Acórdão nº 6590/15.6T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Abril de 2019

Magistrado ResponsávelRIBEIRO CARDOSO
Data da Resolução30 de Abril de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1]) ([2]) 1 - RELATÓRIO O SITRA - SINDICATO DOS TRABALHADORES DOS TRANSPORTES interpôs a presente ação declarativa de condenação, emergente de contrato de trabalho individual, com processo comum, contra AA, SA, pedindo que seja condenada a: a) A não aplicar o conceito dos “tempos de disponibilidade” nos seus horários de trabalho aos motoristas associados do Autor; b) A pagar desde 1 de março de 2014 o trabalho efetuado como “tempo de disponibilidade“ aos cálculos e valores de trabalho suplementar aos associados do Autor; c) Registar nos recibos de cada motorista o trabalho realizado como “tempo de disponibilidade“ como trabalho suplementar; d) A revogar todas as faltas injustificadas do registo individual de cada motorista associado do Autor em função da imposição do “tempo de disponibilidade”; e) A revogar todas as sanções disciplinares do registo individual de cada associado do Autor que tenham tido ou venham a ter origem em faltas injustificadas dadas na sequência de não-aceitação do tempo de disponibilidade.

Foi proferido despacho de indeferimento liminar da petição inicial relativamente aos pedidos formulados sob alíneas c), d) e e), por serem ineptos.

Proferiu-se sentença a declarar a extinção parcial da instância quanto ao pedido formulado pelo Autor sob alínea a) [«não aplicar o conceito dos “tempos de disponibilidade” nos seus horários de trabalho aos motoristas associados do Autor»] e quanto à parte do pedido formulado pelo Autor sob alínea b) que corresponde aos cálculos para pagamento a partir do mês de junho de 2016, e que determinou o prosseguimento da presente ação para apreciação do parte do pedido formulado pelo Autor sob alínea b) que corresponde aos cálculos para pagamento dos meses de março de 2014 a maio de 2016.

O autor alegou que a ré comunicou que, a partir de 01/03/2014, aplicava o “tempo de disponibilidade” aos motoristas de serviço público, seus associados, invocando para tal o disposto no Dec. Lei nº 237/2007, de 19/06; que é injustificada a aplicação do conceito dos “tempos de disponibilidade” pela não verificação dos requisitos de que a lei faz depender e por não se terem alterado quaisquer circunstâncias no exercício diário da atividade daqueles motoristas que justificasse uma alteração de aplicação de conceito; que, até àquela data, a Ré sempre pagou aos motoristas todas as horas compreendidas entre o início e o termo das respetivos horários de trabalho, sendo que as primeiras 8 horas pagava ao valor da hora normal sem acréscimo e as seguintes com os acréscimos do valor das horas do trabalho suplementar.

A Ré alegou que exerce a atividade de transporte público rodoviário de passageiros e que realiza serviços regulares cujo percurso de linha é superior a 50 quilómetros. Nos períodos de ponta da manhã e da tarde tem de empregar todos os motoristas e todos os autocarros disponíveis, mas que fora destes períodos apenas necessita de afetar entre 40% a 60% dos seus motoristas e autocarros, dependendo da hora e da zona de tráfego. Sempre pagou aos motoristas todas as horas compreendidas entre o início e o termo do horário de trabalho, ressalvados os intervalos de refeição, pagando-lhe as primeiras oito horas pelo valor normal e as horas seguintes com os acréscimos previstos para a remuneração do trabalho suplementar, mesmo que, entretanto, tenham ocorrido períodos durante os quais não tenham exercido, nem lhes fora solicitada, qualquer atividade. Durante a jornada de trabalho existem vários tempos mortos de duração considerável e durante esses períodos os motoristas não estão obrigados a permanecer nas suas instalações, mas sabem que podem ser chamados para ocorrer à realização de qualquer serviço que não esteja previsto, pelo que tais períodos de inatividade devem ser qualificados como tempos de disponibilidade.

Na sentença foi a ação julgada improcedente e a Ré absolvida dos pedidos.

O A., inconformado, apelou, tendo sido proferida a seguinte decisão sumária confirmada em conferência: «Em face do exposto, rejeita-se o recurso na parte respeitante à impugnação da matéria de facto.

Concede-se provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, pelo que se condena a ré a não aplicar o conceito dos “tempos de disponibilidade” nos seus horários de trabalho aos motoristas associados do Autor, bem como a reconhecer a estes o direito a dela receberem o trabalho efectuado como “tempo de disponibilidade” calculado ao valor retributivo do trabalho suplementar, efectivamente prestado, no período compreendido entre 01/03/2014 e 31/05/2016.

Custas pela ré.» Desta deliberação recorre agora a Ré de revista impetrando a sua revogação e consequente substituição “por outro que: a. repristinando a sentença proferida em primeira instância, absolva a Recorrente dos pedidos formulados; b. ou, a título subsidiário, não declare ilícita a prática da ora Recorrente de, entre 1 de Março de 2014 e 31 de Maio de 2016, aplicar o conceito e regime de "tempo de disponibilidade" aos motoristas ao seu serviço (i) que prestaram serviços não regulares, (ii) que estiveram exclusivamente afectos ao serviço regular de transporte de passageiros em carreiras com percursos superiores a 50 quilómetros, (iii) que gozaram períodos de disponibilidade imediatamente antes de iniciarem carreiras com percursos superiores a 50 quilómetros e (iv) que gozaram períodos de disponibilidade imediatamente após o termo de carreiras com percursos superiores a 50 quilómetros.” O recorrido não contra-alegou.

Cumprido o disposto no art. 87º, nº 3 do CPT, a Exmª Procuradora-Geral‑Adjunta emitiu douto parecer no sentido da concessão da revista.

Notificadas, as partes não responderam.

Formulou a recorrente as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([3]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal: ”1.ª - A Recorrente pede revista do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que por via da confirmação da decisão singular proferida nos autos, a condenou a não aplicar o conceito de “tempo de disponibilidade” aos motoristas ao seu serviço associados do Recorrido, bem como a, no período entre 1 de Março de 2014 e 31 de Maio de 2016, remunerar aquele tempo como se de trabalho suplementar se tratasse.

  1. - Não constitui tempo de trabalho aquele em que, fora dos períodos em que têm serviço atribuído, os motoristas trabalhadores da Recorrente não são obrigados a permanecer no seu posto de trabalho, nem sequer nas instalações daquela, embora possam ser chamados para acorrer à realização de serviços não previstos.

  2. - O critério de qualificação como tempo de trabalho dos períodos de inactividade do trabalhador, com disponibilidade para o oferecimento da prestação, é a presença no local de trabalho ou em lugar determinado pelo empregador.

  3. - Esse critério decorre directamente do disposto no n.º 1 do artigo 197.º do Código do Trabalho, na leitura que dele tem feito a jurisprudência nacional, coincidente com a solução proposta pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.

  4. - Jurisprudência exemplificada pelo acórdão do Tribunal ad quem de 20 de Junho de 2018, que apreciou causa de pedir e pedidos idênticos aos dos presentes autos, em acção que opôs a ora Recorrente ao Sindicato Nacional dos Motoristas.

  5. - Podem ser especiais, mas não têm natureza excepcional, as normas - como a prevista na alínea c) do artigo 2.º do Decreto-lei n.º 237/2007, de 19 de Junho - que não qualificam como de trabalho o "tempo de disponibilidade" do trabalhador, fora do local de trabalho e com recuperação da autogestão do tempo de acordo com os seus interesses pessoais, embora se mantenha adstrito ao desempenho da actividade quando necessário.

    7.º - Em consequência, quer por efeito do mencionado Decreto-lei n.º 237/2007, quer se negue a aplicação deste às relações de trabalho mantidas pela Recorrente, por essa via as sujeitando ao Código do Trabalho, o "tempo de disponibilidade" dos motoristas ao serviço da Recorrente não é tempo de trabalho, não devendo ser remunerado como tal e, menos ainda, com o acréscimo devido pela prestação fora do horário de trabalho.

  6. - Sendo certo que a licitude da prática da Recorrente não deve ser apreciada apenas à luz do regime jurídico que a mesma invocou para a legitimar, mas de acordo com todas as soluções normativas que se mostrem aplicáveis.

  7. - O período de "disponibilidade" não é tempo de trabalho porque a regulamentação colectiva assim o estabelece; ao contrário, não é tempo de trabalho, a menos que aquela regulamentação disponha de modo diverso.

  8. - Como o Tribunal a quo expressamente reconhece, o instrumento de regulamentação colectiva de trabalho outorgado pelo Recorrido e aplicável à Recorrente não incluía disposição a qualificar como "pausa técnica", equiparada a tempo de trabalho, os períodos em que os motoristas não estavam afectos ao exercício da actividade e não permaneciam nos seus locais de trabalho, embora tivessem de estar contactáveis.

  9. - Omissão da qual não decorre a...

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