Acórdão nº 01306/06.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelRog
Data da Resolução15 de Fevereiro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: CRS e ADC vieram interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 25.05.2018, pela qual foi julgada improcedente a acção administrativa comum, na forma ordinária, intentada pelos ora Recorrentes contra Município P....., PCS, L.da, MASR, FSCP e JCMS, pedindo a condenação destes no pagamento da quantia de 160.000,00 euros, a título de responsabilidade civil extracontratual, sendo 30.000,00 euros pela perda do direito à vida do seu filho A....., 10.000,00 euros pelo danos morais por ele sofridos e 100.000,00 euros pelos danos patrimoniais por ele sofridos, e 10.000,00 euros pelos danos morais sofridos por cada um dos Autores e, em consequência, foram todos os Réus absolvidos do pedido; nesta acção foram requeridas e admitidas as intervenções, a título acessório, de FCS, S.A., requerida pelo Município P..... e de ZCS, S.A.(Insurance Ple, sucursal em Portugal), requerida pela PCS, L.da.

*Invocaram para tanto, e em síntese, que se verificam todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual dos Réus Município P..... e PCS, L. da, a omissão de auxílio, ilícita, culposa, danosa e nexo de causalidade adequada entre essa omissão de auxílio e a morte do seu filho A......

*Os Réus Município P....., a PCS, L. da, e as intervenientes acessórias FCS, S.A., e ZCS, S.A. (Insurance ple, Sucursal em Portugal) apresentaram contra-alegações, todas pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

*O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

*Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.

*I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: 1. A presente acção é uma acção de responsabilidade civil instaurada pelos pais de uma vítima mortal de acidente num parque municipal, contra o município em que o mesmo se insere, contra a empresa contratada para fazer a vigilância desse parque e contra os funcionários desta que, em concreto, a exerciam, peticionando o ressarcimento, enquanto herdeiros, dos danos morais e patrimoniais sofridos pela vítima, bem como dos seus próprios danos morais.

  1. Pelas razões no texto em pormenor explicitadas, deve aditar-se à matéria de facto, um novo ponto, 8-A, em que se diga: “FM e RC procuraram no local, em vão, qualquer coisa que pudessem atirar ou aproximar do A..... para o ajudar.” 3. Pelas razões no texto em pormenor explicitadas, deve alterar-se o ponto 35. da matéria de facto, para passar a dizer-se: “O Parque da Cidade é um parque urbano de propriedade municipal.” 4. Pelas razões no texto em pormenor explicitadas, deve aditar-se à matéria de facto, um novo ponto, 42-A, em que se diga: “A vigilância do Parque da Cidade era assegurada por 4 vigilantes e um chefe de grupo, estando cada vigilante colocado junto a cada um dos 4 lagos existentes no Parque.” 5. Pelas razões no texto em pormenor explicitadas, deve aditar-se à matéria de facto, um novo ponto, 50, em que se diga: A responsabilidade civil da PCS encontrava-se, à data do acidente, transferida para a ZCS, S. A, através da apólice nº 450xxx.

  2. O que tudo pode – e deve – fazer esse Venerando Tribunal Central Administrativo Norte, nos termos do artigo 662º, nº 1, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

  3. A responsabilidade civil dos municípios por actos de gestão pública rege-se agora pelo Decreto-Lei nº 67/2007, de 31.12, e regia-se antes – ao tempo do acidente dos autos - pelo Decreto-Lei nº 48.051, de 21.11, sendo que esse diploma deve – como o actual – ser integrado, nas suas lacunas, pelo disposto no Código Civil.

  4. A responsabilidade civil das autarquias locais por actos de gestão pública tem foros de garantia constitucional, cfr. artigo 22º da Constituição da República Portuguesa, pelo que a interpretação de qualquer preceito no sentido de a excluir – sem fundamento válido – viola aquele preceito constitucional.

  5. A ilicitude pode traduzir-se - e neste particular âmbito muitas vezes se traduz – na violação das regras de prudência comum.

  6. A presunção de culpa estabelecida no artigo 493º, nº 1, do Código Civil, é aplicável à responsabilidade dos municípios por actos de gestão pública.

  7. Não há que exigir, para que a responsabilidade especial tenha lugar, que a causa do dano seja um vício da coisa, pouco importando a maneira como esta causa o dano, além de que a presunção de culpa não se baseia na própria coisa, mas na situação do homem em relação a ela; está-se sempre em face de um dano que a coisa não teria causado sem um comportamento do seu guarda e, portanto, não importa que o dano não seja causado por um vício da própria coisa.

  8. O vínculo fundamental que reúne os homens em sociedade, não só lhes proíbe que ofendam por si mesmos os seus semelhantes como os obriga ainda a ter todas as suas coisas em tal estado que ninguém possa ser ofendido na pessoa, nem danificado na fazenda.

  9. Quem tem em custódia uma coisa é obrigado a tomar as precauções a fim de ela não prejudicar outrem: deve procurar para si o conhecimento de todas as suas forças nocivas e, assim, anulá-las ou assinalá-las em tempo útil às pessoas que podem vir a estar em contacto com elas. Se proceder de outro modo, terá um comportamento negativo que é causa do dano.

  10. Parecendo difícil distinguir as coisas intrinsecamente perigosas das demais e atendendo a que todas as coisas são mais ou menos perigosas, não se afigura dever limitar-se a presunção de culpa do guarda às primeiras; o princípio do neminem ledere ... importa que este dever de custódia incumba a quem quer que tenha o poder de controle sobre a coisa e para qualquer género de coisa.

  11. A sentença recorrida não tomou nada disso em consideração – apesar de alegado por escrito - e limitou-se, a este respeito, a partir do pressuposto que se trata de um lago que se não destina a nadar e, portanto, não pode causar danos por afogamento, devido à sua profundidade, à inexistência de meios de protecção ou às condições de sujidade – lodo – em que o mesmo se encontre.

  12. Mas não é assim.

  13. Um lago, num parque municipal destinado ao lazer de adultos e crianças, com 150 m de comprimento e 50 m de largura de – cfr. ponto 4. do elenco factual da sentença recorrida – com a profundidade de 3,5 m – cfr. ponto 36. do elenco factual da sentença recorrida – sem a existência de boias, canas de salvamento, vedação ou outros meios de protecção – cfr. pontos 37. e 38. do elenco factual da sentença recorrida – encontrando-se cheio de lodo e sem qualquer visibilidade – cfr. ponto 39. do elenco factual da sentença recorrida – é apto a causar danos.

  14. Particularmente quando toda a atitude de salvaguarda de riscos que o homem em contacto com esse lago e sobre quem incumbe a sua vigilância – o seu proprietário, Município, e a empresa que contratou para a exercer, a PCS – entenderam promover foi a existência de uma plataforma de 60 cm de profundidade e 4 m de extensão, em redor do lago – cfr. ponto 36. do elenco factual da sentença recorrida – e a existência de uma placa – uma única – de tamanho reduzido e escondida pela vegetação com a indicação de proibido nadar e de profundidade de 3,5 m – cfr. ponto 40. do elenco factual da sentença recorrida.

  15. Para que exista responsabilidade das autarquias locais, não é necessário que se individualize a conduta de determinado funcionário, podendo aquela derivar da chamada falta de serviço, naquelas situações em que os danos verificados não são susceptíveis de serem imputados a este ou àquele comportamento em concreto de um qualquer agente administrativo, antes são consequência do mau funcionamento generalizado do serviço administrativo em causa.

  16. Como era jurisprudência consolidada e hoje se consagrou legalmente – cfr. artigo 7º, nº 3, do Decreto-Lei nº 67/2007.

  17. Tanto as condutas positivas como as omissivas são geradoras de responsabilidade.

  18. No caso, o Município P....., à data do afogamento do A....., era – como é – proprietário do Parque da Cidade, que era - como é – um equipamento municipal.

  19. No caso, a vigilância do Parque estava confiada pelo Município P..... à PCS.

  20. Pelo que, a este respeito, a PCS é uma comissária do Município e, por isso, este responde solidariamente com essa, pelos danos que esta causar no âmbito da comissão, nos termos do artigo 500º do Código Civil.

  21. No caso, o lago em que se afogou o A..... tinha uma profundidade de 3,5 m, não estava vedado, não dispunha de boias, canas de salvamento ou outros meios de socorro e estava cheio de lodo e, no caso, os vigilantes que estavam em serviço no Parque – à excepção de um - não sabiam nadar, sendo que, apesar de cada um ter como área de vigilância a de cada um dos lagos, isso não tinha sido requisito para a sua admissão, nem isso tinha sido exigido pelo Município à PCS.

  22. No caso, o único que sabia nadar não se atirou ao lago porque o estado em que se encontrava o lago, sem qualquer visibilidade devido ao lodo, o fez temer pela própria vida.

  23. Nos termos do artigo 493º, nº 1, do Código Civil: “Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”.

  24. Não obedece às mínimas regras de prudência comum que se mantenha num equipamento municipal ao dispor das populações um lago com a profundidade daquele em que se deu o acidente, nem que esse lago não esteja dotado de boias, canas de salvamento ou outros meios de socorro, nem que esse lago se encontre completamente sujo, com lodo, sem qualquer visibilidade, nem que um lago com essas características não estivesse – como não está – vigiado por pessoas com formação adequada...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT