Acórdão nº 42/17.7T8AVV.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Maio de 2019
Magistrado Responsável | AFONSO CABRAL DE ANDRADE |
Data da Resolução | 16 de Maio de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Sumário: 1.
As águas são coisas imóveis (art. 204º,b CC). Tendo ficado demonstrado que as águas em causa pertencem ao domínio público, por força do art. 202º,2 CC, estão fora do comércio e não podem ser objecto de direitos privados, concretamente de direitos reais, sendo insusceptíveis de apropriação individual.
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O Código Civil regula apenas o regime das águas particulares, previstas nos arts. 1385º e seguintes. Em relação às águas pertencentes ao domínio público, as mesmas são reguladas por legislação especial.
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Tendo esta acção sido fundada na invocação de direitos reais, como direito de propriedade, de servidão, por usucapião, está inapelavelmente votada ao fracasso.
I- Relatório J. F.
e mulher M. T.
, residentes no lugar de …, freguesia de ..., concelho de Arcos de Valdevez, deduziram acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra Junta de Agricultores das ...
, domiciliada no lugar de Lage, freguesia de ..., concelho de Arcos de Valdevez, pedindo que esta seja condenada a: a) reconhecer o direito de propriedade dos Autores relativamente ao prédio descrito no artigo 1º da petição inicial; b) reconhecer o direito dos Autores ao aproveitamento da água nos termos descritos na petição inicial; c) reconhecer, que em benefício do prédio dos Autores, existe, constituída por usucapião, uma servidão de presa da água referida; d) abster-se da prática de actos que ponham em causa o direito dos Autores, designadamente, abster-se de impedir a circulação da água do modo e trajecto referidos; e) compensar os Autores pelos danos causados em montante não inferior a € 3.500,00.
A Junta de Agricultores das ... apresentou contestação, alegando que a água em causa é pública, que a gestão da mesma pertence à Ré e que os Autores não são beneficiários da mesma. Pese embora tenha formulado “pedidos” na parte final da contestação (declaração de que a água é pública, que à Ré pertence a respectiva administração, exploração e conservação e que não existem constituídas quaisquer servidões de passagem e de presa constituídas sobre terrenos do domínio público em favor do prédio dos Autores), a Ré não deduziu reconvenção, pelo que aqueles não podem ser conhecidos.
Foi proferido despacho saneador, e realizou-se a audiência de julgamento.
A final foi proferida sentença que:
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Declarou que os Autores são titulares do direito de propriedade sobre o prédio rústico, composto de terreno de mato, sito no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Arcos de Valdevez, a confrontar de norte com Junta de Freguesia, sul com estrada camarária, nascente com estrada camarária e poente com Junta de Freguesia, descrito na Conservatória do Registo Predial de Arcos de Valdevez, sob o nº. ... e inscrito na matriz predial rústica sob o art. ....
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Absolveu a Ré dos demais pedidos formulados pelos Autores.
Inconformados com esta decisão, os autores dela interpuseram recurso, que foi recebido como de apelação (artigos 629º,1, 630º, a contrario, 628º, 638º e 139º, 631º, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (artigos 644º,1, 645º,1,a e 647º,1 CPC).
Findam a respectiva motivação com as seguintes conclusões: 1- Os Autores pretendem que o Tribunal lhes reconheça o direito ao aproveitamento das águas que identificam e nos moldes que descrevem.
2- Os Autores não pretendem explorar a dita água ou apropriar-se da mesma.
3- Pretendem sim, que a mesma tenha o uso e utilização que desde sempre lhe foi dada, para abeberamento dos animais, o que sucede há mais de 50 anos.
4- E, sem perturbação da circulação da água.
5- Ou seja, que a mesma circule naturalmente e sem ingerência nessa circulação.
6- Os Autores não pedem a apropriação da água, mas sim, o reconhecimento do uso e da circulação da mesma e o respeito e abstenção na perturbação o mesmo.
7- Os Autores apenas pretendem que respeitam a circulação da referida água, para que, assim sendo, ela cumpra o uso habitual, naquele local, que é dos animais ali beberem.
8- As obras efectuadas no referido rego e no local em questão, onde ocorre esta situação, são sinal de respeito pelo uso e finalidade da água.
9- As referidas obras são ainda sinal do reconhecimento e respeito na circulação da água.
10- O rego em questão foi todo intervencionado e concretamente no referido local, foi tida em atenção e respeitado o normal circular da água.
11- Desde então, sucederam várias Juntas de Agricultores, sem que nenhuma tenha mudado tal facto.
12- Não tendo o tribunal a quo reconhecido a constituição de uma servidão, atenta a natureza indiscutivelmente pública das águas, deveria, pelo menos e por tudo o explanado, ter reconhecido que existe constituído por usucapião o uso ou a utilização específico desta água.
13- Existe constituída por usucapião o uso para abeberamento dos animais.
14- Aliás função essa que até é reconhecida pela Ré, alegando existir acta que permite o abeberamento dos animais.
15- Está provado o uso dado à agua, que nem passa por intervenção dos Autores, sendo que não há qualquer prejuízo ou desvio da mesma, nem influência no seu caudal.
16- Provadas que estão as obras e o decurso temporal.
17- Provada que está o decurso temporal da circulação, nos moldes descritos da referida água, que ocorre há mais de 50 anos, a decisão final deveria ser diferente.
18- Pelo que no termos do art. 1390.º n.º 2 do CC: “A usucapião, porém só é atendida quando for...
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