Acórdão nº 24/18.1GBNIS.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 18 de Junho de 2019
Magistrado Responsável | MARIA ISABEL DUARTE |
Data da Resolução | 18 de Junho de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, na Ia Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório 1.1 - No âmbito do Proc. Comum com intervenção do Tribunal Singular N.° 24/18.1 GBNIS, do Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre - Juízo de Competência Genérica de Nisa, foi julgado, o arguido: V... , actualmente em prisão preventiva no E. P. de Castelo Branco, tendo sido proferida sentença, com o teor seguinte: "III. 1 Da parte criminal: Em face do exposto, julgo a acusação parcialmente procedente, por parcialmente Provada e, em consequência decido: a) Absolver o arguido V..., como autor material de um crime de violência doméstica, p. e p, pelo art.° 152.°, n.° 1, al, a) e n.° 2 do CP que lhe vinha imputado; b) Condenar o arguido V..., como autor material de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art° 152°, n.° 1, al. a) do Código Penal, na pena de três anos e nove meses de prisão; c) Declarar perdidos a favor do Estado os objectos apreendidos, nos termos do disposto no art.° 109.°, n° 1 do Código Penal; d) Condenar o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 4UC; III.2 Da parte cível: Decide-se: a) Arbitrar a título de indemnização à assistente T..., a suportar pelo arguido V..., a quantia de € 5 000,00 (cinco mil euros), nos termos do disposto no art. 21° da Lei n.° 112/2009, de 1619; b) Julgar o pedido cível deduzido pela ULSNA, procedente por provado e, em consequência, condenar o arguido V... no pagamento da quantia de € 85,91, acrescida de juros legais, contados desde a notificação do pedido cível, até integral pagamento.
c) Sem custas cíveis, nos termos do disposto no art.° 4.°, al. n) do RCP, (...)" 1.1.1 - O arguido, inconformado, interpôs recurso.
Nas suas alegações apresentou as seguintes conclusões: "1. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença que decidiu condenar o Arguido pela prática do crime de violência doméstica, p. e p. no artigo 152,°, n.°s. 1, al. a), e 2 CP, na pena de prisão de três anos e nove meses, bem como, na pena acessória de perda dos objectos apreendidos a favor do Estado, nos termos do artigo 109,°, n.° 1 CP.
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Aquando da fixação da medida da pena, entendeu a douta Sentença condenai' o Arguido a três anos e nove meses de prisão efectiva. O crime de violência doméstica p. e p. no artigo 152.°, n.° 1, al. b) CP prevê a aplicação de uma pena de prisão abstracta de um a cinco anos a quem pratica aquele crime.
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Quanto aos factos que consubstanciam e justificam a condenação na prática do crime de violência doméstica, resultou apenas provado que o Arguido e a Assistente mantiveram uma relação conjugal de vários anos, durante a qual o Arguido dirigiu palavras e expressões ofensivas à Assistente e que, ocasionalmente, ocorreram situações em que o Arguido se descontrolou e agrediu a Assistente, provocando-lhe danos físicos que, apesar da gravidade da situação, não lhe trouxeram problemas de saúde graves, nem permanentes.
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Isto é, apesar das situações descritas e dadas como provadas serem graves e indesculpáveis, a verdade é que foram pontuais e que não são o espelho de uma relação diária de abusos e maus tratos físicos.
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O facto de a Assistente ter conseguido descrever as situações em que o Arguido a agrediu fisicamente de forma tão precisa e detalhada, revela exactamente que estas situações foram isoladas.
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A Assistente referiu na audiência que não tinha medo do Arguido e que mesmo quando existiam situações de maior agressividade não temia pela sua vida, saúde ou segurança.
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Ora, assim sendo, se as situações de agressão estão perfeitamente identificadas e circunscritas no tempo, ter-se-á que concluir que os episódios de violência eram esporádicos e que a Assistente não vivia ininterruptamente sob a ameaça de agressões físicas.
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Por outro lado, também não pode o Arguido aceitar que se conclua, como faz a Sentença Recorrida, que as agressões perpetradas revelem elevadíssima censurabilidade, traduzida na gravidade dos danos físicos sofridos pela Assistente.
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Não quer o Arguido com isto diminuir o sofrimento da Assistente ou menorizar a gravidade do seu comportamento, apenas entende que, face ao tipo de crime em causa, as agressões perpetradas e o tipo de relação que existia entre o casal não pode ser visto como uma situação limite.
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O que o Arguido quer dizer com tudo isto é que, apesar da censurabilidade dos factos provados, o crime de violência doméstica p. e p. no artigo 152.° CP implica a prova de elementos gravíssimos, traduzidos na prática de factos criminosos que afectam a pessoa na sua saúde física, mental e emocional e na sua liberdade, pelo que não pode aceitar-se que os factos dados como provados nos autos sustentem a aplicação de uma pena de prisão efectiva próxima do limite máximo previsto.
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Note-se que neste caso a Assistente não se mostrou afectada na sua saúde mental e psíquica, tendo afirmado que o Arguido não a limitava na sua liberdade e autonomia, que não agredia a filha e que não tinha medo dele.
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A Sentença Recorrida considerou ainda que as necessidades de prevenção geral eram elevadíssimas neste caso (agravas pelo facto do Arguido viver numa comunidade pequena) e que o Arguido "demonstrou indiferença pelo sofrimento a que sujeitou a mulher".
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Quanto à exigência de prevenção geral da pena, faz sentido recordar que as Testemunhas M... e J... afirmaram nas suas declarações que o Arguido era um trabalhador exemplar e que estava totalmente integrado no local de trabalho.
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Estas Testemunhas, bem como a Testemunha M..., deixaram claro que o Arguido é uma pessoa integrada na pequena localidade onde reside e que, apesar de não ter trabalho fixo, trabalha sempre que consegue, naquilo que arranja e nunca traz problemas nem com os seus superiores, nem com colegas, nem com clientes.
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De acordo com as Testemunhas arroladas, ficou ainda provado que o Arguido já não consome estupefacientes e que se recuperou totalmente daquele vício.
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Por outro lado, o Arguido referiu que estava arrependido da forma como tinha agido. Disse ainda que estava arrependido de ter levado a Assistente para um local ermo para falarem, tendo dito claramente que gostaria de voltar atrás e de mudar a sua atitude, conforme ficheiro 20181130101918J035073_3447675, minutos 18:30 a 20:18.
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É ainda importante recordar, como faz a Sentença Recorrida, que a culpa do agente é sempre o limite da pena e que o seu fim último é o de alcançar a ressocialização do arguido, nos termos dos artigos 40° CP.
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Entende então o Arguido que no caso concreto a pena deve ser fixada em não mais de dois anos e seis meses, visto que não tem antecedentes da prática de crimes da mesma natureza, está socialmente integrado e recuperado da dependência de estupefacientes e que se encontra divorciado da Assistente.
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E portanto falso que as necessidades de prevenção especial sejam elevadas, visto que i) o Arguido e a Assistente estão separados e divorciados ii) a Assistente está a viver noutra localidade, iii) o Arguido está recuperado do consumo de estupefacientes e iv) o Arguido está arrependido da prática dos factos.
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Face a estes factos, salvo melhor entendimento, é por demais evidente que tudo indica que o Arguido não voltará a cometer o crime pelo qual foi acusado, sendo quase nulas as exigências de prevenção especial que se verificam no caso.
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Crê então o Arguido que, apesar das exigências de prevenção geral que se verificam hoje em dia na nossa sociedade, face às fracas exigências de prevenção especial e face ao seu grau de culpa, a pena de prisão aplicada é manifestamente excessiva, ofensiva dos princípios elementares dos fins da pena e, sobretudo, totalmente incompatível com a sua possível ressocialização.
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Neste sentido, entende o Arguido que nunca lhe poderia ser aplicada uma pena concreta superior a metade da medida abstracta da pena, defendendo que a pena concreta seja fixada em não mais do que dois anos e seis meses de prisão.
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Fixada a pena do Arguido em dois anos e seis meses de prisão, cumpre apreciar a possibilidade de suspensão da pena de prisão aplicada, nos termos do artigo 50.° do CP.
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In casu, nada leva a crer que o Arguido venha a reincidir na prática do crime de violência doméstica, quer seja contra a Assistente, quer contra qualquer outro cidadão. Mais, o Arguido encontrava-se a reiniciar um processo de socialização, finalmente livre dos problemas de droga e de álcool, merecedor da confiança dos amigos e conhecidos da pequena comunidade onde sempre viveu, digno até da confiança dos governantes locais, como a Testemunha M....
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Por fim, o Arguido apresentou-se em juízo com um discurso calmo e cooperante, embora simples, manifestando que a sua única intenção é continuar a sua vida junto da família e amigos e afastado da Assistente da qual está já divorciado.
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Tudo leva portanto a crer que o Arguido tudo fará para se manter afastado da delinquência e se integrar definitivamente na comunidade onde reside.
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Em conclusão, defende então o Arguido que lhe seja aplicada uma pena de prisão de dois anos e seis meses, suspensa na sua execução por igual período de tempo, nos termos do artigo 50.° CP.
Termos em que se requer a V, Exa. seja o presente Recurso julgado procedente, revogando-se a Decisão Proferida na parte em que fixa a medida da pena e, consequentemente, seja nessa parte substituída por outra que fixe a pena concreta do Arguido em dois anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução, nos termos do artigo 50° CP; Com todas as consequências legais.".
1.2-0 Magistrado do Ministério Público apresentou a sua resposta ao recurso concluindo: "A, A factualidade dada como provada na sentença recorrida é demonstrativa de uma violência crescente por parte do arguido contra a ofendida, violência esta que já se arrastava desde o início da relação de ambos, como a própria ofendida afirmou em julgamento (cf. ficheiro 20181207101226_1035073_344767, 52:20 - 57:20); B. Por outro lado, não corresponde à verdade que a ofendida não tinha receio do...
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