Acórdão nº 01033/15.8BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 01 de Março de 2019
Magistrado Responsável | Maria Fernanda Antunes Apar |
Data da Resolução | 01 de Março de 2019 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO MDJSL instaurou acção administrativa especial contra o Ministério das Finanças, ambos melhor identificados nos autos, impugnando o despacho do Senhor Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira de 10 de fevereiro de 2015 que lhe aplicou a pena de multa de €300,00 (trezentos euros), suspensa na sua execução pelo período de nove meses.
Pediu a declaração de nulidade da decisão disciplinar ou, caso assim não se entenda, a anulação da sanção.
A decisão proferida pelo TAF do Porto julgou verificada a excepção de inimpugnabilidade do acto e absolveu o Réu da instância.
Desta vem interposto recurso.
*Alegando, a Autora concluiu: I - A A. interpôs o competente recurso hierárquico em 9 março de 2015 quando ainda não tinha entrado em vigor o referido preceito e intentou a ação de impugnação em 6 abril de 2015, portanto, também antes da entrada em vigor da referida norma do CPA.
II - A norma que equipara ou faz corresponder os efeitos suspensivos do recurso hierárquico à natureza necessária de uma impugnação administrativa é uma norma procedimental geral que cria um pressuposto processual especial para impugnação, diverso daquele geral da lesividade geral dos atos administrativos e que cria esse pressuposto onde o mesmo não existia (revogando eventualmente a facultatividade dessa impugnação graciosa).
III - Sendo a obrigatoriedade ou necessidade da impugnação administrativa prévia uma condição de admissibilidade da ação de impugnação e, portanto, uma condição restritiva do direito de ação não pode a mesma ter aplicação retroativa porque à data da entrada em vigor do CPA já a aqui A. tinha exercido esse direito administrativo e judicial relativamente à decisão disciplinar d que foi destinatária.
IV - A aplicação que o Tribunal a quo faz desta norma ao caso concreto é violadora do direito de ação e do direito a um processo justo (equitativo) representando uma restrição desproporcional no referido direito e a somar a isto, retroactiva, o que além do mais viola os regime dos artigos 17º e 18º da CRP.
V – O artigo 60º vigente no Estatuto Disciplinar Trabalhadores Função Pública utilizava (como ainda em 2014 o novo regime {224º e 225º, nº 1) o verbo poder para exprimir que o arguido ou o participante podem interpor recurso hierárquico da decisão de acusação ou de arquivamento, respetivamente, sendo evidente que a expressão poder não se coaduna com a necessidade do recurso hierárquico ou com a sua obrigatoriedade.
VI- Na lei que disciplina sobre o processo disciplinar da função pública em vigor antes de 2008 constava a expressão recurso hierárquico necessário; alteração legislativa ocorrida em 2008 suprimiu tal indicação expressa, razão pela qual a doutrina mais representativa aponta que, desde 2009, mesmo perante os efeitos suspensivos com que a lei dota o recurso, que as impugnações administrativos em sede disciplinar são facultativas. (cfr. a título de exemplo RAQUEL CARVALHO, Comentário ao Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas, Universidade Católica Editora, 2012, pág. 163 e, ainda, PAULO VEIGA E MOURA, Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública, Coimbra Editora, 2009, págs. 185-186 e PAULO VEIGA E MOURA/CÁTIA ARRIMAR, Comentários à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, 2014, Coimbra Editora, págs. 628-629.
VII - Acresce, ainda, que, como decorre da lei, o efeito suspensivo é afastável pelo autor do ato hierarquicamente recorrido, o que só poderá logicamente fazer depois de interposto o recurso.
VIII - Na verdade, deixando o legislador ao autor do ato (e não ao órgão para o qual se recorre} uma margem de liberdade para afastar esse efeito suspensivo legal e que (à partida o autor só poderá usar quando for notificado para produzir parecer relativamente ao recurso interposto) então, sempre se dirá, não se poder entender como é possível - sem danos consideráveis no direito de ação e na previsibilidade e certeza que lhe devem estar inerentes - fazer depender os prazos de impugnação da impugnação judicial, e, portanto, a tempestividade do exercício daquele direito de ação, da circunstância necessariamente subsequente à apresentação do recurso pelo recorrente - de o efeito do mesmo estar ou não suspenso ser ou não suspensivo IX- A utilização da expressão “podem” aliado à falta de previsão legal expressa da necessidade do recurso tem de ser interpretado segundo o princípio pro actione previsto no artigo 7º do CPTA.
X - Na interpretação dessa norma com efeitos processuais (uma vez que cria um pressuposto processual) deve ser aquela que seja mais favorável a decidir o mérito da causa, e se isto é assim no direito processual administrativo em geral, a Recorrente tem para si que com maior acuidade terá esta ferramenta interpretativa deverá ser aplicada com esta envergadura e sentido no contexto de direito administrativo especial de natureza sancionatória, como é o caso sub judice.
XI - A decisão ora sindicada, precisamente porque violou os preceitos constitucionais vertidos no ponto segundo deste recurso, violou também, a lei processual por divergir de modo direto e ostensivo da metodologia interpretativa que o legislador ordinário, tendo presente o artigo 20º e 268º, nº 4 da CRP, previu no artigo 7º do CPTA.
XII - Se se pretende aplicar o novo CPA retroativamente, então, não se poderá aplicar apenas parte do mesmo, mas também a totalidade do sistema de impugnações administrativas por este fixado.
XIII – Assim, impõe-se, então, aqui, a aplicação do artigo 198º, nº 4 do NCPA (já em vigor no momento em que foi conhecida a decisão hierárquica), o qual determina que o indeferimento do recurso hierárquico necessário confere ao interessado a possibilidade de impugnar o ato do subalterno.
XIV - Assim, se o ato não tinha - na tese da decisão sindicada - essa qualidade de impugnabilidade aquando da data de impugnação, adquiriu a mesma após o indeferimento do recurso administrativo em causa.
XV -E se assim foi, se a lei permite no caso de indeferimento do recurso hierárquico a impugnação do ato do subalterno, então é mais do que óbvio que o pressuposto processual aparentemente em falta se sanou durante a pendência da ação, uma vez que o ato que foi impugnado é o ato do subalterno.
XVI- E assim tendo sido, tudo converge - convocando novamente o artigos 20º e 268º, nº 4 da CRP e o artigo 7º do CPTA para a conclusão de que, sendo o processo um instrumento e não um fim em si mesmo e devendo as decisões de mérito darem prevalência às decisões de forma - para a necessidade de revogação da decisão proferida pelo Tribunal recorrido.
DEVE A DECISÃO IMPUGNADA SER REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA DECISÃO QUE É A DA ADMISSIBILIDADE DA AÇÃO POR VERIFICAÇÃO INICIAL OU SANAÇÃO DO PRESSUPOSTO, DE MODO A QUE O TRIBUNAL A QUO POSSA, DEPOIS, APRECIAR O MÉRITO DA CAUSA.
*O Réu juntou contra-alegações, concluindo: 1) A ora...
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