Acórdão nº 3583/16.40T8BR.C1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelACÁCIO DAS NEVES
Data da Resolução23 de Maio de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: AA SARL instaurou ação declarativa comum contra BB S.A. pedindo a condenação desta ré a pagar-lhe a quantia de € 133.750,00, acrescida dos juros de mora vencidos e que ascendem a quantia de € 12.653,98 e dos vincendos até efetivo e integral pagamento, e custas.

Alegou para tanto o seguinte: No exercício da sua atividade de comércio de produtos alimentares vendeu à ré, por encomenda desta, que recebeu e aceitou, produtos alimentares - atum pré-cozinhado congelado, originário do ... - constantes de duas faturas, - o 1º contentor expedido em 13/09/2014, desembarcado no Porto de ... em 12/10/2014, vencida a fatura a 90 (noventa) dias após a respetiva emissão, e o segundo, expedido em 22/11/2014, desembarcado no Porto de ... em 23/12/2014, vencida 30 (trinta) dias após ETA, apondo como condições de venda INCOTERM “CFR ...”- isto é, cost and freight – custo e frete.

As mercadorias foram devidamente analisadas - análise que confirmou cumprirem os requisitos sanitários e de boa qualidade da UE- e certificadas pelo Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural do ... - que emitiram certificado sanitário, em que se atestou que a mercadoria, uma vez controlada pelos seus laboratórios, cumpre as normas europeias, nomeadamente que os níveis de histamina são inferiores ao limite imposto pela Comunidade Europeia; ambos os contentores foram analisados e, apesar de ter sido detetada histamina, os valores ali registados são valores aceitáveis e previstos como tal pelo Regulamento (CE) n.º 2073/2005 da Comissão de 15 de Novembro de 2005.

Todos os documentos foram devidamente validados pela Ré, previamente ao envio dos originais por correio urgente DHL, e enviados pela Autora, e as autoridades competentes aceitaram a entrada dos contentores em território nacional, tendo passado pelo devido controlo sanitário.

Apenas no final de Janeiro de 2015 a ré veio reclamar que a mercadoria entregue continha valores elevados e fora do legalmente admissível de histamina, o que não lhe permitia dar o uso previsto ao atum.

As reclamações apresentadas pela Ré não têm fundamento, sendo que esta não procedeu ao pagamento das faturas.

A ré contestou e deduziu reconvenção, alegando em resumo o seguinte: As mercadorias foram adquiridas ao abrigo da Quota/Destino Especial, por forma a evitar a taxação de 24% de direitos de importação sobre estas mercadorias e por essa razão, as mercadorias só puderam ser desalfandegadas em Janeiro de 2015; Após o desalfandegamento definitivo, e após ter colhido determinadas amostras do produto para análise de controle de qualidade, constatou que aquelas mercadorias apresentavam índices de histamina bastantes elevados e fora do legalmente admissível pelo Regulamento CE nº. 2073/2005 de 15/11/2005.

O controlo veterinário da mercadoria só foi feito pela análise documental e não por uma análise laboratorial, donde, no ato de descarregamento, não foi possível verificar os índices altos de histamina.

Já após a chegada do produto a Portugal, tomou conhecimento que o atum fornecido pela autora foi pescado no ... sem que o barco tivesse congelação a bordo; a congelação a bordo é determinante para que o peixe chegue ao destino com qualidade e isento de parasitas e de contaminantes de forma a evitar índices de histamina superiores ao legalmente previsto; os testes laboratoriais e restante documento oriunda do ... são de reduzida fiabilidade sendo fácil obter documentos não condizentes com a realidade.

A mercadoria foi inspecionada pelo seu departamento de qualidade, e feita análise de histamina detetou-se de imediato problemas de qualidade, índices de histamina elevados.

A ré reclamou à autora, a qual enviou o Sr. DD à sua fábrica que acompanhou com o departamento de qualidade, a realização de análises de histamina a vários lotes de produto, tendo constatado os altos níveis de histamina no produto que foi analisado; o que levou a autora a retomar 3.500 Kgs emitindo NC nº. 0162014 datada de 20/02/2015.

Análises de histamina ao restante pescado, o qual foi feito pelo laboratório externo (Silliker) confirmaram a existência de histamina fora dos parâmetros regulamentares.

Não houve alteração das condições de conservação de frio do pescado a bordo do navio, ou nas câmaras frigoríficas ou na fábrica da ré, pelo que, o atum congelado vendido já saiu de origem do ... impróprio para o consumo humano de acordo com as normas europeia.

Em 16/03/2015 a ré enviou à autora carta registada com AR, considerando incumprido definitivamente o contrato de fornecimento.

Na falta de qualquer resposta por parte da autora, a ré entregou a mercadoria para destruição à EE Lda.

O incumprimento da autora provocou à ré diversos prejuízos.

E concluiu pedindo, para além da improcedência da ação, com a sua consequente absolvição do pedido, que a autora reconvinda fosse condenada a pagar-lhe indemnização no valor de € 60.650,42, juros de mora desde a citação até integral e efetivo pagamento.

A autora respondeu, impugnando a factualidade alegada e mantendo a sua posição.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, na qual se decidiu: - Julgar a ação totalmente improcedente; - E julgar parcialmente procedente a reconvenção, condenando-se a autora reconvinda no pagamento à ré reconvinte da quantia de € 7.150.42 ( sete mil cento e cinquenta euros e quarenta e dois cêntimos).

Na sequência e no âmbito de apelação da autora, a Relação de Coimbra, sem voto de vencido, julgou improcedente o recurso e confirmou a sentença recorrida.

Uma vez mais inconformada, interpôs a autora recurso de revista excecional (admitido pela Formação a que alude o nº 3 do art. 672º do CPC), no qual formulou as seguintes conclusões: 1ª - A admissibilidade da presente revista excecional justifica-se nos termos do artigo 672.° n.º 1 als. a) e b) do Código de Processo Civil, por um lado se tratar de uma questão nova sobre o alcance da força probatória dos documentos n.º 3 a 17 juntos à petição inicial que constituem a documentação necessária, entre os quais os certificados sanitários para exportação do ... e importação para Portugal de pescado, exigível para os restantes países da Comunidade Europeia.

  1. - O acórdão recorrido entendeu que tais documentos, mesmo que sejam tidos como documentos autênticos, apenas possuiriam força probatória plena limitada às amostras do pescado, nada certificando quanto ao restante pescado exportado, do qual aquelas amostras foram retiradas, mais entendendo que não existe impedimento de produção de outras provas que demonstrem a não conformidade sanitária do produto em causa.

  2. - A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça impõe-se para uma melhor aplicação do Direito comunitário e que não foi corretamente aplicada pelas instâncias, já que os certificados referidos na conclusão anterior devem ser tidos como documentos autênticos, emitidos por uma autoridade estrangeira, no caso, o Ministério de Agricultura e Desenvolvimento Rural do ..., em respeito pelas convenções com a Comunidade Europeia e com respeito integral dos requisitos impostos pela Legislação Comunitária, como resulta da conjugação dos seguintes Regulamentos comunitários: Regulamento do Conselho (EC) n.º 1005/2008 de 29 de Setembro de 2008: Regulamento (CE) 2073/2005 da Comissão de 15 de Novembro de 2005; Regulamento (CE) 1441/2007 da Comissão de 5 de Dezembro de 2007, Regulamento (CE) 178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho de 28 de Janeiro de 2002, relativamente aos quais o acórdão recorrido entendeu não possuírem qualquer força probatória relativamente ao género alimentício exportado pelo ...

    excetuando as amostras.

  3. - A intervenção deste Supremo Tribunal de Justiça parece-nos plenamente necessária para o esclarecimento se, nos termos dos pertinentes normativos, legais, tais documentos possuem ou não força probatória plena e, em caso afirmativo, se tal força probatória plena deve ser limitada, ou não, apenas relativamente às amostras ou, pelo contrário, abrange toda o produto objeto da exportação, de forma a que os Tribunais inferiores possam ser orientados sobre o âmbito da aplicação da força probatória plena aos documentos emitidos por autoridades estrangeiras e que entendemos como autênticos.

  4. - A questão sub judice para além de original, deve ser objeto de pronúncia por este Supremo Tribunal para uma melhor aplicação do Direito comunitário e convenções com países extracomunitários, no âmbito das relevantes relações de comércio internacional entre países comunitários e extracomunitários, evitando que sobre a mesma matéria venham a recair decisões com orientações diametralmente opostas.

  5. - Por outro lado, a presente revista excecional deverá também ser admitida por tal questão se revelar de particular relevância social, na medida em que o acórdão recorrido esvazia de conteúdo e de eficácia o Direito aplicável ao caso concreto, suscetível de causar forte impacto negativo nas relações comerciais de países comunitários e extracomunitários e nos objetivos da legislação comunitária, porquanto a legislação comunitária impõe aos países extracomunitários, na exportação para países da Comunidade Europeia, a verificação de determinados requisitos sanitários para os géneros alimentícios, precedidos de verificação laboratorial química a determinado número de amostras e, apesar disso, a decisão recorrida entendeu que tais requisitos se verificam apenas relativamente às amostras e não a todo o produto exportado, ou que aquelas são em número reduzido apesar de impostas legalmente, para poder determinar que o produto se encontra impróprio para consumo, apesar de por causa dos legais certificados sanitários se ter permitido a entrada em território comunitário.

  6. - A relevância social da questão suscitada traduz-se no entrave à fluidez do comércio internacional, como é colocado pela decisão da Relação de Coimbra ao parecer atribuir efeitos probatórios plenos aos certificados sanitários apenas quanto à conformidade das amostras...

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