Acórdão nº 5813/16.9.T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelVERA SOTTOMAYOR
Data da Resolução09 de Maio de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães APELANTE: X PORTUGAL COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.

APELADA: M. C.

Comarca de Braga, Juízo do Trabalho de Guimarães - Juiz 2 I – RELATÓRIO Frustrada a tentativa de conciliação, veio, M. C., viúva, residente na Rua do …, Guimarães, intentar a presente acção especial emergente de acidente de trabalho, contra X PORTUGAL COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.

, com sede na Rua …, no Porto, pedindo a sua condenação a pagar-lhe: - a pensão anual e vitalícia com início no dia 18/10/2016, no valor de €3.267,47 até à idade da reforma e no valor de €4.356,63 a partir da idade da reforma ou antes caso ocorra incapacidade grave - o subsídio por morte no valor de €5.533,68; - o subsídio de funeral no valor de €1.844,56; - e os juros de mora, à taxa legal.

Alega em resumo que o seu falecido marido era trabalhador por conta de outrem e sofreu um acidente de viação mortal quando se deslocava do seu local de trabalho para a sua residência. Mais alega, que foi quem suportou as despesas realizadas com o funeral do sinistrado, sendo certo que entidade empregadora do seu falecido marido havia celebrado com a ré/seguradora um contrato de seguro de acidentes de trabalho relativamente à totalidade da retribuição auferida.

Regularmente citada, a Ré Seguradora contestou, negando a caracterização do acidente como de trabalho, uma vez que o mesmo ocorreu durante uma interrupção da actividade laboral do sinistrado e por motivo estritamente pessoal e familiar.

Conclui assim, pela sua absolvição do pedido.

Foi elaborado o despacho saneador e fixadas as matérias de facto assente e controvertida, que não foram objecto de qualquer reclamação.

Os autos prosseguiram os seus ulteriores termos tendo por fim sido proferida sentença, a qual terminou com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, julgo a presente acção provada e procedente nos termos sobreditos e, em consequência: I - Condeno a ré, X Portugal - Companhia de Seguros, S.A., a pagar à autora, M. C.: - a pensão anual e vitalícia, com início no dia 18/10/2016, no valor de € 3.267,47 até à idade da reforma por velhice e no valor de €4.356,63 a partir da reforma por velhice ou antes caso haja grave doença física ou mental da mesma - o subsídio por morte no valor de €5.533,68, sem prejuízo da desoneração correspondente ao montante das pensões de sobrevivência recebidas da Segurança Social - o subsídio por despesas de funeral no valor de €1.844,56 - e juros de mora, à taxa legal, sobre todas essas quantias pecuniárias.

II - Condeno a ré,X Portugal - Companhia de Seguros, S.A., a pagar ao Instituto de Segurança Social, I.P., a totalidade da quantia vencida e paga à autora a título de pensões de sobrevivência, até ao limite do valor acima mencionado, acrescida de juros de mora, à taxa legal, com a inerente desoneração do pagamento de tal quantia respectiva até tal limite, por parte da ré, à autora.

Custas a cargo da ré, incluindo a quantia de €10 que se fixa a favor da autora pelas suas deslocações por causa deste processo.

Valor da acção:€54.710,81.

Registe e notifique.

Oportunamente, deverá Instituto de Segurança Social, I.P. comprovar nos autos o valor total pago à autora a título de pensões de sobrevivência.

Oportunamente, cumpra-se o disposto no art. 137º, nº 1, do C.P.T.

D.n.” Inconformada com esta decisão, dela veio a Ré interpor recurso para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam com as seguintes conclusões: ” 1. Tendo resultado provado nos autos que o trabalhador se encontrava no momento do fatídico acidente, a realizar uma necessidade de cariz pessoal e no âmbito da esfera familiar e privada, atendível à sua esposa, ou seja, sem qualquer relação com o trabalho/profissão que desenvolve e não se encontrando, igualmente, no horário habitual entre o seu local de trabalho e a sua residência, não poderá o acidente objecto dos autos ser considerado como acidente de trabalho, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 8.º e 9.º da Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro (NLAT) 2. De facto, a caracterização de um acidente de trabalho, nos termos previstos no artigo 8.º da NLAT (Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro), pressupõe a verificação de três requisitos: a) um elemento espacial - em regra o local de trabalho b) um elemento temporal - em regra, correspondente ao tempo de trabalho c) um elemento causal nexo de causa e efeito entre o evento e a lesão corporal, perturbação funcional ou doença, por um lado, e entre estas situações e a redução da capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte 3.Ora, o trabalhador ao ter pretendido encurtar a sua jornada de trabalho, a verdade é que interrompeu a prestação da sua actividade, abandonando o local de trabalho mais cedo, por forma a atender as necessidades de saúde da sua esposa.

4. Ora, verifica-se que, no caso concreto, ocorreu uma clara e inequívoca quebra da ligação com o trabalho, porquanto, apesar de previamente autorizado pela sua entidade empregadora a ausentar-se do trabalho, não deixa de ser evidente que tal interrupção apenas se concretizou por motivos alheios à relação laboral, sendo certo que, numa situação normal e habitual, o trabalhador, naquele dia, apenas cessaria as suas tarefas profissionais pelas 18H 5.Desta forma, a situação e apreço não prevê as situações previstas na alínea b), n.º 2 do artigo 8 da NLAT, isto porque, o trabalhador ao ter cessado a sua actividade laboral antecipadamente, apenas o fez para atender necessidades familiares e pessoais, pelo que não se pode considerar esta circunstância igual à circunstância em que o trabalhador, após cumprimento do horário normal de trabalho, sai do trabalho e ai lhe é concedida a ampliação do conceito tempo de trabalho, permitindo, dessa forma, o preenchimento do requisito relativo ao elemento temporal e, consequentemente, verificado o acidente de trabalho 6.Com efeito, não podemos aceitar que a protecção alargada concebida na alínea b) do n.º2 do artigo 8 da NLAT possa ser aplicada/estendida ao caso em apreço, por não se verificar a habitual circunstância temporal, motivo pelo qual, não podemos considerar irrelevante a circunstância do acidente ter ocorrido em horário diverso do habitual 7.Por outro lado, desde logo se dirá que não poderão as supra citadas circunstâncias apurada (nomeadamente antecipar o fim da jornada diária de trabalho com o intuito de ir buscar a esposa a casa para a levar ao médico) serem consideradas para efeitos de enquadramento do acidente em apreço como acidente de trabalho (ín casu ítínere), pois que não se encontram preenchidos os requisitos legais citados, nomeadamente, o artigo 9.º, n.º 1, alínea a), n.º 2, alínea b) e n.º 3 da NLAT.

8. Ora, consubstanciando os acidentes in itinere, expressamente previstos no artigo 9.º da NLAT, uma extensão do conceito de acidente de trabalho legalmente previsto no artigo 8.º da Lei 98/2009 de 4 de Setembro, admitir a interpretação manifestamente alargada do conceito legal de acidente de trabalho previsto no artigo 9.º da NLAT, tal como o faz a douta sentença recorrida, implicará necessariamente uma manifesta violação dos termos e limites legalmente previstos no citado artigo 9.º da NLAT, e bem assim do equilíbrio contratual conseguido através da estipulação de determinadas condições específicas para cada tipo de contrato 9.Introduzindo, assim, uma indesejável e manifesta desproporção entre o risco a assumir pela entidade seguradora (o qual, in casu, deverá estar circunscrito ao risco de laboração/profissional dos trabalhadores a cargo da entidade patronal), e o prémio a suportar por esta última, permitindo, em última análise, uma efectiva ameaça ao importantíssimo papel social e económico desempenhado pelas Companhias de Seguro 10.De facto, no caso em apreço nos autos, o acto que o sinistrado se propunha a realizar no momento do acidente em causa, não tem qualquer ligação com a actividade profissional que prestava à sua entidade empregadora 11.Pelo contrário, a deslocação do sinistrado tratava-se de um acto de natureza estritamente pessoal e familiar, sendo assim absolutamente alheia a qualquer missão ou função de carácter profissional 12.Efectivamente, e conforme referiu, de forma c1aríssima, o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.11.2008 (in www.dgsi.pt). 1. Não é de trabalho, o acidente de viação ocorrido quando o sinistrado, devidamente autorizado pela sua entidade empregadora, havia interrompido a prestação da sua actividade e abandonado o local de trabalho, para ir buscar o filho ao infantário e regressar com ele ao local de trabalho, a fim de aí continuar a exercer as suas funções profissionais. 2. A tarefa que o sinistrado se propunha realizar (ir buscar o filho ao infantário, o que não chegou a fazer porque o acidente ocorreu quando ele se dirigia para o infantário) não tem a menor ligação com a actividade profissional que subordinadamente prestava à sua entidade empregadora trata-se, antes, de uma tarefa de natureza estritamente pessoal e familiar que se prende, exclusivamente, com os actos da vida corrente do sinistrado e que, por isso, é absolutamente alheia a qualquer missão ou função de carácter profissional.

13. Ora, no caso em apreço nos autos, tal como no caso supra exposto, verifica-se uma clara e inequívoca quebra da ligação com o trabalho, pelo que não poderá o acidente em apreço nos autos ser qualificável como acidente de trabalho, não podendo, como tal, ser indemnizável à luz da Lei dos Acidentes de Trabalho, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 9.º, n.º 3 da NLAT, não havendo justificação para imputar tal risco à seguradora Recorrente 14.Com efeito, estando em causa um contrato de seguro de acidentes de trabalho (celebrado e garantido pela ora Recorrente), tem o mesmo por escopo abranger os...

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