Acórdão nº 00593/18.6BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelHelena Canelas
Data da Resolução15 de Fevereiro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I. RELATÓRIO SVPA, LDA.

(devidamente identificada nos autos) instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra processo cautelar contra o Ministério do Planeamento e das Infraestruturas visando, previamente à ação principal a instaurar, a decretação das seguintes providências cautelares: i) a suspensão de eficácia do ato administrativo de indeferimento do pedido de licenciamento de operações de gestão de resíduos apresentado pela requerente no âmbito do procedimento GRS_2007_0066_12323, constante do Despacho DLPA 1793/18, de 13.08.2018, retificado em 16.08.2018 pelo Despacho DLPA 1858/18; ii) a autorização provisória para prosseguir atividade de gestão de resíduos, nos termos do projeto aprovado, ao abrigo do disposto no artigo 31.º, n.º 5, do RGGR, com as legais consequências, designadamente a condenação da requerida a emitir o respetivo alvará.

Por sentença de 12/11/2018 o Tribunal a quo julgou improcedente ambos os pedidos cautelares.

*Inconformada a requerente interpôs o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos: 1. O Tribunal violou o princípio do contraditório ao proferir decisão surpresa quanto à dispensa da prova testemunhal ao abrigo do disposto no artigo 118.º, n.º 5, do CPTA, violando o disposto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC.

  1. Tal constitui nulidade nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 1, do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA.

  2. O Tribunal cometeu, erro de julgamento quanto aos pressupostos da aplicação do disposto no artigo 118.º, n.º 5, do CPTA, decisão recorrível para este Tribunal superior atento o preceituado no artigo 644.º, n.º 2, d), do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA.

  3. Não existisse aquele primeiro preceito, sempre a omissão da prova constituiria nulidade nos termos do plasmado na parte final do artigo 195.º, n.º 1, do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA, por estar em causa a obstaculização da produção de prova quanto a factos relevantes para a procedência do peticionado, vício que subsidiariamente se invoca.

  4. Notório e de acordo com juízos de experiência comum é que o encerramento de parte de estabelecimento – como na prática in casu sucedeu – tem consequências nos postos de trabalho nele integrados e na perda de clientela e de rendimentos. Pode estar em causa o quantum dos postos a extinguir mas não a probabilidade séria de vir a acontecer tal ocorrência. A prova negada poderia concretizar o quantum, mas ainda assim não afecta o dano do encerramento parcial do estabelecimento com tudo o que juízos prognósticos e objectivos de experiência comum dali derivam.

  5. Ou seja, está em causa não só a existência de prejuízos de difícil reparação mas de verdadeiro facto consumado, o que, só por si, basta para preenchimento da hipótese do artigo 120.º, n.º 1, do CPTA, mas completamente desconsiderado pelo Tribunal a quo.

  6. Quanto ao fumus boni iuris, a recorrente alegou e provou documentalmente nos artigos 1.º a 65.º do requerimento inicial que: a) a recorrente era representada no procedimento administrativo pela Dr.ª EC e pela Eng.ª QA, tendo os actos desta sido expressamente ratificados por aquela, não se exigindo forma especial que não a escrita para o efeito; b) ao abrigo dos ditos poderes, pelo menos, em 20.07.2018, foi a CCDRC interpelada nos termos do artigo 31.º, n.º 5, do RGGR, pelo que, considerando o prazo de resposta da entidade administrativa prevista no mencionado artigo, teria aquela de decidir até ao dia 03.08.2018 (cfr. docs. 17 e 19 ) da p.i..

    1. não o tendo feito, qual a falta de pronúncia conduziu à emissão de decisão favorável ao projecto, acto administrativo positivo favorável e constitutivo de direitos que se invoca com os efeitos legais.

    2. Sem prejuízo dos demais vícios materiais invocados no requerimento inicial – cuja alegação se dá aqui como reproduzida – tanto basta para que se demonstre a aparência do bom direito da recorrente.

    3. O acto cuja suspensão de eficácia se requereu acaba, assim, por constituir implícita revogação de acto já decidido, constitutivo de direitos na esfera jurídica da recorrente, não se verificando os pressupostos da revogação de actos constitutivos de direitos previstos no artigo 167.º do CPA e no artigo 38.º, n.º 4, do RGGR, nunca invocado pela autoridade licenciadora.

  7. O interesse público na correcta gestão de resíduos nunca foi colocado em causa, sendo até a concreta actividade praticada pela recorrente em V..... sido considerada como das 3 melhores a nível nacional, não havendo, pois, qualquer prejuízo para aquele decorrente do decretamento da providência, sendo bem mais gravosos os prejuízos e o sacrifício dos seus direitos e interesses particulares.

  8. Atento o exposto, não pode deixar de se considerar que a sentença violou o disposto nos artigos 118.º, n.º 5, 120.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, 31.º, n.ºs 1 e 5, do RGGR, 167.º do CPTA, e 3.º, n.º 3, do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA.

    *O recorrido contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso, com manutenção da sentença recorrida, formulando a final o seguinte quadro conclusivo: 1.ª Nos processos cautelares, a realização de diligências probatórias está na inteira disponibilidade do tribunal, ou seja, apenas terá lugar quando e na medida em que este as considere necessárias (cfr. o artigo 118.°, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).

    1. Assim, não resulta da lei, mormente no que aos processos cautelares diz respeito, a obrigação da realização de quaisquer diligências instrutórias em concreto. O Tribunal não só poderá ordenar diligências de prova que não lhe tenham sido requeridas, desde que as considere necessárias, como pode também recusar diligências de prova que lhe sejam requeridas, desde que as repute dispensáveis.

    2. No caso, o TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE COIMBRA entendeu que não existiam factos relevantes cuja demonstração estivesse por fazer, pelo que seria inútil proceder à inquirição de testemunhas.

    3. A isto acresce que o Tribunal cumpriu o dever de fundamentação na dispensa de produção de prova a que estava obrigado por parte do artigo 118.º, n.º 5, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

    4. Por este motivo, inexiste qualquer nulidade processual decorrente da dispensa da prova testemunhal sem exercício do contraditório.

    5. Por outro lado, designadamente nos termos do artigo 5.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, não se impõe ao tribunal qualquer dever de colmatar as deficiências da alegação dos factos essenciais à procedência das pretensões das partes, mormente em processo cautelar e urgente, no qual o Requerente deverá apresentar desde logo com o requerimento inicial, toda a prova disponível.

    6. No seu recurso, a ora RECORRENTE vem inovatoriamente reformular os factos que alegara no requerimento inicial, modificando-os, bem como as alegações de direito que apresentara, mas de forma encapotada: (a) Para começar, advoga que se trata da constituição de uma situação de facto consumado, quando no requerimento inicial a caracterizava como tratando-se de uma situação de verificação de prejuízos de difícil reparação; (b) Depois, defende que se trata de um encerramento meramente parcial de estabelecimento, em lugar de um encerramento total, como sustentara no requerimento inicial; (c) Por fim, refere que haverá “consequências nos postos de trabalho”, sem determinar o número, quando no requerimento inicial considerara ser certa a cessação de todos os 8 contratos de trabalho da unidade de V....., tendo inclusivamente providenciado simulações quanto ao valor total das indemnizações a pagar.

    7. A diferença entre as alegações que constam do requerimento inicial e as que agora, em sede de recurso, formula são, gritantes – e não é sobre as segundas que o TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE COIMBRA se pronuncia, mas sobre as primeiras.

    8. Mais: o caráter extremamente lacónico das alegações que apresentou em sede de requerimento inicial determina que a ora RECORRENTE só possa queixar-se de si própria, visto que não está desobrigada ou desonerada de fazer a prova e demonstração dos factos integradores dos pressupostos ou requisitos em questão, alegando, para o efeito, factos integradores daqueles pressupostos de modo especificado e concreto, não sendo idónea a alegação de forma meramente conclusiva e de direito ou com utilização de expressões vagas e genéricas.

    9. O Tribunal não se lhe pode substituir, porquanto o dever de investigação que a lei processual comete ao juiz apenas abarca a matéria de facto trazida ao processo (cfr. artigo 5.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), sendo que tal ónus só não será atuante perante os factos notórios ou de conhecimento geral como resulta do artigo. 412.º do Código de Processo Civil”.

    10. É certo que a ora RECORRENTE tenta, em sede de recurso, qualificar certos factos como sendo notórios “de acordo com juízos de experiência comum” como forma de ultrapassar a sua não alegação em sede de requerimento inicial, mas incorre num erro de direito: não se pode qualificar como «facto notório» aquilo que não é mais do que uma presunção ad hominem, que se alcança através de juízos baseados nas regras da experiência da vida. Por este motivo, a ora RECORRENTE não estava desonerada de fazer a prova e demonstração, que não fez, dos factos integradores dos pressupostos da concessão de providência cautelar no seu requerimento inicial.

    11. Assim, a ora RECORRENTE deveria ter concretizado as suas alegações com realidade factual que corporizasse efetivamente o requisito em questão (v.g.

      , valores de receita apurados para as restantes atividades que desenvolve, sendo certo que tal se desconhece e não se mostra alegado; existência, ou não, de peças em stock que permitam continuar as vendas; possibilidade, ou não, e em que medida, de utilização de peças decorrentes da atividade de desmantelamento que leve a cabo num dos seus outros centros; estrutura de custos, mormente, com rendas...

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