Acórdão nº 308/12.2TAABF.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Abril de 2019

Magistrado ResponsávelMAIA COSTA
Data da Resolução24 de Abril de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório AA, com os sinais dos autos, foi condenado no Juízo Central Criminal de ..., da Comarca de ..., por acórdão de 14.9.2018, pela prática dos seguintes crimes: - dois crimes de falsificação de documento, p. e p. pelos arts. 256º, nºs 1, e), e 3 do Código Penal (CP), na pena de 2 anos e 8 meses de prisão, por cada um deles; - um crime de simulação de crime, p. e p. pelo art. 366º, nº 1, do CP, na pena de 10 meses de prisão; - um crime de burla simples, p. e p. pelo art. 217º, nº 1, do CP, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão; - um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º, nº 1, e 218º, nº 1, do CP, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão.

Em cúmulo jurídico destas penas, foi o arguido condenado na pena única de 6 anos de prisão.

Deste acórdão recorreu o arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, alegando: 1. Da condenação O Recorrente foi condenado pela prática de dois crimes de falsificação de documento, um crime de simulação de crime e dois crimes de burla, previstos, respetivamente, nos arts. 256.º, n.º 1, al. e) e n.º 3, 366.º, n.º 1 e 277.º, n.º 1 do Código Penal. E, ainda, ao pagamento de indemnizações às demandantes BB e CC, SA.

Pese embora o Recorrente manter bastas divergências relativamente à matéria de facto julgada provada, nomeadamente aos sucessos que determinaram os presentes autos, pensa também que a prevalência das questões de natureza eminentemente jurídica, nomeadamente de índole processual, é tão intensa que justifica este imediato recurso per saltum, para que se possa repor o curso normal da Justiça.

Vejamos então o percurso dos autos para se chegar ao Acórdão recorrido. Após queixa-crime da companhia de seguros CC, posteriormente acompanhada por outra, da outra companhia de seguros assistente no processo - a BB- e, ainda, de uma denúncia da autoria da nora do Recorrente, DD, foi efetuado inquérito que culminou com o Despacho de Arquivamento de fls. dos autos.

Na sequência de reclamação hierárquica da queixosa BB, veio a ser proferido Despacho de Acusação que deu lugar ao julgamento que se concluiu com o Acórdão recorrido.

Naquele despacho de acusação (ref. 10667403), o Recorrente era acusado da prática, em concurso real e de forma consumada, de: “1. Um crime de falsificação de documento, previsto e punido nos termos do art. 256.º, n.1 e) e 3 do mesmo diploma.(sic) 2. Um crime de simulação de crime, previsto e punido nos termos do art. 366.º n.º 1 do Código Penal.

  1. Dois crimes de burla qualificada, previsto e punido (sic) pelos artigos 217.º n.º 1 e 218.º n.º 2 a).

  2. Um crime de falsificação de documentos, previsto e punido pelo art. 256.º n.º 1 alíneas e) e n.º 3”.

    O Acórdão condenatório, notificado ao Recorrente com a referência 110583736, condena efetivamente por estes crimes. Sucede é que os factos subjacentes à condenação não são os mesmos que justificaram a dedução da acusação.

    A) Da Acusação Deixamos por agora de parte toda a matéria relativa aos acusados crimes de burla e ao crime de simulação.

    Pese embora uma deficiente redação, os factos que determinaram a acusação do Recorrente pelos dois crimes de falsificação vêm suficientemente descritos naquela peça processual, na qual, aliás, se encontram elencados pela ordem cronológica da sua verificação, segundo a perspetiva do Ministério Público.

    Assim, lê-se nas páginas 6 e 7 da Acusação: “Em data não apurada, mas no mês de julho de 2011, logo que o veículo lhe foi entregue pela oficina devidamente reparado, o arguido colocou as matrículas ...-BI-... no referido veículo.

    “As matrículas ...-BI-... apostas no referido veículo não eram e não são s matrículas reais do mesmo.

    “A matrícula real atribuída pela entidade pública competente para o efeito ao referido veículo é, como supra exposto, a matrícula alemã RS-...

    “Deste modo, desde julho de 2011, o arguido passou a circular como referido veículo como se tratasse do veículo de matrícula ...-BI-....

    “Sabia o arguido que as ditas matrículas eram desconformes com a realidade e que só ao Estado cabe emitir e atribuir matrículas aos veículos que circulam na via pública.

    “Assim, o arguido trocou as matrículas reais do veículo em causa por esta outra matrícula, apresentando-se nas vias públicas como se fosse as originariamente atribuídas ao veículo.

    “Ao utilizar essas matrículas no referido veículo, como fez, visou ele obter, e obteve, efectivamente, o benefício de poder circular com o veículo sem que o mesmo fosse titulado com a apólice de seguro válida e para que não fosse autuado por tal infracção pelos agentes fiscalizadores do trânsito.

    “Da mesma forma, agiu com intenção de colocar em causa a fé pública de que a matrícula de um veículo automóvel beneficia, bem como a credibilidade que merecem todos os documentos emitidos por entidade pública, assim causando prejuízo ao Estado.” Mais adiante, e depois de efetuar a descrição fáctica que determinou a acusação pelos crimes de simulação e burla, o Ministério Público retoma o tema da falsificação, agora com referência à alegada utilização do veículo em causa, originariamente com a matrícula RS- ..., agora com a matrícula também alemã RS-....

    Afirma o MP, a fls. 13 e 14 da Acusação: “O veículo automóvel em causa, com o VIN n.º W0L0AHL3562109707, com a matrícula alemã RS..., encontra-se actualmente em local desconhecido, tendo sido localizado, em data não concretamente apurada, mas em Janeiro de 2012, parqueado numa garagem sita na rua de ..., residência do seu filho, pelo perito da seguradora “CC”, ostentando na ocasião as matriculas também alemãs RS-....

    “Tais matrículas RS-... apostas no referido veículo não eram e não são as matrículas reais do mesmo.

    “A matrícula real atribuída pela entidade pública competente para o efeito ao referido veículo é, como supra exposto, a matrícula alemã RS-....

    “Nessa ocasião, em data não apurada, o arguido passou a circular com o referido veículo como se se tratasse de um veículo de matrícula RS-....

    “Sabia o arguido que as ditas matrículas eram desconforme com a realidade e que só aos Estados cabe emitir e atribuir matrículas aos veículos que circulam na via pública.

    “Assim, o arguido trocou as matrículas reais do veículo em causa por esta outra matrícula, apresentando-se nas vias públicas como se fossem as originalmente atribuídas ao veículo.

    “Ao utilizar essas matrículas no referido veículo, como fez, visou ele obter, e obteve, efectivamente, um benefício de poder circular com o veículo sem que o mesmo fosse localizado e identificado como sendo um dos outros veículos, quer o de matrícula portuguesa ...-BI-... quer o de matrícula alemã RS-..., de forma a conseguir manter a credibilidade da sua versão de que o veículo de matricula portuguesa havia sido reparado com as peças pertencentes ao RS-..., que teria sido furtado em Albufeira e dessa forma, receber os valores devidos pelas seguradoras.

    “Da mesma forma, agiu com intenção de colocar em causa a fé pública de que a matrícula de um veículo automóvel beneficia, bem como a credibilidade que merecem todos os documentos emitidos por entidade pública, assim causando prejuízo ao Estado.” Caracterizadas as ações do Recorrente que preencheriam o tipo legal do crime de falsificação, segue-se, com evidente coerência interna, o raciocínio lógico-dedutivo que permite estabelecer o tipo subjectivo do crime imputado, a síntese e a indicação dos meios de prova.

    B) Do Acórdão No decorrer do julgamento, o Tribunal a quo apercebeu-se - e nesta fase não se fará, pela natureza deste recurso, a análise crítica da decisão sobre a matéria de facto - da inexistência de provas suficientes para consolidar a acusação de falsificação de documentos, no modelo proposto pelo Ministério Público, decorrente da utilização das matrículas.

    É assim que na matéria dada como não provada, indica-se, como segue, um extenso conjunto de factos não provados: “….

    2.2. Que o arguido colocou as matrículas ...-BI-... no veículo alemão (RS-D178).

    2.3. Desde julho de 2011 o arguido passou a circular com o referido veículo como se se tratasse do veículo de matrícula ...-BI-....

    2.4. As matrículas ...-BI-... apostas no referido veículo não eram e não são as matrículas reais do mesmo.

    2.5. Em data não apurada o arguido passou a circular com o referido veículo com a matrícula alemã RS-...

    2.6. Sabia o arguido que as ditas matrículas eram desconformes com a realidade e que só ao Estado cabe emitir a atribuir matrículas aos veículos que circulam na via pública.

    2.7.O arguido trocou as matrículas reais do veículo em causa por esta outra matrícula, apresentando-se nas vias públicas como se fossem as originalmente atribuídas ao veículo.

    2.8. Ao utilizar essas matrículas no referido veículo, como fez, visou ele obter, e obteve, efectivamente, um benefício de poder circular com o veículo sem que o mesmo fosse titulado com a apólice de seguro válida e para que não fosse autuado por tal infração pelos agentes fiscalizadores do trânsito.

    2.9. Da mesma forma, agiu com intenção de colocar em causa a fé pública de que a matrícula de um veículo automóvel beneficia, bem como a credibilidade que merecem todos os documentos emitidos por entidade pública, assim causando prejuízo ao Estado.” Todos estes correspondem aos elementos que, na Acusação, preenchiam o tipo objetivo e subjectivo dos dois acusados crimes de falsificação.

    Neste quadro decisório, lógica era a consequência - o Tribunal a quo tinha de absolver o Recorrente, sem qualquer dúvida, dos dois crimes de falsificação que lhe eram imputados.

    Mas não foi esse o percurso escolhido.

    O Tribunal optou por utilizar factos que efectivamente constavam dos autos para imputar dois outros crimes de falsificação ao Recorrente.

    De uma forma algo confusa, na fixação da matéria de facto o Tribunal afirma que o Recorrente teria, no mesmo dia da participação crime na GNR de ..., obtido e entregado na seguradora CC, assistente nestes autos, o que se designa como uma “certidão para efeitos de indemnização...

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