Acórdão nº 248/12.5TAELV-B.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução07 de Maio de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

1 - Se o advogado pretende solicitar à sua Ordem a dispensa do segredo profissional rege o nº 4 do artigo 92º do actual EOA, não havendo aí qualquer intervenção de um tribunal por incompetência dada a patente desnecessidade face à ausência de qualquer interesse público supra profissional a acautelar e a lei é clara na atribuição à OA de competência decisória exclusiva.

2 - Mas se existe um interesse público a acautelar o incidente próprio para fazer operar um juízo valorativo supra profissional sobre a quebra de sigilo profissional dos advogados é da exclusiva competência dos Tribunais que forem material e territorialmente competentes. Ou seja, a ponderação dos valores a fazer no âmbito do artigo 135º - quebra do segredo – está muito para além das competências da Ordem dos Advogados.

3 -As decisões da OA obtidas no âmbito decisório do artigo 92º do EOA que forem juntas aos autos não têm valor decisório no processo judicial, sem prejuízo de a sua fundamentação poder ter valor argumentativo.

4 - O parecer emitido pela OA nos termos do artigo 135º do C.P.P. não tem valor vinculativo já que isso seria a negação do papel dos tribunais.

5 - O nº 5 do artigo 92º do EOA é claro na afirmação de que os actos praticados pelo advogado com violação do segredo profissional não podem fazer prova em juízo. Tais depoimentos, são em absoluto, proibidos mesmo se prestados sem prévio abordar da eventual escusa, não valendo para neles se basear a decisão no incidente de quebra de sigilo.

6 - A procedência total ou parcial do incidente de quebra de sigilo não pode ter como efeito o repristinar do seu conteúdo.

7 - A leitura conjunta do nº 4 do artigo 92º da Lei 145/2015 (que aprova o actual EOA) com o disposto no artigo 4º, nº 2 e 3 do Regulamento nº 94/2006 da OA que regulamenta a dispensa de segredo profissional (D.R.-II SÉRIE, nº 113, de 12 de Junho de 2006, pag. 8588) demonstra que a expressão absolutamente necessário veio a ser complementada com as expressões inequívocamente necessária e essencialidade, actualidade, exclusividade e imprescindibilidade.

8 - Tais citérios não são aplicáveis no incidente do artigo 135º do C.P.P. onde se estabelece de forma clara que a quebra será decretada nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos. O que induz necessariamente que são estes três os parâmetros valorativos que, todos, devem ser apreciados.

9 - Sendo que a gravidade do crime é sempre aferida pela sua moldura penal abstracta, a necessidade de protecção de bens jurídicos demonstra-se pela qualidade dos crimes praticados. A prevaricação de titular de cargo político e a corrupção passiva de titular de cargo político demonstram, por si sós, a premência de resguardo da sociedade que deve confiar nos seus eleitos para uma boa e saudável representação. A sã representação é essencial pressuposto de uma sã democracia. A representação conspurcada é a derrota da política e a morte da polis.

10 - O conceito de imprescindibilidade não pode assumir o significado de que o depoimento a prestar seja o “único” ou “exclusivo” elemento de prova existente no sentido de não haver outros a prestar ou já prestados. Imprescindível quer apenas significar que existe algo de que se não pode prescindir, que é indispensável, insubstituível, necessário.

11 - A análise da imprescindibilidade da prova só pode ser feita, tendo em mente a acusação deduzida, o pedido formulado e os fundamentos factuais e probatórios aduzidos pelo requerente.

Acordam, em conferência, na secção criminal do tribunal da Relação de Évora: A – Relatório: No decurso da audiência de julgamento nos autos principais e finda a produção da restante prova, o Ministério Público provocou, ao abrigo do disposto no artigo 135.º, n.ºs, 3 e 4 do CPP, o incidente de quebra de sigilo profissional dos Srs. Advogados C… e B…, com o fito de o remeter para decisão a este Tribunal da Relação, devidamente instruído com certidão da acusação, dos depoimentos prestados em inquérito pelas testemunhas em causa e de outros documentos.

* A.1 - Fundamentou o Ministério Público, nas partes mais relevantes (transcrição parcial): Na acusação deduzida pelo Ministério Público nestes autos foram indicadas como testemunhas, para além de outras, C… e B…, ambos advogados.

Na Audiência de Discussão e Julgamento que teve lugar no dia 27-09-2018, a propósito da inquirição de C…, consta o seguinte da respectiva acta Questionada a testemunha nos termos do art.º 348º, n.º 3 do C. P. Penal, disse conhecer o arguido M… por ter sido advogado da FSCD entre 2003 e 2012; teve também relações profissionais com a sociedade MRG e com o arguido F…. Conhece o arguido R… por ter tido uma ligação profissional à Universidade de Évora, onde aquele trabalha. Não tem nenhuma relação com a Câmara de Campo Maior. (…) Na mesma Audiência de Julgamento, e no que concerne à inquirição de B… pode ler-se na mesma acta Questionada a testemunha nos termos do art.º 348º, n.º 3 do C. P. Penal, disse que conhece o arguido M… porque enquanto advogado prestou serviços à FSCD; conhece o arguido F… porque a empresa da qual é gerente prestou serviços à empresa MRG, e conhece os arguidos R… e J…, por ter estabelecido com um e outro, relações meramente institucionais. (…) No dia 12-10-2018 (referência n.º 1248821) C… veio dar conta da decisão do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados, a qual indefere o seu pedido de levantamento de sigilo profissional, da seguinte forma: Nestes termos, não se mostrando devidamente preenchidos os pressupostos inerentes ao regime excecional da dispensa, de acordo com o disposto no artigo 92.º, n.º 4 do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado em anexo à Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro, e nos artigos 3.º e 4.º do Regulamento de Dispensa do Segredo Profissional – Regulamento n.º 94/2006, de 12 de junho, DR, II Série, ainda em vigor por força do disposto no artigo 3.º, n.º 7 da lei preambular do Estatuto, indefere-se o requerido e, por conseguinte, fica o Senhor Advogado Dr. C… impedido de depor, na qualidade de testemunha, no âmbito do processo-crime pendente no Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, Juízo Local Criminal de Elvas – Juiz 1, sob o n.º 248/12.5TAELV.

No dia 12-12-2018 (referência n.º 1294392) B… veio comunicar a decisão do Conselho Distrital da Ordem dos Advogados do Porto, a qual indefere o seu pedido de levantamento de sigilo profissional, nos seguintes termos: Em face do exposto, por não se verificarem os pressupostos de que depende a concessão de dispensa do dever de guardar segredo profissional, indefere-se o pedido de levantamento do segredo profissional.

Todavia, em nosso entender, e depois de produzida a restante prova, a inquirição de tais testemunhas em audiência de julgamento revela-se muito importante, essencial, fundamental e mesmo imprescindível para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa.

Na verdade, conforme decorre do teor da acusação, C… e B… possuem conhecimento privilegiado de parte da factualidade aí descrita (designadamente no âmbito da implementação de PPPs institucionais, mormente da PPP Institucional para construção do Complexo de Piscinas de Campo Maior e da sua prestação de serviços à FSCD) bem como colaboraram na elaboração de peças documentais juntas aos autos, sendo essencial que se pronunciem, em julgamento, sobre os factos do seu conhecimento, designadamente sobre a aplicabilidade às PPPs institucionais do princípio da concorrência, forma de publicação e prazos de apresentação de propostas e procedimentos de concurso respectivos, âmbito da prestação de serviços à FSCD no que concerne à PPP Institucional relacionada com o Município e Empresa Municipal de Campo Maior, concretamente qual a sua participação no concurso para selecção da empresa construtora do Complexo de Piscinas e contactos com a CGD (ver a título de exemplo, os artigos 10.º a 25.º, 30 a 39.º, 48.º, 50.º a 65.º e 73.º a 111.º da acusação).

Surge, também, como fundamental, o confronto destas testemunhas com determinados documentos, nomeadamente daqueles que constam a fls. 290 e ss. do Apenso XIV, 2.º vol., a fls. 45, 50 e ss. do Apenso I, vol. 1.º, a fls. 100 a 103 do Apenso XV, a fls. a 2 a 26 do Apenso I, vol. 3.º, a fls. 543 e ss. do Apenso I, 2.º vol., a fls. 136 e 137 do Apenso VII, vol. 2.º e a fls. 279 a 282 do Anexo Informação Bancária e Fiscal Objectivo Único e FSCD.

Desta sorte, entendemos que, in casu, deverá ocorrer quebra do sigilo profissional dos Srs. Advogados C… e B… (…) Ora, atendendo à necessária, determinante e mesmo imprescindível inquirição dos Srs. Advogados para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa, tendo em conta a gravidade dos crimes em apreciação (crimes de prevaricação de titular de cargo político, corrupção e branqueamento de capitais) e a evidente necessidade de protecção dos bens jurídicos postos em causa (assumindo natureza pública a tutela dos bens subjacentes), concluímos que o interesse público de salvaguardar o sigilo profissional (que não é um interesse absoluto) deve juridicamente ceder perante os valores da ordem pública e social e perante os interesses da realização da justiça e superior interesse público da procura da verdade para uma decisão adequada e justa, valores e interesses que, a nosso ver são preponderantes em confronto com os interesses que subjazem à reserva profissional.

Em conclusão, afigura-se-nos que, na ponderação dos interesses presentes, impõe-se determinar a quebra do sigilo profissional em questão.

* A.2 - Notificados, responderam os arguidos essencialmente (transcrições parciais): A.2.a) – R… 2)- Como se pode ver, aliás, a fls. [Ref.1248821 e Ref.1294392] dos autos, a Ordem dos Advogados, pronunciou-se no sentido de indeferir o pedido de levantamento de segredo profissional, daqueles Ilustres Advogados.

Aliás, sempre se dirá – a propósito – que, face à independência do advogado, é, pois...

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