Acórdão nº 4435/18.4T8MAI.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Abril de 2019
Magistrado Responsável | FERNANDO SAMÕES |
Data da Resolução | 30 de Abril de 2019 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Processo n.º 4435/18.4T8MAI.S1[1] * Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção[2]: I. Relatório AA intentou a presente acção declarativa, com processo comum, contra: 1. BB, por si e na qualidade de tutora do interdito, CC, 2. DD, 3. EE, 4. FF, 5.
GG, 6.
HH, 7. II e 8. JJ, todos melhor identificados nos autos,[3] pedindo a declaração de nulidade do testamento lavrado em 3/4/2007, no Cartório Notarial do Licenciado ..., em ..., alegando, para tanto e em síntese, que o testador, CC, foi declarado interdito por anomalia psíquica, por sentença proferida em 25/6/2010, sendo que, na data em que outorgou naquele testamento, já se encontrava incapacitado de entender e de querer.
Citados, os réus não contestaram.
Notificadas as partes para se pronunciarem, querendo, sobre eventual verificação da excepção do caso julgado, o autor respondeu, pugnando pela não verificação de tal excepção, sustentando que não existe qualquer identidade de sujeitos nem de causa de pedir.
Seguiu-se despacho, datado de 26/11/2018, em que se decidiu nos seguintes termos: “Aqui chegados, concluiu-se a existência de uma identidade de sujeitos, de causa de pedir e de pedido, entre a ação n.º 5247/17.8T8MAI e a presente ação n.º 4435/18.4T8MAI, o que configura uma exceção de caso julgado prevista pelo artigo 577.º, al. f), pelo que, em consequência, determino, ao abrigo dos artigos 578.º e 576.º, todos do Código de Processo Civil, a absolvição dos réus da instância”.
Inconformado, o autor interpôs recurso “per saltum” para o Supremo Tribunal de Justiça e apresentou as correspondentes alegações que terminou com as seguintes conclusões: “1- A excepção de caso julgado orienta-se pelo objectivo de impedir a repetição de causas, tomadas estas segundo o critério da tríplice identidade, isto é, identidade de sujeitos, do pedido e da causa de pedir.
2- No caso vertente, confrontando a presente acção e a que a antecedeu, decorre com clareza que não ocorre a excepção de caso julgado.
3- Havendo embora identidade de pedido, não ocorre identidade de causa de pedir nem ocorre identidade de sujeitos.
4- Não há identidade da causa de pedir porque, na presente acção, o fundamento do pedido é a incapacidade acidental do testador, enquanto que, na acção anterior, o fundamento do pedido foi a interdição do testador.
Na verdade, 5- Na douta sentença proferida no primeiro processo (5247/17.8T8MAI) só haveria que decidir em função da única causa de pedir ali apresentada - a interdição do testador decretada por sentença de 26 de Junho de 2010, devido a incapacidade por anomalia psíquica fixada desde o seu nascimento, o que o impedia de poder celebrar os Testamentos por si outorgados, o primeiro de 03 de Abril de 2007 e o segundo de 24.5.2011.
6- Esta sentença, no entanto, determinou a improcedência do pedido de declaração de nulidade do testamento outorgado em 3.4.2007, "por a declaração de sentença do início de incapacidade, no caso reportando-a ao nascimento, não ter efeito retroactivo quanto ao início da interdição".
7- Na acção aqui em apreço invoca-se como causa de pedir que o CC se encontrava, quando subscreveu o Testamento em 3 de Abril de 2007, incapacitado de entender o sentido das declarações que ali produziu e não tinha o livre exercício da sua vontade.
8- Esta invocação não foi objecto na acção anterior de qualquer decisão de mérito.
9- Esta nova factualidade, não é desenvolvimento da causa de pedir formulada no processo anterior (5247/11.8T8MAI), sendo-lhe, antes, completamente independente e autónoma.
10- Enquanto a 1ª acção se baseava na interdição do Testador, e portanto na sua incapacidade para o exercício do direito de outorgar Testamentos, - nos termos do disposto no Artº 123, aplicável por força do disposto no Artº 139, ambos do Cód. Civil – a presente acção funda-se na incapacidade acidental do Testador anterior à propositura da acção de interdição, - portanto no disposto nos Artºs 2199 e 150 do Cód. Civil.
De resto, 11- A presente acção de anulação do Testamento de 3.4.2007 teria até que ser proposta apenas com base na incapacidade acidental, sem recurso à acção de interdição - cuja sentença lhe foi posterior, e não poderia ter efeitos retroactivos.
Pelo exposto, 12- A causa de pedir aduzida na presente acção é nova, diversa e autónoma da que foi invocada na 1ª Acção.
De sublinhar que, 13- Na lógica do entendimento da sentença recorrida, apesar da absolvição da instância decretada, o aqui recorrente não poderia propor nova acção, por não ser possível reparar o vício - a causa de pedir que fundamentou a presente acção, não obstante não ter sido objecto de qualquer decisão de mérito, não poderia ser utilizada em nova acção, sob pena de caso julgado.
14- O que conduziria à errada aplicação da Lei, por omissão ao disposto no Artº 20, n° 1 da Constituição da Republica Portuguesa, que garante o acesso ao Direito e aos Tribunais para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, constituindo inconstitucionalidade.
Por outro lado, 15- Entre as duas acções não há qualquer identidade de sujeitos, porque estes se encontram em diferentes lugares processuais nas 2 lides - o aqui A. era, (com outros), R. na 1ª Acção, sendo que nesta (1ª Acção) era A., (BB), a qual é,(com outros), R. na presente acção 16- O entendimento de que, nestas circunstâncias, existe caso julgado por identidade dos sujeitos, impossibilitaria o A., aqui recorrente - que em nada contribuiu para a propositura da primeira acção, que até tinha interesse na procedência da mesma, e que não tinha qualquer meio para alterar a respectiva Petição Inicial - de propor acção própria na defesa dos seus direitos e legítimos interesses, onde pudesse invocar, com vista à nulidade do Testamento de 3.4.2007, fundamento não utilizado na acção anterior, ou seja, a incapacidade acidental do referido CC aquando da outorga do Testamento de 3.4.2007.
17- O que constituiria inconstitucionalidade por omissão de aplicação do disposto no nº 1 do Artº 20 da Constituição da República Portuguesa - princípio da Garantia de Acesso ao Direito e aos Tribunais para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos-.
Sem prescindir, 18- Este entendimento da douta sentença recorrida, poderia ainda conduzir a abuso do direito - seria suficiente que um herdeiro de CC, que pretendesse perpetuar a validade do Testamento de 3.4.2007, propusesse acção judicial contra todos os demais herdeiros pedindo a nulidade deste, utilizando, de má fé e dolosamente, deficientes e ou insuficientes fundamentos, para impedir todos os demais herdeiros de pedir a anulação do mesmo!! 19- A sentença recorrida violou, além do mais, o disposto nos Artºs 580º e 581 do Código de Processo Civil, nos Artºs 123º, 139º, 2199º e 150º do Código Civil e ainda, por omissão de aplicação, o disposto no Artº 20, nº 1 da Constituição da Republica Portuguesa.
20- Tratando-se de recurso interposto de decisão referida no nº 1 do Artigo 644º do C.P.C., é propósito do Recorrente que o recurso suba imediatamente ao Supremo Tribunal de Justiça, visto que estão verificados os requisitos fixados no nº 1 do Artº 678º do mesmo Código, o que se requer.
Nestes termos, e nos mais que V.Exas doutamente suprirão, Deve julgar-se não verificada a excepção de caso julgado e revogar-se a sentença recorrida, determinando-se, ainda o prosseguimento dos presentes autos para prolação de decisão de Mérito, tudo com as legais consequências.
Assim se espera por ser de Direito e de Justiça” Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido como de revista, com subida imediata e directa para este Supremo Tribunal, com efeito meramente devolutivo, efeito que foi mantido pelo Relator.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.
Sabido que o seu objecto e âmbito estão delimitados pelas conclusões do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais de conhecimento oficioso, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, e tendo presente que se apreciam questões e não razões, a única verdadeira questão que importa dirimir consiste em saber se não se verifica a excepção dilatória do caso julgado.
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Fundamentação 1. De facto Na decisão recorrida não foram autonomizados factos provados, tendo apenas sido referenciados a propósito da apreciação e qualificação jurídica. Todavia, para uma melhor compreensão, importa aqui enunciá-los, o que se faz da seguinte forma: a) CC foi declarado interdito por sentença proferida no, então, 1.º Juízo de Competência Cível do Tribunal Judicial da Maia, de 25/6/2010, transitada em julgado no dia 1 de Setembro de 2010, por padecer de anomalia psíquica desde 1 de Novembro de 1940, data do seu nacimento, tendo sido fixado nessa data o início de tal incapacidade.
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Em 11/10/2017, BB, na qualidade de tutora do interdito, CC, intentou contra AA, DD, EE,FF, GG, HH, II e JJ, a acção n.º 5247/17.8T8MAI, que correu termos no Juízo Local Cível da ... – Juiz 1, peticionando a declaração...
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