Acórdão nº 425/12.9TBBAO.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Abril de 2019

Magistrado ResponsávelJOSÉ RAINHO
Data da Resolução30 de Abril de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção): I - RELATÓRIO AA e mulher, BB demandaram, pelo então Tribunal Judicial da Comarca de ... e em autos de ação declarativa com processo na forma ordinária, CC e mulher DD, e EE e mulher FF, peticionando que: a) Sejam declaradas ineficazes em relação aos Autores: a venda do prédio misto que descrevem (sito no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob nº ... e inscrito na matriz urbana sob o art.º ... e na matriz rústica sob o art.º ...), isto de acordo com o disposto nos arts. 610º a 618º do Cód. Civil, devendo, por isso, ser restituído aquele prédio misto, no sentido de os Autores o poderem executar, mesmo no património dos obrigados à restituição, ou seja, dos 2ºs Réus, totalmente livres de ónus e encargos de qualquer espécie; bem como, com o sentido de os autores poderem praticar todos os atos de conservação dessa sua garantia patrimonial, permitidos por lei (art. 616º do Cód. Civil), tudo na medida do valor do crédito dos Autores sobre os 1ºs Réus, incluindo capital, despesas e juros vencidos e vincendos, até efetivo e integral pagamento; Ou caso assim não se entenda, b) Seja declarada nula e de nenhum efeito, porque simulada, a compra e venda a que se reporta a escritura celebrada no dia 30.4.2010 junta aos autos, com as legais consequências ao abrigo do disposto nos art.º 240º e ss. e 289º do Cód. Civil; c) Seja ordenado o cancelamento do registo predial efetuado através das AP. nº 5613 de 2010/04/30 e a AP. nº … de 2010/04/30, junto da Conservatória do Registo Predial de ..., referente ao prédio ali descrito sob o nº ....

Alegaram para o efeito, em síntese, que são credores dos primeiros Réus pelos montantes que descrevem. Sucede que, em 30 de abril de 2010, os primeiros Réus venderam aos segundos Réus o referido prédio misto, venda essa que foi realizada mediante conluio entre todos com o objetivo de prejudicar a satisfação dos créditos dos Autores, estando assim estes impedidos de executar os seus créditos sobre o imóvel no património dos devedores.

Mais alegaram que nem os primeiros Réus quiseram vender nem os segundos Réus quiseram comprar tal prédio, tudo não passando de um ato simulado com o intuito de prejudicar os Autores, pois que visou simplesmente subtrair o prédio da esfera dos devedores.

+ Contestaram os Réus, concluindo pela improcedência da ação.

+ Seguindo o processos seus termos, foi dada notícia nos autos de que os primeiros Réus haviam sido declarados insolventes.

Na sequência veio a ser proferido despacho (de 19 de abril de 2016, constante de fls. 1411 a 1413) que decidiu ter caducado o mandato forense estabelecido entre os primeiros Réus e o advogado que os representava, passando tais Réus a ser representados nos autos pelo Administrador da Insolvência.

Este não constituiu mandatário, razão pelo qual se decidiu que, sendo a falta dos Réus, os autos prosseguiriam os seus normais termos (fls. 1423).

Os primeiros Réus recorreram do despacho de 19 de abril de 2016 (fls. 1425 e seguintes), mas a Relação do Porto julgou inadmissível o recurso, com fundamento em que estava em causa uma decisão interlocutória que só podia ser impugnada, nos termos do n.º 3 do art. 644.º do CPCivil, no recurso da decisão final.

Continuando o processo a seguir seus termos, veio, a final, a ser proferida sentença (Juiz 3 - Juízo Central Cível de Penafiel - Comarca do Porto Este) que julgou improcedente a ação.

+ Inconformados com o assim decidido, apelaram os Autores.

Fizeram-no com êxito, pois que a Relação do Porto revogou a sentença, que substituiu por decisão que julgou ineficaz relativamente aos Autores, na estrita medida do necessário à satisfação do seu crédito, o contrato de compra e venda celebrado entre os primeiros e segundos Réus em 30 de abril de 2010.

+ Insatisfeitos com o decidido, pedem os Réus revista.

+ Da respetiva alegação extraem os primeiros Réus (CC e mulher DD), patrocinados pelo mandatário que haviam constituído, as seguintes conclusões: 1. O presente processo converteu-se e desenvolveu-se a partir do insólito despacho proferido, em 1ª Instância, em 19 de abril de 2016, numa farsa judiciária, viabilizando uma tramitação. a todos os títulos inválida, assente em atas intercalares sucessivamente nulos, acumulando flagrantes violações dos mais elementares valores constitucionais que informam, como é próprio de um Estado de Direito, um processo judicial justo, submetido aos princípios da legalidade, do contraditório, da igualdade das partes e no pleno reconhecimento dos direitos de defesa, como corolário da essencialidade do patrocínio forense no interesse da boa administração da justiça, como é constitucionalmente reconhecida.

  1. Teve como consequência um julgamento surrealista, moldado aos princípios inquisitoriais, onde os lºs RR foram julgados sem representação e assistência por advogado, com agravo por ser processo onde era e é obrigatória a constituição de advogado, sem que lhe tivessem sido notificados, por regra, os atas processuais, com o seu mandatário excluído da plataforma Citius e sem igualmente ser notificado de qualquer ato processual, do que de tudo protestaram de forma reiterada e veemente, mas sempre em vão.

  2. Um processo onde o advogado signatário, com procuração nos autos, contra a sua vontade e da dos seus constituintes, foi despoticamente reduzido ao papel de mero assistente na bancada destinada ao público, sem poder ter qualquer intervenção, mas firme no respeito pela sua deontologia e pelos deveres de lealdade e solidariedade para com os seus constituintes, que não abandonou e jamais abandonará.

  3. A tudo isto foi o Tribunal da Relação do Porto insensível, tendo optado pela alteração da matéria de facto dada como provada, assim validando o que é notoriamente inválido e sanando o que não é sanável, omitindo pronúncia sobre a proclamação da nulidade de todo o processado posterior a 19 de abril de 2016, incluindo a audiência de julgamento e a correspondente produção de prova.

  4. Não sendo esta questão objeto do recurso de apelação, uma vez que a sentença da 1ª Instância foi inteiramente favorável aos RR, não poderia por estes ser impugnados os atos interlocutórios, por força do regime de proteção especial que lhes confere o disposto no artigo 644º nº 3. do CPC.

  5. Todavia, estava a anulação desses atos, manifestamente ilegais, no âmbito dos poderes de cognição do Tribunal da Relação do Porto, por oficiosidade e como questão prévia à posição que o Tribunal da Relação o Porto viria a tomar.

  6. Não tendo o Tribunal da Relação do Porto, no julgamento da apelação interposta pelos Autores, tomado oficiosamente conhecimento da nulidade de todos esses atos, validando-os, aliás, tacitamente e por ostensiva omissão, cumpre agora a este Venerando Tribunal Superior, como último baluarte da legalidade no quadro hierárquico dos tribunais judiciais, repor essa ilegalidade preterida e devolver aos ora recorrentes os seus direitos postergados.

  7. O que inexoravelmente implicará a anulação de todo o processo desde 19 de abril de 2016, com repetição do julgamento em 1ª Instância para que então, com respeito dos princípios gerais que norteiam um processo judicial, se possa produzir a prova, de forma serena, profunda e esclarecedora.

  8. A situação anómala para a qual o processo resvalou, teve origem no despacho de 19 de abril de 2016 (refª Citius 70141820), que decidiu julgar procedente a exceção de caducidade do mandato conferido ao advogado subscritor desta peça e determinou a notificação do administrador nomeado na insolvência para, no prazo de 10 dias, constituir o mesmo ou novo mandatário sob pena do processo prosseguir os seus termos normais; 10. Os RR/recorrentes e o seu mandatário jamais tiveram qualquer contacto direto ou indireto, pessoal ou por qualquer outra via com o administrador da insolvência.

  9. Vieram, contudo, a tomar conhecimento por acesso ao processo, de um documento de sua autoria enviado aos autos em data que desconhece, onde declarou o seguinte: “.......... quanto ao indicarmos um Senhor Doutor Advogado para Mandatário da Insolvência, não o iremos fazer por não dispormos de disponibilidades. Também exista a referir, estamos em presença de matérias contabilísticos, gestão finanças e fiscais e o Signatário tem habilitação própria para Mandatário a custo zero” (sic); 12. Assim, com surpresa e redobrada revolta, os lºs Réus e o seu advogado receberam nova notificação de despacho, datado de 3 de maio de 2016 (refª Citius 70273874) consignando: “não havendo constituição de novo advogado e sendo a falta dos réus, os autos prosseguiram os seus termos normais”; 13. Do antecedente despacho de 19 de Abril de 2016, interpuseram os lºs Réus, aqui recorrentes, recurso de apelação, em 11 de maio de 2016, propondo a sua subida imediato e em separado, com efeito suspensivo, entendendo que estava em causa o direito dos recorrentes estarem, autonomamente, em Juízo e a ser patrocinados por mandatário forense da sua livre escolha, com inerente violação de principio fundamental da regularidade da instância, mas apenas foi admitido para subir de imediato e em separado com efeito devolutivo, cf. despacho de 22 de junho de 2016 (refª Citius 79835180); 14. Todavia, em face do efeito atribuído ao recurso, a instância anómala prosseguiu, com sucessivos atropelos aos direitos de defesa dos RR, justificando a apresentação, em 22 de setembro de 2016, de um novo requerimento ao processo a arguir nulidades nos termos e para os efeitos dos artigos 195º, 199º e 200º nº 3 do C. P. Civil. (refª Citius 23618811).

  10. Sobre o qual foi proferido novo despacho, a 4 de outubro de 2016, perfilhando o entendimento de que não haviam ocorrido quaisquer nulidades, mas acabando por ordenar à secção que passasse a notificar, não só o administrador da insolvência, como também os RR, dos atos processuais praticados que lhes digam respeito, por forma a deles ficarem cientes, o que pelos vistos...

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