Acórdão nº 677/09.1YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Março de 2010
Magistrado Responsável | CUSTÓDIO MONTES |
Data da Resolução | 04 de Março de 2010 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : 1. Quer o direito ao bom-nome e à reputação quer a liberdade de expressão e informação têm guarida constitucional e na lei ordinária.
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Relativamente ao direito ao bom-nome e à reputação, a Constituição não estabelece qualquer restrição, o que não acontece em relação à liberdade de expressão e informação em que as infracções cometidas no seu exercício ficam submetidas ao princípio geral de direito criminal.
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A ilicitude reporta-se apenas ao facto e não também ao seu efeito (danoso), podendo haver factos danosos que sejam indiferentes à ordem jurídica ou por ela tolerados, se o bom senso e a equidade do julgador assim o concluir, no caso concreto.
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A dialéctica concorrencial entre a política e o jornalismo justifica que se entre em alguma especulação em certos casos, como são os que representam para a população em geral grande repercussão e sensibilidade.
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Não é ilícita a notícia que, fora um ou outro pormenor, é verdadeira e está escrita com sobriedade, havendo a preocupação, nas questões mais controversas, em ouvir as partes interessadas.
Decisão Texto Integral: Acordam Supremo Tribunal de Justiça Relatório AA Também usa o nome: AA Intentou contra BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH e II, S A, Acção declarativa de condenação sob a forma ordinária Pedindo Sejam condenados a pagarem-lhe a indemnização de €457.482,20 acrescida de juros contados, desde a citação até efectivo pagamento.
Alega que em 24.12.2004 foi publicada no jornal Expresso uma notícia da autoria da 1.ª R., publicada na 1.ª página com o título “co-incineração feita em segredo” e sub-título “N....G..... autorizou cimenteira do Outão em Setúbal a co-incinerar resíduos poluentes” e também na 4.ª página com o título “co-incineração secreta “ e sub-título “ Ministério do Ambiente autorizou Secil a co-incinerar pneus e farinhas animais na Arrábida”.
A notícia e títulos contêm factos falsos, como os RR. bem sabiam, sendo inseridos no jornal com o objectivo de atingir a honra e consideração do A., lançando um clima de suspeição e desconfiança dos cidadãos em geral sobre o exercício de funções de Estado que o autor exerceu ou venha a exercer, num jornal de grande expansão nacional, notícia que foi transmitida em todos os canais de televisão com destaque e em inúmera imprensa.
O A. ficou o autor ficou chocado, triste e indignado.
Os RR. agiram dolosamente; o “Expresso” é propriedade da Ré II, a notícia em causa foi difundida em todos os canais de televisão com destaque e em inúmera imprensa escrita.
Citados, os RR.
contestaram por impugnação, referindo, designadamente, que o jornal publicou a resposta do A. à notícia e que a notícia da co-incineração tinha interesse nacional; que o A. sempre se mostrou defensor dos processos alternativos à co-incineração; que os 2.º a 6.º RR. não tiveram qualquer responsabilidade na autoria, leitura, análise, edição, titulagem, sub-titulagem, inserção, ilustração, legendagem ou ordem de publicação das notícias em causa.
O A.
replicou.
Efectuado o julgamento, foi a acção julgada improcedente, bem como a apelação, entretanto, entreposta pelo A., que agora pede revista, terminando as suas alegações com as seguintes Conclusões A. O presente recurso tem por objecto o acórdão proferido pela 7.ª Secção (Cível) do Tribunal de Relação de Lisboa (doravante, Tribunal a quo), que julgou improcedente o recurso de apelação interposto pelo Recorrente e tem por fundamento a violação de lei substantiva - in caso, o artigo 484.º do Código Civil (CC).
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A questão de direito subjacente aos autos prende-se com o instituto da responsabilidade civil, na modalidade da responsabilidade delitual - em especial, o tipo delitual previsto no artigo 484.° CC.
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Os Recorridos BB, DD e HH praticaram um fcato voluntário.
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A honra integra uma vertente pessoal/subjectiva e uma outra vertente social/objectiva.
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A matéria de facto dada como provada (n.º 60 e 61 da matéria de facto) permite concluir que a honra do Recorrente foi violada - quer na vertente pessoal/subjectiva, quer na vertente sócia/objectiva.
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O nome do Recorrente é mencionado expressamente nas notícias - inclusive, na primeira página - (n.º 16 e 17 da matéria de facto), sendo, por isso, indesmentível que é possível identificar o Recorrente e, como tal, que as notícias publicadas visavam o Recorrente.
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A argumentação da sentença proferida pela 1.ª instância e incorporada no acórdão recorrido ao abrigo do artigo 713.°, n.º 5, do Código de Processo Civil, obnubila a vertente social/objectiva da honra, embora, de acordo com a boa doutrina (PAIS DE VASCONCELOS), para que exista ilicitude, não seja necessário que as duas vertentes da honra – pessoal/subjectiva e sócial/objectiva - sejam. simultaneamente, violadas, podendo cada uma delas ser tutelada isoladamente através da responsabilidade civil.
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Ao invés do sugerido pelas instâncias, o âmbito do direito à honra não é menos intenso na esfera política do que na esfera pessoal (Gomes CANOTILHO/VITAL MOREIRA; PAIS DE VASCONCELOS).
I. Quando colida com o direito à honra., a informação e crítica políticas só serão lícitas quando sejam observados determinados limites, entre os quais a veracidade (exceptio veritatis) (Supremo Tribunal de Justiça (STJ); MENEZES CORDEIRO; L. MENEZES LEITÃO; NUNO E SOUSA).
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No caso, sub júdice, as notícias publicadas difundiram factos falsos.
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Ao contrário do preconizado pelo Tribunal a quo o parâmetro de aferição da ilicitude não é o do ''leitor atento e esclarecido") mas o do «leitor médio» ou «receptor não especializado» (SINDE MONTEIRO). L. Além de falsos, os factos difundidos são propositadamente ambíguos e) com isso, manipuladores e insinuadores, observando-se essa ambiguidade, manipulação e insinuação logo nos títulos das notícias: ''Co-incineração feita em segredo" (n.º 16 da matéria de facto); ''Co-incineração secreta” 8 (n.º 17 da matéria de facto).
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Os títulos e os textos das notícias publicadas insinuam uma ideia de um "comportamento incoerente" do Recorrente, porque "contraditório com aquilo que apregoa”, um político que afirmava uma coisa em público e fazia outra contrária secretamente e às escondidas - no fundo, de "ser um político em tudo idêntico aos outros)" (expressões extraídas de um acórdão do STJ sobre um caso análogo).
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A tutela da honra abrange os mais variados segmentos, entre os quais se encontra a reputação política (STJ; MENEZES CORDEIRO; CAPELO DE SOUSA).
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As insinuações são ilícitos que violam, de modo bastante, a honra de outrem (MENEZES CORDEIRO).
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Os Recorridos BB, DD e HH agiram culposamente - com dolo ou, pelo menos, com negligência consciente e grosseira.
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Em termos não patrimoniais, a lesão da honra traduz-se na "dor sofrida pelo ofendido com o ataque à sua dignidade pessoal, devendo o intérprete “presumi-la” (PAULA GOUVEIA DE ANDRADE).
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Ora, O Tribunal a quo, reformulando o n.º 61 da matéria de facto dada como provada deu como provado que "em consequência das notícias referidas em Q) e R), o Autor ficou chocado, triste e indignado e sentiu-se injustiçado”.
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O Recorrente sofreu danos não patrimoniais que são de qualificar como graves e merecedores da tutela do direito – como tal, indemnizáveis nos termos do artigo 496.°, n.º 1 do CC.
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Da matéria de facto dada como provada, nomeadamente os n.º 60 e 61 (“em consequência das notícias (….), resulta provado o nexo de causalidade.
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Estando preenchidos todos os pressupostos do tipo delitual previsto no artigo 484.º CC os Recorridos devem ser condenados na obrigação, solidária, de indemnizar o Recorrente - os Recorridos BB, DD e HH ao abrigo do artigo 497.° CC; a Recorrida II, S.A, com fundamento, em geral, no artigo 500.º CC e, em especial, no artigo 29.°, n.º 2, da Lei de Imprensa.
V. O acórdão recorrido violou o artigo 484. ° do C6digo Civil.
Termina, pedindo se conceda a revista, revogando-se o acórdão recorrido.
Os RR. contra alegaram para defenderem a manutenção da decisão recorrida.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
Fundamentação Matéria de facto provada: 1. O A. é Advogado, actividade que exerceu até ser nomeado Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território (al. A) da MA).
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O A. foi eleito Deputado ao Parlamento Europeu em 1994. (al. B) da MA).
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A. foi eleito e exerceu funções como Deputado à Assembleia da República com início em 1995 e 1999.(al. C) da MA).
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O A. exerceu funções como Presidente da Assembleia Municipal de Cascais no período compreendido entre 2001 e 2005. (al. D) da MA).
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O A. exerceu funções como membro eleito do Conselho Superior de Magistratura entre Junho de 2003 e Abril de 2005. (al. E) da MA).
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O A. exerceu funções de Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território desde 16 de Julho de 2004 até 12 de Março de 2005. (al. F) da MA).
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A 1ª Ré é redactora no Jornal Expresso desde o início da década de 90. (al. G) da MA).
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A 24.12.04. a R. BB era jornalista e exercia a sua actividade de jornalismo no semanário EXPRESSO. (al. H) da MA).
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A 24.12.04. o R. CC exercia as funções de Director do referido semanário. (al. I) da MA).
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A 24.12.04. o Réu DD exercia as funções de Director Adjunto do referido semanário. (al. J) da MA).
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A 24.12.04. o Réu EE exercia as funções de Sub-Director daquele mesmo semanário. (al. L) da MA).
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A 24.12.04. o R. EE, exercia as funções de Sub-Director do referido semanário. (al. M) da MA).
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A 24.12.04. o Réu GG, exercia as funções de Sub-Director do referido semanário. (al. N) da MA).
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A 24.12.04. o R. HH exercia as funções de Editor da Secção Política no mesmo semanário. (al. O) da MA).
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A R. II, S A é proprietária do semanário EXPRESSO.(al. P) da MA).
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Na 1ª página da edição do jornal EXPRESSO n.º 1678, de 24 de Dezembro de 2004, foi publicada uma notícia, da autoria da 1ª Ré, BB, com o título: “Co – incineração feita em segredo” com o subtítulo: “N....G.... autorizou cimenteira do Outão, em Setúbal, a co-incinerar resíduos poluentes.”, e com o seguinte...
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