Acórdão nº 9229/14.3T8LRS.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Abril de 2019
Magistrado Responsável | MARIA OLINDA GARCIA |
Data da Resolução | 30 de Abril de 2019 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
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RELATÓRIO 1.
AA e BB instauraram ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum de declaração, contra CC, peticionando a condenação da ré a pagar aos autores a quantia de € 36.481,26 (trinta e seis mil, quatrocentos e oitenta e um euros e vinte e seis cêntimos), a título de enriquecimento sem causa, imediatamente, ou se assim não se entender, no momento em que o autor deixe de ter a posse do imóvel dos autos; quantia esta acrescida de juros moratórios, à taxa legal civil, desde a data da citação da ré e até efetivo e integral pagamento. Alegaram os autores, para tanto e em síntese, os factos constantes da petição inicial.
2. A ré não contestou, vindo a falecer no decurso do prazo concedido para contestar.
Por sentença transitada em julgado, DD foi declarada habilitada como única sucessora mortis causa da ré.
A habilitada DD não contestou a ação.
3. Foram considerados confessados os factos alegados pelos autores na petição inicial para cuja prova não se exigia documento escrito, ao abrigo do disposto nos artigos 567°, nº 1 e 568°, alínea d) do Código de Processo Civil.
4.
Foi proferida decisão, que julgou a ação improcedente, absolvendo a Ré do pedido.
5. Inconformados, os autores interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa.
A ré interpôs recurso subordinado.
6. A Relação de Lisboa, em 30.11.2017, decidiu como se transcreve: «julga-se a apelação parcialmente procedente, condenando-se a Ré DD a pagar aos Autores a quantia de € 35.514,00 (trinta e cinco mil, quinhentos e catorze euros), com acréscimo de juros de mora à taxa legal contados desde data da citação e até efectivo pagamento.
Julga-se improcedente o recurso subordinado da Ré.
» 7.
Não se conformando com o acórdão da Relação de Lisboa, a ré/apelada requereu (a fls.436 dos autos) a reforma do acórdão, ao abrigo do art.616º, n.2, al. b) do CPC (ex vi do art.666º) e, para o caso de a reforma não ser atendida, interpôs recurso de revista, em cujas alegações apresentaram as seguintes conclusões: « I - Esteve mal o Tribunal a quo ao decidir a questão nos termos em que o fez.
II - Após devida análise ao processo e a todos os elementos que dele fazem parte decidiu manter a matéria de facto assente, nomeadamente a al. 5).
III - Toda a análise, fundamentação e conotações levadas a cabo pelo respeitável Tribunal a quo padecem de um grave erro na apreciação da prova que se encontra junto aos autos, de outra forma teria procedido à alteração da matéria de facto assente.
IV - A vexata quaestio reside em saber se as obras realizadas pelo Autor, como necessidade de adaptar o locado para obtenção de alvará afim de o explorar enquanto estabelecimento de café, devem ser consideradas como benfeitorias necessárias ou como benfeitorias úteis, com as legais consequências provenientes dos respectivos regimes.
V- Entendeu o respeitável Tribunal a quo que as benfeitorias necessárias, ou seja, aquelas que "têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa", não se reportam "exclusivamente a condições materiais. Por exemplo, quando se fala de "perda" pensamos que o preceito tem em vista não só o desaparecimento físico da coisa, mas também das condições essenciais do respectivo gozo.
VI - O factor determinante para o Tribunal a quo considerar as obras em crise nos presentes autos como benfeitorias necessárias, em detrimento das benfeitorias úteis, foi o facto das mesmas terem sido causa directa do cancelamento do alvará sanitário n.198, sem o qual o Autor não poderia usufruir do gozo específico a que pretendia destinar o locado, neste caso à actividade de café.
VII - Todavia, não podemos olvidar que para que o Autor pudesse usufruir do gozo a que as partes contratualmente destinaram o locado as obras explicitamente indicadas nos autos teriam obrigatoriamente de ser realizadas! VIII - Mais, o alvará sanitário n.198 teria de ser cancelado e o Autor teria de solicitar novo alvará sanitário para actividade diversa do n. 198.
IX - Caso a documentação junta aos autos pelo Autor tivesse sido convenientemente analisada, facilmente se alcançaria que no rés-do-chão direito do prédio urbano sito no n. 22 da ... (o locado descrito nos autos) nunca funcionou qualquer estabelecimento de café.
X - O documento n. 4 junto pelo Autor com a petição inicial, refere: "Pedido de caducidade do Alvará Sanitário n. … para a actividade de Taberna.
XI - O documento n.5 junto pelo Autor com a petição inicial, refere que: "... Titular do proc.
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3410 de licenciamento de utilização para estabelecimento de Taberna".
XII - O que existia para o locado em questão era um alvará sanitário para um estabelecimento de taberna e não um para café, ao contrário do que erradamente foi retirado da prova documental.
XIII- Caso o respeitável Tribunal a quo tivesse interpretado convenientemente os documentos juntos aos autos, outra não poderia ser a conclusão que, para que o Autor pudesse usufruir convenientemente do gozo do locado como café, teria de solicitar novo alvará à Câmara Municipal de ... e realizar as obras devidamente discriminadas nos autos, sob pena do pedido de licenciamento camarário lhe ser recusado.
XIV- O cancelamento do alvará sanitário n.198 não é causa da necessidade de realização das obras devidamente discriminadas nos autos.
XV- Andou mal o Tribunal a quo ao decidir como decidiu porquanto se tivesse partido de uma correcta interpretação dos documentos juntos aos autos a fundamentação do acórdão teria, obrigatoriamente, de ser diferente e, consequentemente, a decisão também o seria.
XVI- O que leva o Tribunal a quo a considerar as obras realizadas pelo Autor como benfeitorias necessárias é o facto de já existir um alvará para café que, não sendo cancelado, possibilitava ao Autor usufruir do locado para o fim a que foi pelas partes destinado, sem necessidade de realizar qualquer obra necessária a "reunir as condições materiais de funcionamento".
XVII - Existe nos autos documentação cabal e suficiente que desmorona a teoria erigida pelo douto Tribunal a quo.
XVIII - Consequentemente, deve o acórdão ora em crise ser reformado, nos termos e para os efeitos do disposto na al. b) do n. 2 do art. 616.° do CPC, aplicável ex vi do art. 666.° do CPC e substituído por outro cuja decisão, sendo diversa da então proferida, determine que as obras realizadas pelos Autores integram o conceito de benfeitorias úteis e, em consequência, absolva a Ré do pedido.
XIX - O douto acórdão do Tribunal da Relação, alterando a decisão de 1a instância, merece reparo porquanto, atento o disposto no artigo 674.°, n. 1, al. a) e n. 3, do CPC, viola a lei substantiva por erro de interpretação ou de aplicação das normas aplicáveis, erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, que é fundamento para revista.
XX- Os factos provados determinantes, que levaram o Venerando Tribunal a quo a decidir que "as despesas tidas pelo Autor com as obras indicadas pela Câmara Municipal de ... integram o conceito de benfeitorias necessárias" foi a convicção da prévia existência de um estabelecimento de café e de um alvará sanitário para exploração de café.
XXI - Não se pode perder algo que não existe previamente! XXII - Os factos materiais tidos por determinantes para realizar a especial aplicação da norma em questão ao caso concreto padece de total suporte probatório XXIII - Os factos que o respeitável Tribunal a quo entendeu por essenciais para a aplicação da norma importam, para sua fixação, a produção de determinado meio de prova e/ou que não tenha sido preterida a força probatória determinado meio de prova, o que não sucedeu! XXIV - A prova de que determinado imóvel possui alvará para o exercício de determinada actividade apenas se poderá produzir por meio de documento emitido pela entidade competente para o licenciamento.
XXV- O documento n. 4 junto com a petição inicial, é emanado pela Câmara Municipal de ... e assinado pelo Vereador EE, ou seja, um documento autêntico.
XXVI - O respeitável Tribunal a quo deu como assente um facto para cuja prova a lei exige documento autêntico, quando, compulsados os autos, facilmente se alcança que o documento autêntico junto aos autos prova exactamente o oposto.
XXVII - Acresce que, existe nos autos documento que, per si, é suficiente para prova dos factos que dele constam e dos que objectivamente resultam da sua percepção directa, tendo o respeitável Tribunal a quo fixado matéria de facto diversa da que dele resulta.
XXVIII - Há erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa.
XXIX - Tendo a prova sido devidamente apreciada e a matéria de facto devidamente fixada, de acordo com o que resulta da prova documental junta aos autos, outra não poderia ser a decisão do respeitável Tribunal a quo que considerar as referidas obras como integrantes do conceito de benfeitorias úteis, ou seja, aquelas "que não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor”, mantendo, assim, o entendimento perfilhado na sentença prolatada pelo Tribunal de 1ª Instância.
XXX - Mais se refira, há violação da lei substantiva, na modalidade de interpretação e aplicação da norma.
XXXI - O Tribunal a quo enveredou pela subsunção jurídica dos factos na figura das benfeitorias necessárias.
XXXII - Dispõe o art. 216.° do CC que: "1. Consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa. 2. As benfeitorias são necessárias, úteis ou voluptuárias.
3. São benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor; voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem...
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