Acórdão nº 1264/18.9BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 06 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelPEDRO MARCHÃO MARQUES
Data da Resolução06 de Junho de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório S................, SA.

interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que, no processo de intimação para prestação de informações e passagem de certidões por si instaurado contra a USF – Alma Mater (Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, IP.), julgou improcedente o pedido de intimação formulado quanto à consulta de cópia do processo clínico de Manuel ................ ou, em alternativa, de um relatório médico actualizado com a menção a doenças e respectivas datas de diagnóstico do referido paciente.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões: 1. A Recorrente não se conforma com a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, a qual veio julgar a presente acção de intimação totalmente improcedente, não intimando, assim, a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I.P. - USF ALMA MATER a prestar a informação clínica solicitada à ora Recorrente.

  1. Vejamos, no seguimento de óbito de Manuel ................, a ora Recorrente solicitou, por carta expedida no dia 22.02.2018, junto da USF ALMA MATER – Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I.P., o envio de cópia do processo clínico do segurado ou, em alternativa, Relatório médico actualizado com menção a doenças e respectivas datas de diagnóstico.

  2. Para legitimar tal pedido de acesso a dados de saúde de Manuel ................, a ora Requerente juntou cópias das declarações de saúde assinadas pelo mesmo, as quais são parte integrante do contrato de seguro de vida grupo – “Crédito à Habitação”, subscrito em 14.07.2006 pelo falecido.

  3. Sucede que, a USF ALMA MATER – Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I.P. recusou tal pedido.

  4. Facto com a qual a ora Recorrente não se conformou, tendo apresentado Queixa junto da Comissão de Acesso a Documentos Administrativos (CADA), nos termos do art. 16.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de Agosto (LADA).

  5. No seguimento da interposição de tal Queixa foi a Recorrente notificada do Parecer n.º 441/2018, emitido pela CADA, junta sob. doc 4.

  6. Sucede que, não obstante, o parecer emitido pela CADA, a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I.P (USF Mater), aqui Recorrida, não remeteu à Recorrente a documentação solicitada.

  7. Facto com a qual a Recorrente não se conformou, nem se pode conformar, tendo como tal intentado a douta acção de intimação.

  8. Ora, veio o douto Tribunal negar o acesso da Requerente ao processo clínico do seu segurado com o fundamento de que “(…) não estando a Requerente munida de uma autorização escrita expressa e específica de acesso a dados de saúde, nem sendo a Requerente titular de um interesse constitucionalmente protegido no acesso às informações de saúde do seu segurado, cabe concluir que a mesma não tem direito a obter a informação por si pretendida (cfr. artigos 7.° e 6.°, n.° 5, da LADA).” 10. Nos termos do n.º 3 da lei n.º 12/2005, de 26 de Janeiro, a propriedade da informação de saúde, incluindo os dados clínicos registados, resultados de análises e outros exames subsidiários, intervenções e diagnósticos é da pessoa a quem essa informação respeita.

  9. Conforme dispõe o n.º 3 do artigo 1.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de Agosto: “ O acesso a informação e a documentos nominativos, nomeadamente quando incluam dados de saúde, produzidos ou detidos pelos órgãos ou entidades referidos no artigo 4.º, quando efetuado pelo titular dos dados, por terceiro autorizado pelo titular ou por quem demonstre ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido na informação, rege-se pela presente lei, sem prejuízo do regime legal de proteção de dados pessoais.” 12. Além disso, dispõe o n.º 5 do art.6.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de Agosto: “Um terceiro só tem direito de acesso a documentos nominativos: a) Se estiver munido de autorização escrita do titular dos dados que seja explícita e específica quanto à sua finalidade e quanto ao tipo de dados a que quer aceder; b) Se demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação.” .

  10. No presente caso, e tal como se poderá aferir do clausulado junto, a Pessoa Segura, aquando da celebração do Contrato de Seguro consentiu de uma forma livre, informada, expressa e específica o acesso ao seu processo clínico, por parte da Seguradora, através do seu médico conselheiro.

  11. Atente-se especificamente, no seguinte: A Recorrente, através do seu médico conselheiro, ficou expressamente autorizada a aceder a “toda e qualquer informação” de saúde do segurado de “que possa necessitar” “mesmo após a ocorrência de um sinistro coberto por este contrato”.

  12. Ademais, como concluiu, e bem, a CADA, no seu douto parecer: a Requerente se encontra munida de autorização escrita de acesso à informação de saúde do respetivo segurado, nela se compreendendo o processo clínico daquele, na parte abrangida por aquela autorização, nos termos previstos na al. a) do n.º 5 do art. 6.º da LADA, devendo por isso ser-lhe facultada a informação pedida.

  13. A CADA pronunciou-se através do seu Parecer n.º 441/2018, concluindo da seguinte forma: “´7. No caso em apreciação, a requerente invoca estar munida de autorização escrita do segurado para aceder ao processo clínico deste, subscrita nas declarações que integram o contrato de seguro (cf. fls. 1 do processo).” 17. Vejamos, procedendo ao enquadramento de direito da questão controvertida, ao pedido de intimação ao acesso a informação de saúde na posse de entidade pública, aplica-se o disposto no artigo artº 268º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, bem como a lei 26/2016, de 22 de Agosto e a lei 67/98, de 26 de Outubro.

  14. O artigo 268.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP) dispõe que os cidadãos têm direito de acesso "aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à … intimidade das pessoas".

  15. Por sua vez, o artigo 26.º n.º 1 da CRP reconhece o direito à identidade pessoal e à reserva da intimidade da vida privada.

  16. Não se coloca em causa que os dados relativos à saúde pessoal integram o âmbito de protecção legal e constitucional do direito à reserva da intimidade da vida privada, conforme, aliás, dispõem os arts. 80.º do CC e o referido art. 26.º da CRP; 21. Não obstante este direito, não é absoluto; 22. Destarte, o direito de acesso, o direito à protecção de dados e o direito à reserva da intimidade da vida privada, direitos fundamentais, não são absolutos, sendo que inexiste entre os direitos fundamentais relação de hierarquia ou de generalidade-especialidade, estando sujeitos à ponderação casuística e sequencial com outros direitos de acordo com um critério de proporcionalidade, face aos valores em jogo.

  17. Por estarmos perante um direito constitucionalmente consagrado, a intromissão na esfera privada da pessoa, ou seja, o acesso à sua documentação clínica só é permitida a terceiro que estiver munido de autorização escrita expressa e demonstrar ser titular de um interesse directo, pessoal e legítimo suficientemente.

  18. In casu, a Seguradora é portadora de um interesse directo, pessoal e legítimo suficientemente relevante, segundo o princípio da proporcionalidade, uma vez que, só mediante o acesso a todos os elementos que considere necessários, poderá ter um real conhecimento das causas em que o sinistro ocorreu e atestar da cobertura do mesmo pela apólice em causa.

  19. Na verdade, trata-se de aceder a documentação médica de onde podem resultar factos relevantes para a verificação dos pressupostos da obrigação da seguradora pagar o valor de uma indemnização em virtude da morte da pessoa segura 26. Acresce que, aquando da subscrição do contrato de seguro, a segurada consentiu de forma expressa, livre e informada, a Seguradora a aceder a tal documentação.

  20. Pelo que se consideram inequivocamente verificados todos os pressupostos de que a lei faz depender o acesso à documentação clínica por parte de terceiros e, como tal, por parte da ora Recorrente.

  21. De facto, uma vez salvaguardados os princípios da dignidade da pessoa humana, não se vê em que medida ou a título de que direito constitucional ou administrativo se pode subtrair a todos e quaisquer terceiros o conteúdo de documentos contendo informações de saúde, tanto mais quando a terceira em causa, ora Recorrente, para além de se encontrar munida do consentimento expresso e escrito da Segurada, é titular daquele interesse directo, pessoal e legitimo suficientemente relevante, sendo que só assim se poderão cumprir proporcional e adequadamente as necessidades da realidade do comércio jurídico.

  22. Acresce que, não será admissível impor às Seguradoras a aceitação ou o pagamento de todo e qualquer risco/prejuízo, no pressuposto que estes possam ser inerentes à mera celebração de um contrato de seguro uma vez que, a admitir-se tal facto sem se exigir em contrapartida a verificação de certos pressupostos, de resto explanados nos contractos e do conhecimento dos Segurados que os subscrevem, violar-se-ia, por completo, o equilíbrio contratual das partes.

  23. Por outro lado, a obtenção por parte da Seguradora de dados relativos ao estado de saúde e caudas de morte, ao contrário do que invoca a Recorrente, em nada colide com os direitos dos Segurados, porquanto estes são obtidos com a finalidade exclusiva de atestar que as declarações que os Segurados prestaram aquando da celebração dos contractos são verdadeiras, sendo sempre garantida a confidencialidade inerente aos mesmos, porque facultados a médicos designados pelas Seguradoras e, como tal, não atentam a...

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