Acórdão nº 299/19 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Fernando Vaz Ventura
Data da Resolução21 de Maio de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 299/2019

Processo n.º 752/2018

Plenário

Relator: Conselheiro Fernando Ventura

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. No âmbito do processo arbitral em que é requerente A., S.A., e requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, veio a primeira recorrer, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, alterada por último pela Lei Orgânica n.º 1/2018, de 19 de abril, doravante LTC), da decisão arbitral proferida em 26 de junho de 2018.

2. A ora recorrente A. S.A., invocando a sua qualidade de sociedade gestora e a representação de dez fundos de investimento imobiliário (B., C., D., E., F., G., H., I., J. e K.), requereu junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) a constituição de tribunal arbitral e subsequente pronúncia arbitral, peticionando a declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (doravante AIMI), com referência ao ano de 2017, no montante total de €206.444,94, identificados pelos documentos números 004679428, 004665355, 004679291, 004975885, 004659874, 004676044, 004617262, 004674702, 004631066 e 004679330, e a condenação da requerida no reembolso das quantias pagas e no pagamento de juros indemnizatórios.

Foi proferida decisão arbitral em 26 de junho de 2018, julgando, no que ora releva, improcedentes os pedidos de anulação dos atos tributários de liquidação do AIMI identificados pela requerente, bem como de reembolso do valor de imposto pago e pagamento de juros indemnizatórios.

3. No requerimento de interposição de recurso, a recorrente enunciou o seguinte:

«a. O presente recurso é interposto à luz da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, por ter sido aplicada norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada no processo.

b. As normas de incidência cuja inconstitucionalidade foi arguida resultam do regime legal do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis – em concreto, o artigo 135.º-A e o artigo 135.º.-B, ambos do Código do IMI, normas que determinam a incidência subjectiva e objectiva deste Adicional ao IMI.

c. A referida inconstitucionalidade foi suscitada no pedido de pronúncia arbitral, apresentado nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, com vista à declaração de ilegalidade e anulação do acto de liquidação de AIMI, emitido ao abrigo dos artigos 135.º-A e seguintes do Código do IMI.

d. Nos termos demonstrados no pedido arbitral, o regime legal do AIMI, em concreto o respectivo artigo 135.º-A do Código do IMI – quando interpretado no sentido de incluir, no âmbito de aplicação subjectiva do imposto, entidades que detêm património imobiliário como consequência inevitável da actividade económica que desenvolvem -, promove um tratamento diferenciado e uma desigualdade injustificada entre os contribuintes, em manifesta violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP e do princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva, consagrados no artigo 104.º, n.º 3 do mesmo diploma.

e. Ademais, a título subsidiário e conforme igualmente expendido no pedido arbitral, o regime legal do AIMI, em concreto o respetivo artigo 135.º-B do Código do IMI – quando interpretado no sentido de incluir, no âmbito de aplicação deste Adicional ao IMI, os “terrenos para construção” com fins de comércio, indústria, serviços ou outros – é manifestamente contrário ao princípio da igualdade, constitucionalmente consagrado.

f. Nestes termos, não pode a Recorrente jamais concordar com a argumentação expendida na decisão arbitral aqui recorrida e, bem assim, com as conclusões apresentadas na mesma.

g. De facto, e conforme melhor se demonstrará em sede de Alegações, a tributação em AIMI não poderá incidir, sem mais, sobre a “generalidade dos sujeitos passivos”, sob pena de materializar uma discriminação negativa injustificada das entidades que detêm imóveis enquanto factores produtivos ou meios para o exercício da sua actividade – como sucede com os Fundos de investimento aqui representados pela Requerente -, em manifesta violação do princípio da igualdade e do princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva, conforme consagrados na CRP.

h. E, de resto – a título subsidiário -, nunca poderá esta tributação incidir sobre “terrenos para construção” com fins de comércio, indústria, serviços ou outros, sob pena de gerar um injustificado tratamento discriminatório, sem qualquer justificação material».

4. Admitido o recurso pelo tribunal a quo e subidos os autos, o relator determinou o prosseguimento do recurso para alegações.

A recorrente veio alegar, pugnando pela procedência do recurso. Remata a peça com 132 «conclusões» (prolixas e desprovidas de esforço de síntese, pois correspondem quase na íntegra ao corpo das alegações), das quais se destaca o seguinte:

«A. Vem o presente Recurso interposto da Decisão Recorrida proferida pelo Tribunal a quo, no âmbito do processo arbitral n.º 664/2017-T, a qual julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela ora Recorrente com vista à anulação dos actos tributários do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (“AIMI”), emitidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira, Recorrida nos presentes autos, e notificados aos Fundos de investimentos aqui representados, no montante de €206.444,44, e, bem assim, à restituição deste mesmo valor global de AIMI.

B. As normas cuja inconstitucionalidade foi arguida nestes autos e que foram aplicadas pelo Tribunal a quo constam no artigo 135.º-B do Código do IMI (com a epígrafe “Incidência objectiva”), cujo teor é o seguinte:

[...]

[...] Esta norma de incidência objetiva do AIMI determina a tributação global do património imobiliário (integrando os prédios urbanos) situado em território nacional detido pelo sujeito passivo, excluindo expressamente desta incidência – i.e. prevendo uma não sujeição em AIMI – os prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros” nos termos do Código do IMI.

[...] Face à tipologia de prédios urbanos prevista no artigo 6.º do Código do IMI, a conjugação das normas acima transcritas determina que a incidência objectiva da tributação em AIMI incide expressamente sobre dois tipos de prédios urbanos: os prédios urbanos “habitacionais” (alínea a) do n.º 1 do artigo 6.º acima referido) e os “terrenos para construção” (alínea c) do n.º 1 deste mesmo artigo).

[...] De acordo com o entendimento do Tribunal a quo, vertido na Decisão Recorrida, esta solução normativa de incidência objectiva (e respectiva e inerente exclusão) é conforme com os princípios constitucionalmente consagrados da igualdade tributária e da capacidade contributiva, na medida em que tributa o património imobiliário de entidades, mesmo considerando que tal património constitui o substrato patrimonial do seu objecto social e elemento essencial para o desenvolvimento de actividades económicas.

[...] É exactamente esta a norma em causa no presente Recurso e que a Recorrente reputa como inconstitucional por violar os referidos princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva, previstos no artigo 13.º e no n.º 3 do artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), nos termos e com os fundamentos a seguir explanados.

[...]

Do caso concreto – a inconstitucionalidade do regime geral do AIMI na medida da tributação do substrato de uma atividade económica, tomando como parâmetro o princípio da igualdade tributária e da capacidade contributiva

YY. Na análise da conformidade constitucional do regime legal do AIMI com o princípio da igualdade tributária e da capacidade contributiva deve ser atendida a ratio legis da criação do AIMI, enquanto tributo complementar sobre o património imobiliário, particularmente tendo em consideração que o legislador, no âmbito da sua liberdade de conformação, determinou que a sujeição tributária a este tributo deveria assegurar a “ausência de impacto na atividade económica” desenvolvida pelos sujeitos passivos.

ZZ. Os trabalhos preparatórios do tributo em análise demonstram a intenção (expressa) do legislador em criar um imposto (adicional) sobre a fortuna imobiliária, com “um elemento progressivo de base pessoal”, que não onerasse fiscalmente as atividades económicas dos proprietários de imóveis afetos (ou potencialmente afetos) ao exercício destas mesmas atividades.

AAA. E, esta ratio legis parece ter sido traduzida (ou procurada traduzir) na formulação dada ao artigo 135.º-B, i.e. na formulação de uma norma de incidência objetiva que prevê a tributação dos “prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular” (n.º 1) e a exclusão desta mesma incidência dos prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros” (n.º 2).

BBB. Assim, da norma de incidência acima descrita resulta a intencionalidade do legislador supra explanada: a intenção de tributar a fortuna imobiliária, fortuna imobiliária esta que – uma vez excluída a onerosidade fiscal sobre imóveis afetos a atividades económicas – seja vista como um fator demonstrador de riqueza, não englobando assim os imóveis que correspondam a fatores de produção de riqueza.

CCC. A expressão “fatores de produção de riqueza” é aqui utilizada como elemento determinante na definição de afetação dos imóveis à prossecução de atividades económicas, e, consequentemente, à geração de riqueza; sendo que esta expressão não se restringe (nem pode aqui restringir) ao seu conceito tradicional deveras limitado, elaborado na teoria económica, de fatores de produção de riqueza enquanto recursos que são usados para...

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