Acórdão nº 657/18.6T8FAR.E.1 de Tribunal da Relação de Évora, 16 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelTOM
Data da Resolução16 de Maio de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo nº 657/18.6T8FAR.E.1 Tribunal Judicial Comarca de Faro – Juízo Central de Competência Cível de Faro – J2 Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório: Na presente acção declarativa de condenação proposta por “(…) – Viagens, Unipessoal, Lda.” contra “(…) Travel, Unipessoal, Lda.” e (…), a Autora não se conformou com a sentença proferida e interpôs o presente recurso.

* A Autora formulou os seguintes pedidos:

  1. Seja declarado nulo ou/e anulável o contrato de compra e venda da viatura da Marca Mercedes (…) e com a matrícula 53-(…)-46.

  2. Seja o contrato de compra e venda do veículo automóvel declarado, por conseguinte, resolvido.

  3. Sejam os Réus condenados, solidariamente, a ressarcir à Autora a quantia de € 21.000,00 por efeito da nulidade/anulabilidade e enriquecimento sem causa, acrescidos dos juros vencidos e vencidos até efectivo integral pagamento.

  4. Sejam os Réus condenados, solidariamente, a ressarcir à Autora a quantia de € 3.000,00 a título de danos patrimoniais, acrescidos dos juros vencidos e vincendos até efectivo integral pagamento.

    * A Autora fundamentou os referidos pedidos na circunstância de ter celebrado com os Réus um contrato de compra e venda de um veículo automóvel que lhe foi entregue e veio a constatar que os mesmos não eram proprietários daquela viatura, devendo por isso ser devolvida a parte do preço por si paga, bem como ser indemnizada pelos demais danos sofridos.

    * Em sede de contestação, os Réus alegam que a viatura cuja entrega foi acordada estava a ser paga pela Ré no âmbito de um contrato de locação financeira, sendo as quantias entregues pela Autora para remunerar o uso da viatura que só poderia ser vendida após o termo do referido contrato de locação financeira.

    * Foi proferido despacho saneador que fixou o valor da acção, o objecto do litígio e os temas da prova.

    * Realizado o julgamento, o Tribunal «a quo» julgou a acção parcialmente condenando a Ré “(…) Travel, Unipessoal, Lda.” a pagar à Autora “(…) – Viagens, Unipessoal, Lda.” a quantia de € 2.000,00, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis, absolvendo os Réus do demais peticionado.

    * A Autora não se conformou com a referida decisão e as suas alegações continham as seguintes conclusões: «1 – O Tribunal “a quo” entendeu que no presente caso sub judicio que o negócio jurídico celebrado entre a Recorrente e os Réus foi um contrato promessa de bem futuro pelo valor total de € 54.000,00 (cinquenta e quatro mil euros).

    2 – O Tribunal “a quo” afirma que a Ré pôs termo ao contrato celebrado culposamente. Nessa conformidade, 3 – Havendo incumprimento do contrato prometido celebrado entre a Recorrente e a Ré por culpa exclusiva desta, tem Direito a primeira ser ressarcida pelo menos do valor entre à segunda, nomeadamente, no valor de € 21.000,00 (vinte e um mil euros).

    4 – A contrario do ora referido e, com o devido respeito pelo Tribunal “a quo”, em oposição de fundamentos e erro de julgamento, entendeu esta arbitrar uma indemnização à Recorrente no valor de € 2.000,00 (dois mil euros), a qual, não se concede ao arrepio do ora esgrimido e sindicado.

    5 – Veja-se que, para que o contrato promessa de bem futuro seja válido, incumbe ao promitente-vendedor encetar as diligências necessárias para que o promitente comprador adquira o bem, nos termos do nº 1 do Art. 880º CC, o que, in casu, não sucedeu, id est, a Ré cessou unilateralmente o contrato sem o poder fazer. Pelo que, 6 – Verificamos que a resolução culposa e o respectivo incumprimento da venda de um bem alheio por parte da Ré, tal, importa, também, salvo e por melhor douta opinião contrária, a nulidade do negócio jurídico celebrado e com os respectivos efeitos retroactivos, situação essa que, operaria o Direito da Recorrente a ser indemnizada pelo valor de € 21.000,00 (vinte e um mil euros).

    7 – Circunstancialismo esse que se argui e invoca para todos os efeitos legais. Por conseguinte, 8 – O Tribunal “a quo” socorre-se do instituto do ‘abuso de direito’ para fixar o quantum indemnizatório a ressarcir a Recorrente no valor de 2.000,00 € (dois mil euros), o que não se concede. Isto porque, 9 – Considerando, conforme se alega na Sentença que o incumprimento é culposo e se deve única exclusivamente à Ré, em momento algum se verifica, por conseguinte, qualquer comportamento por parte da Recorrente contrario ao Direito ou instrumentalizando este com o sentido diverso (telos e logos) à previsão normativa. E, como tal, 10 – Por mera hipótese académica sempre se diria em face do supra exposto, mutatis mutandis, de que, nem em termos de ‘abuso de direito’ e nem, maxime, em termos equitativos se poderia aceitar o valor arbitrado pelo Tribunal “a quo”, porquanto, considerando que o benefício da Recorrente foi pelo período de 6 (seis) meses, então, no final da linha tal lucro seria apenas o de € 7.800,00 (sete mil e oitocentos euros) e não os € 19.500,00 (dezanove mil e quinhentos euros). Assim sendo, 11 – No final da linha a Recorrente teria sempre Direito a ser ressarcida no valor de € 13.200,00 (treze mil e duzentos euros) ao arrepio da equidade material. Destarte, 12 – Em face do supra exposto e da prova produzida em sede de Audiência de Julgamento, entendemos que a Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” padece de erro de julgamento e oposição de fundamentos nos termos ora sindicados e sufragados.

    Assim, a Sentença recorrida violou assim, entre outras, as seguintes estatuições legais: Do Código Civil: artigos , 398º, 405º; 410º, 432º, 434º, 762º, 795º, 801º, 805º, 875º, 880º, 886º, 892º e 893º.

    Do Código do Processo Civil: artigo 615º, nº 1, als. b) e c).

    Da Constituição da Republica Portuguesa: artigos 13º, 20º, 202º, nº 2.

    Assim, nestes termos e nos melhores de Direito aplicáveis, e sempre com o mui douto suprimento de Vossa Exª, deve ser dado provimento às presentes alegações e em consequência revogando-se a decisão recorrida, com as legais consequências Fazendo-se desse modo a já acostumada e sã Justiça!».

    * Não houve lugar a resposta.

    * Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre decidir.

    * II – Objecto do recurso: É entendimento universal que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do NCPC).

    Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da questão da existência de: i) nulidade do disposto na al. c) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.

    ii) erro na aplicação do direito ao nível da aplicação do instituto do abuso de direito e na fixação do montante indemnizatório a atribuir à Autora pela ruptura contratual.

    * III – Factos com interesse para a decisão da causa: 3.1 – Factos provados: Da discussão da causa resultaram provados, nos termos do disposto nos artigos 5º, nºs 1 e 2, 574º, nº 2 e 607º, nº 4, do Código de Processo Civil, os seguintes factos: 1) A Autora “(…) – Viagens, Unipessoal, Lda.” tem por objecto o desenvolvimento de actividades das agências de viagem (artigo 1º da petição inicial).

    2) A Ré “(…) Travel, Unipessoal, Lda.” tem por objecto o desenvolvimento de actividade de agência principalmente ligada à venda de viagens, de percursos turísticos, de transportes e alojamento, numa base de vendas por grosso ou a retalho, a particulares e a empresas; Actividade de transporte não regular de passageiros em veículos automóveis ligeiros (em regime de aluguer), com ou sem taxímetro, segundo itinerários, horários e preços a negociar caso a caso, incluindo aluguer com condutor; Outros transportes terrestres de passageiros como excursões e outros fretamentos ocasionais de autocarros, exploração de autocarros escolares e para transporte de empregados, transporte de passageiros em veículos pesados de passageiros; Actividade de Comércio (Compra e Venda) de automóveis ligeiros, e pesados e de outros veículos automóveis; Actividade de compra e venda de bens imobiliários (possuídos pelo próprio), nomeadamente, edifícios residenciais e não residenciais e de terrenos. Incluindo a subdivisão de terrenos em lotes sem introdução de melhoramentos (artigo 2º da petição inicial).

    3) Em Março de 2016 a Autora “(…) – Viagens, Unipessoal, Lda.” prometeu comprar e a Ré “(…) Travel, Unipessoal, Lda.” prometeu vender, verbalmente, pelo preço de € 54.000,00, o veículo automóvel 53-(…)-46, sendo o preço a pagar da seguinte forma: pagamento imediato de € 4.000,00 € e de prestações mensais de € 1.300,00 até Abril de 2019, data em que a Autora pagaria o remanescente do valor total acordado e, após esse pagamento seria transferida a propriedade da viatura para a Autora, viatura essa que nessa data passou a ser utilizada pela Autora, mas estando a propriedade inscrita a favor da (…) Leasing e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, SA e o seguro de responsabilidade civil em nome da Ré “(…) Travel, Unipessoal, Lda.” (artigos 4º – parte, 6º e 7º-parte, da petição inicial).

    4) A Autora, entre Março de 2016 e Maio de 2017, entregou à Ré a quantia de € 21.000,00, a título de preço (artigo 10º da petição inicial).

    5) A Ré, em Maio de 2017, solicitou à Autora que esta lhe facultasse o veículo automóvel de matrícula 53-(…)-46, no âmbito de relações de colaboração existente entre as sociedades, uma vez que tinha necessidade de utilizar a mesma, tendo a Autora entregue a viatura pelo prazo de 15 dias e não tendo a Ré devolvido a mesma e não mais contactando a Autora (artigos 11º a 15º da petição inicial).

    6) A Autora interpelou por diversas vezes o Réu via telefone e SMS, entre 18 de Maio e de 5 de Julho de 2017, mas não recebeu qualquer resposta (artigos 16º e 17º da petição inicial).

    7) Em 10 de Julho de 2017 a Autora interpelou a Ré e, na respectiva missiva, informou a Ré...

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