Acórdão nº 960/17.2T8BRG-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelEDUARDO AZEVEDO
Data da Resolução23 de Maio de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães M. R. intentou acção com processo comum contra Cruz Vermelha Portuguesa.

Pediu: “(…) (…) (…)”.

Alegou, para tanto, em súmula: trabalhou para a R sob sua autoridade e direcção; desde 1998, em resultado de ter passado devido a assédio sexual de quem trabalhava para a R sofreu depressão profunda com seria consequências físicas e psíquicas, situação que durou ininterruptamente até o ano de 2006; a partir do final desse ano a pessoa que a assediava e outras que também trabalhavam para a R passaram a criar-lhe problemas de diversa ordem, sendo alteradas funções, tudo para a prejudicar; em 16.06.2017 foi comunicado que passaria a exercer actividade profissional num outro equipamento da R com más condições de trabalho e onde não exercia qualquer função sua, a alguns quilómetros; fazia de telefonista e de recepcionista ocorrendo situações além do mais discriminatórias; ficou impossibilitada de apresentar pedido de bolsa de estudo; em 2011/12 foi-lhe recusado o estatuto de trabalhadora/estudante; em finais de 2013 foi convidada a voltar para a sede para coordenar a gestão dos recursos humanos; os problemas continuaram, sendo desrespeitada e descriminada; já estava com profunda depressão e desde 01.10.2014 passou a estar de baixa médica por motivos psiquiátricos, com internamento e consultas; pelo ocorrido passou a ter problemas de ordem psicológica e psiquiátrica ficando a padecer de síndrome pós traumático com incapacidade permanente; e, por isso, resolveu o contrato de trabalho com justa causa em 22.11.2016, sendo a respectiva carta recebida no dia seguinte.

Foi deduzida contestação onde se alega, sumariamente, no sentido da impugnação de factualidade e conclusões relatadas na petição inicial, do abuso de direito, de não ser tempestiva a resolução do contrato e da litigância de má-fé.

Termina-se reconvindo, alegando ainda que houve recebimento indevido de quantia18,80€ durante período de três meses, a título de ajudas de custo, a indemnização pelo despedimento ilícito ascender a 1.794,82€ e a dos danos não patrimoniais, pelo invocado na petição inicial atentatório do bom nome, a montante não inferior a 10.000,00€: “(…) (…)”.

A A respondeu, e, mantendo a sua posição inicial, opôs-se à excepção de caducidade (devido aos tratamentos a que se sujeitou, ganhando lucidez sobre o que lhe tinha acontecido e o estado em que se encontrava, bem como tomando consciência dos seus problemas e agir, só no momento da resolução é que teve conhecimento dos efeitos da violação por parte do empregador dos seus direitos pessoais e laborais tornando-se intolerável a manutenção da relação laboral) e à reconvenção por ser inadmissível na parte que respeita ao pedido de indemnização a título de danos não patrimoniais, o qual não emerge de facto jurídico que serve de fundamento à acção e antes da responsabilidade civil extracontratual.

Na fase do saneamento e condensação, decidiu-se: “(…) Veio a R. deduzir reconvenção, pedindo a condenação da Autora a pagar-lhe a quantia de 11.851,25 €, pelas ajudas de custo pagas indevidamente, pelos prejuízos causados pelo despedimento ilícito e pelos danos não patrimoniais causados à reconvinte.

A Autora/Reconvinda opôs-se à admissibilidade da reconvenção.

Cumpre decidir.

A reconvenção traduz-se numa das formas de modificação objectiva da instância, já que proporciona uma "alteração ao próprio conteúdo da relação processual" (cfr. nesse sentido, Ary de Almeida Elias da Costa e Outros, in Código de Processo Civil Anotado e Comentado, 3º VoI., pág. 403). Na verdade, vindo o réu à acção deduzir certa espécie de pedido contra o Autor, o objecto da relação processual resulta por esse facto ampliado.

A admissibilidade de uma reconvenção relaciona-se com o princípio da economia processual - é possível, de uma forma simultânea, decidir várias questões que de outra forma, teriam de correr em processos separados. Contudo, como salienta o Prof. ALBERTO DOS REIS, há um verdadeiro "cruzamento de acções" e ambas, apesar de se processarem em conjunto, devem ser analisadas de per si.

Contudo, a admissibilidade está sujeita a determinadas condições.

Acerca da admissibilidade formal de reconvenção dispõe expressamente o artigo 30º, n° 1 do Cód. Proc. Trabalho, que esta é admissível quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção e no caso a que se refere a al. p) do art. 85º da Lei 3/99 de 13/1 (actualmente artigo 126º, alíneas n) e o) da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto), ou seja, quando o pedido reconvencional emerge de relação conexa com a acção por acessoriedade, complementaridade ou dependência, desde que, em qualquer dos casos, o valor da causa exceda a alçada do tribunal.

Ora, analisando os autos resulta que, da forma como se encontra formulado, o pedido reconvencional é admissível nos termos do n.º 1 do art. 30º do Cód. Proc. Trabalho, na medida em que o pedido do(a)(s) réu(é)(s) emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção (cessação do contrato de trabalho).

Pelo exposto, julgo a reconvenção admissível.

***(…) A Ré suscita a excepção peremptória da caducidade do direito à resolução do contrato por parte da A.

A esse respeito dispõe o artigo 395º, nº 1 do Código do Trabalho que a declaração de resolução do contrato de trabalho com justa causa deve ser feita dentro dos trinta dias subsequente ao conhecimento dos factos que a justificam.

Nos termos do nº 2 do artigo 298º do Código Civil, quando, por força da lei, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição.

Não se verificando, no caso em apreço, a ressalva prevista na parte final daquela norma, ao direito de resolução reclamado pela A. são assim aplicáveis as regras da caducidade, o que de resto não foi posto em causa.

Pronunciando-se sobre os termos em que a melhor doutrina costuma distinguir entre causas instantâneas e causas prolongadas e, dentro destas, as causas repetidas ou sucessivas e as continuadas ou duradouras, a propósito das causas de resolução do contrato de arrendamento e do divórcio litigioso, ORLANDO CARVALHO criticava a utilização de critérios empíricos e defendia uma distinção baseada em critérios jurídicos que tivessem em consideração, antes dos demais, elementos interpretativos, o texto e estrutura ou morfologia da norma (1- Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 1180, na 3737, págs. 229 e ss).

Como aí escreveu este ilustre professor, qualquer facto que perturbe o desenvolvimento lícito de uma relação jurídica duradoura pode originar uma reacção do direito, logo que esse facto se produz ou apenas quando, pela sua conexão com outros factos, do mesmo ou de diferente género, atinge um certo nível de gravidade ou de intolerância para o direito.

No primeiro caso teremos uma causa (de reacção) instantânea e no segundo caso teremos uma causa não instantânea, uma causa prolongada, continuada ou duradoura.

A tipologia das causas de reacção tem de definir-se numa perspectiva causal-jurídica, em função da produção de cada reacção e das suas razões conformativas ou estruturantes.

Causas instantâneas são, assim, as que assumindo, de per si, uma significação sancionatória determinam uma reacção da ordem jurídica que se traduz, normalmente, no reconhecimento puro e simples do direito de resolução do contrato sem necessidade de qualquer facto novo nem mesmo que seja o seu prolongamento ou a sua não renovação em curto prazo previsível. Como expressamente diz o insigne mestre, é o que sucede com o não pagamento da renda que, sem mais, confere ao senhorio o direito de resolver o contrato.

A não remoção ou subsistência da violação não interessa e nada acrescenta para o desencadeamento da reacção sancionatória. A conduta antijurídica prevista na hipótese legal é que, sem mais, desencadeia ou produz a reacção da ordem jurídica, a possibilidade da resolução do contrato.

Não se exige certo tempo ou a habitualidade ou a subsistência da violação por certo período de tempo, como nas causas duradouras previstas nas alíneas c), h), i) e j) do artº 64º do antigo RAU (2- Na altura, em vigor). O que importa é, assim, apurar se o facto que justifica a resolução do contrato é, segundo a norma que o prevê, suficientemente grave para pôr em crise a subsistência da relação jurídica (3- Na pág. 231 da referida R.L.J. lê-se: "se num contrato comutativo, a retribuição não se paga e num contrato para certo uso, o uso se altera, se num contrato intuitus persona se cede ilícita e unilateralmente o gozo, etc., o equilíbrio das prestações e dos direitos e obrigações recíprocos modifica-se basicamente, sendo inexigível que o praestare patientiam do senhorio se haja de manter".

Em consonância com os princípios e considerações expostas que têm pleno cabimento quanto à resolução do contrato pelo trabalhador, com fundamento no artigo 394º do Código do Trabalho e que são igualmente aplicáveis na interpretação do artigo 395º, nº 1 desse regime, impõe-se concluir que a alegada prática de assédio sexual, só por si e independentemente de outros factos, sendo eventualmente motivo justificativo do direito à resolução, constitui urna infracção continuada ou duradoura, na medida em que pressupõe naturalmente várias causas, práticas reiteradas, uma sucessão de acumulação de factos, da mesma índole ou de índole diversa, violações contratuais repetidas, geradoras de situações que subsistem e às quais a lei atribui uma significação diversa dos factos que a originaram (4- GUILHERME DRAY, em anotação ao artigo 29º do Código do Trabalho, considera que "o assédio constitui um conjunto concatenado de comportamentos que tem por objectivo ou efeito criar um ambiente de tal forma hostil, que o trabalhador se vê na contingência de, ele próprio, por se sentir marginalizado, pretender desvincular-se perante o empregador, pondo termo à relação laboral" (PEDRO ROMANO MARTINEZ e Outros, Código do Trabalho...

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