Acórdão nº 680/06.3BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 23 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelPEDRO NUNO FIGUEIREDO
Data da Resolução23 de Maio de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

*Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I. RELATÓRIO W...., Lda.

, instaurou ação administrativa comum, tramitada sob a forma de processo ordinário, contra o Estado Português, na qual peticionou a condenação deste último a pagar-lhe uma indemnização no valor total de € 1.521.720,05 [um milhão, quinhentos e vinte e um mil, setecentos e vinte euros e cinco cêntimos], por danos patrimoniais e não patrimoniais, por si sofridos, em consequência de não ter sido decidido em prazo razoável o recurso contencioso de anulação por si interposto.

Alega, em síntese, que tendo intentado em 26 de Março de 1990, no Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, recurso contencioso de anulação da deliberação tomada em 24 de Janeiro de 1990, pela Câmara Municipal do Funchal, que revogou o seu direito de construir no quarteirão o imóvel que aí ia construir e, a 1 de Junho de 1990, recurso contencioso de anulação da deliberação camarária de 15 de Março de 1990, os mesmos só vieram a obter decisão final e definitiva e, consequentemente, só viu reconhecido o seu direito cerca de 15 anos após o ter reclamado judicialmente, assim entendendo ter sido violado o seu direito a uma decisão judicial em prazo razoável e violado o disposto nos artigos 20.

º, n.

º 4, da CRP, 6.

º, n.

º 1, da CEDH, e 2.

º, n.

º 1, do CPC, aplicável subsidiariamente.

Citado, o réu Estado Português, representado pelo Ministério Público, apresentou contestação, na qual pugna pela improcedência da pretensão condenatória por não se verificarem no caso concreto os pressupostos em que assenta a responsabilidade do Estado, inexistir facto ilícito, não assumirem os danos não patrimoniais invocados gravidade bastante para atribuição de indemnização e os demais não vir sequer alegado que foram provocados por qualquer atraso do processo.

A convite do Tribunal, a autora apresentou nova petição na qual concretizou os danos invocados, a que se seguiu nova contestação do réu.

Por decisão de 23/08/2011, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa julgou a ação parcialmente procedente, e condenou o Estado Português a pagar à autora a quantia de € 50.000,00 euros a título de danos não patrimoniais, absolvendo-o do demais peticionado.

Não se conformando com tal decisão, o Ministério Público, em representação do Estado Português, interpôs recurso, terminando as suas alegações com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem: “1 - Na presente acção foi o R. - Estado Português condenado a pagar à A. a quantia de € 50 000 (cinquenta mil euros), a título de danos não patrimoniais, por alegados danos causados pela violação do direito à decisão em prazo razoável, 2 - Não foi devidamente tida em conta toda a vastíssima matéria constante nos factos assentes do despacho saneador, para desde logo se perceber o emaranhado de questões jurídicas levantadas, e a volumosa carga processual aí patente, a qual demonstra a inexistência de demora na administração da justiça.

3 - Para que haja responsabilidade civil por atraso no funcionamento da justiça torna-se necessário que os atrasos na prática de actos processuais, sendo injustificados, venham a pesar no tempo de prolação da decisão final, com consequências para as partes.

4 - De acordo com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem são critérios para determinação do prazo razoável a natureza e complexidade do processo, o comportamento das partes e o comportamento dos órgãos do poderes judicial, executivo ou legislativo, critérios que, por sua vez, deverão ser aferidos, não em função da demora de um qualquer acto de sequência processual ou de prolação de decisão interlocutória, mas relativamente a todo o conjunto do processo.

5 - O Réu Estado não é susceptível de responsabilização pelas delongas do processo em resultado do eventual ilegítimo aproveitamento pelas partes das faculdades processuais, legalmente estabelecidas, em cumprimento do dever de garantir amplas garantias de defesa dos interesses daquelas, que sobre o primeiro impende.

6 - Concluindo-se pela ausência de nexo de causalidade, entre o excesso de tempo decorrido em dois momentos processuais distintos, e os prejuízos alegadamente sofridos pelo Autor, é, obviamente, desnecessária a averiguação da existência dos restantes pressupostos e forçoso julgar improcedente o pedido.

7 - Não basta a simples ou mera violação dum prazo previsto na lei para a prática de certo acto judicial para concluir logo no sentido de que foi violado o direito à justiça em prazo razoável.

8 - Para aferir da ilicitude por violação do direito à justiça em prazo razoável, é necessário ter em conta as circunstâncias da causa e os critérios consagrados pela jurisprudência, em especial a complexidade do caso, o comportamento do requerente e o das autoridades competentes, bem como aquilo que está em causa no litígio para o interessado.

9 - A obrigação de indemnizar, por parte do Estado, relacionada com os atrasos injustificados na administração da justiça, só o poderá ser no respeitante aos danos que tenham com esse ilícito, consubstanciado na morosidade do processo, uma relação de causalidade adequada.

10 - E sendo assim, considerando que, como já se disse, os pressupostos de que depende a obrigação de indemnizar, conforme entendimento unânime da jurisprudência, são de verificação cumulativa, a não verificação do facto ilícito e culposo, desde logo afasta o direito à indemnização, ainda que exista o dano.

11 - Tal como são configurados os alegados danos, geradores da alegada obrigação de indemnizar, o montante em que o R. - Estado Português foi condenado, mostra-se manifestamente exagerado, face a todos os critérios jurisprudenciais existentes.” A recorrida W...., Lda.

, apresentou contra alegações, concluindo dever ser negado provimento ao recurso.

* Perante as conclusões das alegações da recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar as seguintes questões: - aferir do erro de julgamento da sentença recorrida, ao decidir pela verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado; - aferir do erro de julgamento da sentença recorrida, quanto ao montante da indemnização.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

* II. FUNDAMENTOS II.1 DECISÃO DE FACTO Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos: 1.

A Autora era dona e legítima possuidora do quarteirão sito entre a Avenida ….Pelourinho e as Ruas …. Anadia, doravante designado apenas por Quarteirão, descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal, sob os artigos n.º 5…, 5… e 5… [Alínea A dos Factos Assentes].

  1. Em 26 de Janeiro de 1989, a Câmara Municipal do Funchal deliberou adquirir à Autora várias parcelas do quarteirão com o fim de proceder à construção, dos arruamentos de ligação da Rua 3…. e da Rua do A… à A… e das C..

    [Alínea B dos Factos Assentes].

  2. Nessa mesma deliberação de 26 de Janeiro de 1989, a Câmara Municipal do Funchal autorizou a Autora a construir na parcela de terreno sobrante que constitui o quarteirão, um prédio com uma área útil de 7.380 m2 e caves de estacionamento, de acordo com os condicionamentos aprovados por deliberação de 17 de Novembro de 1988, transcritos pelo Ofício n.º 78…., de 23 de Novembro de 1988 [Alínea C dos Factos Assentes 4.

    Em 30 de Março de 1989, a Autora e a Câmara Municipal do Funchal celebraram, por escritura pública e relativamente às parcelas A, B, C, O e E do Quarteirão, o acordo constante do documento n.º4, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, designadamente, a autorização de construção dada pela Câmara Municipal do Funchal e a permissão dada á Câmara Municipal do Funchal, de proceder ao pagamento do preço acordado de aquisição em 10 prestações de igual montante, com início em Março desse ano [Alínea D dos Factos Assentes].

  3. Em 24 de Janeiro de 1990, a Câmara Municipal do Funchal aprovou, por deliberação, um estudo para a construção de uma praça no quarteirão, propondo, para o efeito, ao Governo Regional da Madeira, a declaração de utilidade pública do quarteirão, rectius, a sua expropriação [Alínea E dos Factos Assentes].

  4. Em 14 de Fevereiro de 1990, a Autora emitiu e enviou ao Presidente da Câmara Municipal do Funchal, que o recebeu, o requerimento que consta de fls. 44 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e, no âmbito do qual, requer àquela entidade "se digne mandar apreciar o Estudo Prévio que junta, para o empreendimento que o requerente pretende levar a efeito no terreno sito na Avenida…., entre as Ruas …e ….Pelourinho." [Alínea F dos Factos Assentes].

  5. Na sequência do pedido referido em 6., a Câmara Municipal do Funchal enviou à Autora o ofício materializado de fls. 46 e 47, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e, do qual, consta, a deliberação de 15/3/1990, que decidiu estar tal pedido prejudicado face à deliberação Camarária de 24/01/1990, que, no mesmo ofício foi integralmente dada a conhecer à Autora [Alínea G dos Factos Assentes].

  6. Em 26 de Março de 1990, a Autora interpôs, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, um recurso contencioso de anulação de deliberação tomada pela Câmara Municipal do Funchal em 24 de Janeiro de 1990, que revogou o seu direito de construir no quarteirão o imóvel em causa [Alínea H dos Factos Assentes].

  7. O referido recurso contencioso de anulação iniciou os seus termos na 2.ª secção do identificado Tribunal, sob o n.º 115/90, aí se pedindo a «anulação da deliberação impugnada com fundamento nos apontados vícios de violação de Lei, por violação da Lei ordinária e nos princípios gerais de Lei invocados.» [Alínea 1 dos Factos Assentes].

  8. Em 1 de Junho de 1990, a Autora interpôs outro recurso contencioso de anulação, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, da deliberação camarária de 15 de Março de 1990, com fundamento na violação de princípios legais consagrados na lei [Alínea J dos Factos Assentes].

  9. O recurso...

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