela doutrina e jurisprudência com o objectivo de se obter um consenso em termos de servir de orientação, quer para as pessoas que possam ter interesse jurídico ou profissional na resolução de tal questão a fim de tomarem conhecimento da provável interpretação, com que poderão contar, das normas aplicáveis, quer para as instâncias, por forma a obter-se uma melhor aplicação do direito – vide, neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 3990/08.1TBBRG.G1.S1, de 07/09/2010, disponível em www.dgsi.pt.

[sublinhado nosso] 18 - Com efeito, “os fundamentos específicos da revista excepcional mostram que este recurso não visa, em primeira linha, a defesa dos interesses das partes, mas antes a protecção do interesse geral na boa aplicação do direito”, cf. ensina MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA -Reflexões sobre a Reforma dos Recursos em Processo Civil (Conferência proferida na Relação de Coimbra em 1212/2007, disponível em http://www.trc.pt/doc/confintmts.pdf), p. 16. [sublinhado nosso] 19 - Em face do exposto, em nossa opinião, não há dúvidas que se trata de uma questão de especial relevo jurídico, cuja apreciação por este Supremo Tribunal de Justiça se mostra necessária para uma melhor aplicação do direito.

20 - Ainda que assim não se entenda, o que não se concede, sempre se dirá que a alínea b) do n.º 1 da mesma disposição legal prevê a admissibilidade da Revista quando "estejam em causa interesses de particular relevância social", uma vez que estamos perante uma situação que põe em causa a eficácia do direito e em dúvida a sua credibilidade, abrangendo-se aqui casos em que há “um invulgar impacto na situação da vida que as normas jurídicas em apreço visam regular”, in Acórdão do STJ de 02-02-2010, Processo n.º 3401/08.2TBCSC.L1.S1, in www.dgsi.pt.

21 - Será uma situação que possa propiciar uma colisão entre uma decisão jurídica com valores sociais ou culturais dominantes que, em princípio, deveriam orientar o preenchimento do conceito em apreço e, cuja eventual ofensa possa causar sentimentos de...

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