Acórdão nº 01493/17.2BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Março de 2019
Magistrado Responsável | Maria Fernanda Antunes Apar |
Data da Resolução | 15 de Março de 2019 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO RMC, Lda., com sede na Rua de A…, 4470-135 Maia, instaurou acção administrativa contra o Estado Português, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de €1.653.154,90, acrescida de juros vincendos desde a citação até integral pagamento, sem prejuízo de futura exigência de capitalização de juros.
Por decisão proferida pelo TAF do Porto foi julgada procedente a excepção peremptória de prescrição do direito de indemnização e absolvido do pedido o Réu.
Desta vem interposto recurso.
*Alegando, a Autora concluiu: A) - Vem o presente recurso interposto do respeitável saneador com o valor de sentença proferido nos autos, na parte desfavorável à Recorrente, ou seja na parte em que julgou procedente a excepção peremptória da prescrição do direito invocado pela Autora-recorrente e, em consequência, julgou a acção improcedente, resultando, assim, a absolvição do Réu do pedido.
-
- Entende-se que a sentença recorrida não fez correcta interpretação e aplicação do direito atinente, nomeadamente dos Artºs. 279º-2 do CPC e 323º-1 e 498º-1, estes do Código Civil, como se procurará demonstrar.
-
- Por sentença de 13/10/2011, transitada em julgado em 6/2/2013, proferida na acção de impugnação judicial nº 1564/07.3BEPRT, que a ora Recorrente intentara no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, foi essa acção julgada procedente e, em consequência, foi declarada a ilegalidade do recurso a métodos indirectos para efeitos de liquidação, recurso esse levado a efeito pelos serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto.
-
- Em 15/07/2015, a ora Recorrente intentou contra o Ministério das Finanças a acção administrativa nº 1879/15.7BEPRT, também pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, exigindo o pagamento dos prejuízos que sofrera com a referida liquidação de imposto pelos métodos indirectos, cuja ilegalidade fora reconhecida e decretada pela sentença referida em 4.1, que, como se disse, transitou em julgado em 6/2/2013, data a partir da qual se tornaram exigíveis os mencionados prejuízos.
-
- Essa acção nº 1879/15.7 foi julgada improcedente por sentença transitada em julgado em 22/05/2017, que decretou a absolvição da instância do demandado Ministério das Finanças, por falta de personalidade judiciária deste.
E )- A ora Recorrente intentou a presente acção (nº 1493/17.2) em 21/6/2017, ou seja, dentro dos 30 dias após o referido trânsito em julgado, comprovando nos presentes autos a propositura daquela acção nº 1879/15.7.
-
- A causa de pedir, o pedido e a entidade demandante nas duas referidas acções – a nº 1879/15.7 e a nº 1493/17.2 – são as mesmas, diferindo apenas em que naquela o demandado foi o Ministério das Finanças e nesta o demandado é o Estado.
-
- No caso sub-judice, face ao disposto no artº. 279º-2 do CPC, a absolvição da instância decretada no processo 1879/15.7 não obsta a que se mantenha a interrupção derivada da citação nele efectuada na entidade Ministério das Finanças, dada a propositura da presente acção nº 1493/17.2 dentro dos 30 dias após o trânsito em julgado da sentença proferida naquela acção nº 1879/15.7, não se consumando a prescrição do direito da Autora, ora Recorrente, embora esta acção tenha sido instaurada já com o prazo prescricional abstrato já exaurido (cfr., por todos, Ac. S.T.A., de 15.10.1994, dgsa – proc. nº 039608).
-
- Ao contrário do que entende a sentença recorrida o Ministério das Finanças não se configura como pessoa jurídica diversa da pessoa colectiva Estado, que tem, ao contrário daquele, personalidade jurídica e judiciária.
-
- Com efeito, o Ministério das Finanças é uma componente do Governo, que também não tem por si personalidade jurídica e judiciária e é apenas o órgão, embora principal, da pessoa colectiva de direito público Estado; J) - Não existe pois, a dicotomia referida na sentença (pessoa Ministério das Finanças e pessoa Governo), pelo que, decidindo como decidiu pela prescrição do direito accionado pela ora Recorrente, aquela sentença violou o disposto nos artºs. 498º-1 e 323º-1 do Código Civil, e 279º-2 do CPC, violação que constitui o fundamento específico da recorribilidade (artº. 637º-2 do CPC); L) - Deve, assim, ser revogada a sentença recorrida, ordenando-se o prosseguimento dos ulteriores termos da acção.
Dado o exposto e o suprimento, que sempre se espera, deve o despacho com o valor de sentença, ora recorrido, ser revogado, devendo a acção prosseguir os seus ulteriores termos.
*O Ministério Público, em representação do Estado Português juntou contra-alegações, concluindo: 1 – Face ao disposto no artº 498º, nº 1 do CC, aplicável «ex vi» artº 5º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas (RRCEEDEP), aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31/12, o prazo de prescrição de três anos do direito de indemnização, fundado em responsabilidade civil extracontratual do Estado, começa a correr a partir da data em que o lesado teve conhecimento da verificação dos pressupostos que definem essa responsabilidade; 2 - A prescrição, face ao disposto no artº 323.º, n.º s 1 e 4, do CC, apenas se interrompe pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, bem como através de qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do ato àquele (ou seja, à entidade) contra quem efetivamente o direito pode ser exercido; 3 - É que o facto/ato interruptivo da prescrição, por ser meramente pessoal, consiste no conhecimento que teve o concretamente obrigado, através da citação ou notificação judicial, de que o titular pretende exercer o direito, não se bastando a lei com uma qualquer citação, mas tão-somente com a que respeite a qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito face à entidade contra quem o direito pode ser exercido; 4 -Assim, para que o efeito interruptivo opere exige-se, para além da prática de ato ou de qualquer outro facto em que direta ou indiretamente se demonstre a intenção de exercer o direito, que esse ato ou facto chegue ao conhecimento do(s) efetivamente obrigado(s), em virtude de , sendo o ato interruptivo meramente pessoal, só haver interrupção da prescrição quando a afirmação do exercício do direito for levada ao conhecimento do obrigado por via judicial; 5 - E do disposto no artº 279º, nº 2, do CPC dimana que:
-
Proferida sentença de absolvição da instância os efeitos civis derivados da proposição dessa causa e da citação do réu mantêm-se, quando seja possível, se a nova ação for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias a contar do trânsito em julgado, sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos; e b) Os efeitos derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu não podem aproveitar-se quando a segunda ação seja proposta por pessoa diferente ou contra pessoa diversa; 6 - No processo nº 1879/15.7BEPRT não houve qualquer intervenção do Estado (ou do Ministério Público, que deveria atuar como seu legal representante, nos termos do disposto nos artºs 10.º e 11.º do CPTA), pois o mesmo não foi demandado nem citado nem ainda sequer notificado para o que quer que fosse; 7 - Destarte, a citação do Réu Ministério das Finanças ocorrida na ação n.º 1879/15.7BEPRT não pode servir de suporte a uma suposta interrupção de prescrição face ao R. Estado Português, já que, no âmbito da mesma, relativamente a este, não se verificou qualquer «citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito» (cfr. artº 323º do CC); 8 - O erro na indicação na referida ação nº 1879/15.7BEPRT do Ministério das Finanças como Réu deu-se num quadro legislativo entrado em vigor em 2003, segundo o qual aos Ministérios não é reconhecida legitimidade (logo não lhe é reconhecida personalidade judiciária) nas ações que tenham por objeto relações contratuais e de responsabilidade pura, pelo que o erro verificado é, pois, censurável, imputado (subjetivamente) à A., tanto mais que em ambas as ações era obrigatória a constituição de advogado; 9 – Apesar de a presente ação ter sido deduzida dentro do prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância proferida no procº nº 1879/15.7BEPRT, como o Réu Estado não teve nesta ação de 2015 qualquer intervenção, carece de fundamento legal o entendimento sufragado pela Recorrente de interrupção da prescrição; 10 - A citação ocorrida na ação 1879/15.7BEPRT é, portanto, ineficaz, como facto interruptivo da prescrição, relativamente ao ora Réu Estado Português, pois o Ministério das Finanças e o Estado são entidades diversas; 11 - Donde se tem de concluir que a prescrição não foi nunca interrompida, devido a exclusiva culpa ou inércia da A., por não ter sido efetuada qualquer citação - antes de 29.06.2017 - ou notificação judicial destinada ao Réu Estado Português; 12 - Assim sendo e tendo a presente ação sido instaurada, como a própria Recorrente reconhece, já com o prazo prescricional abstrato já exaurido, apenas se pode concluir pela improcedência da ação e, deste modo, do recurso a que ora se responde por inexistência das apontadas violações dos artºs 498º, nº 1, e 323º, nº 1, do Código Civil, e 279º, nº 2, do CPC (ou de qualquer outras); 13 - Nesta conformidade, como não se vislumbra nas alegações de recurso fundamento capaz de justificar a não verificação da referida exceção perentória, todos os danos peticionados encontram-se inelutavelmente prescritos; 14 – Pelo que deve a pretensão da Recorrente soçobrar, negando-se, portanto, provimento ao recurso, mantendo-se, em consequência, a decisão judicial objeto do recurso interposto pela A..
JUSTIÇA! *Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS DE FACTO Na decisão foi fixada a seguinte factualidade: 1) Em 9/7/2007 a A. intentou uma ação...
-
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO