Acórdão nº 233/19 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Abril de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução23 de Abril de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 233/2019

Processo n.º 56/2019

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. Nos autos de processo comum para julgamento por tribunal coletivo com o número 2210/12.9TASTB, da (então designada) 2.ª Secção Criminal (Almada), integrada na Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, foi proferido acórdão, em 20/09/2016, pelo qual, entre outros arguidos, A. (o ora Recorrente) foi condenado na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão, e bem assim no pagamento de indemnização ao Estado, pela prática de crimes de fraude fiscal qualificada e de branqueamento de capitais. A decisão condenatória foi depositada em 21/09/2016.

1.1. Por coarguidos (que não o referido A.) foi requerida a prorrogação do prazo para recorrer, nos termos do artigo 107.º, n.º 6, do CPP, pretensão que foi objeto de um despacho, datado de 27/09/2016, com o seguinte teor: “[f]olhas 17826: [c]onsiderando os fundamentos expostos, mostrando-se notória a especial complexidade do recurso nestes autos, defiro o requerido, prorrogando por 30 dias o prazo respetivo, de harmonia com o disposto no artigo 107.º, n.º 6, do Código de Processo Penal”.

Este despacho foi notificado ao arguido A..

1.1.1. O arguido A. interpôs recurso daquela decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa, por requerimento datado de 23/11/2016, o qual foi objeto de um despacho de não admissão em primeira instância, por ter sido apresentado extemporaneamente, constando dos respetivos fundamentos, designadamente, o seguinte:

“[…]

Estabelece o artigo 411.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo penal que «o prazo para interposição de recurso é de 30 dias e conta-se […] tratando-se de sentença, do respetivo depósito na secretaria».

E dispõe o artigo 107.º, n.º 6, do Código de Processo Penal que, «quando o procedimento se revelar de excecional complexidade […] o juiz, a requerimento do Ministério Público, do assistente, do arguido ou das partes civis, pode prorrogar os prazos previstos nos n.os 1 e 3 do artigo 411.º, até ao limite máximo de 30 dias».

O arguido/condenado não requereu a prorrogação do prazo de interposição do recurso, pelo que o requerimento apresentado não é tempestivo.

Pelo exposto, não admito o recurso interposto por A. do acórdão judicial, por extemporâneo.

[…]”.

1.1.2. Desta decisão reclamou o arguido, nos termos do artigo 405.º do Código de Processo Penal, para o senhor Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa. Da reclamação consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

[O despacho reclamado] fez uma interpretação manifestamente inconstitucional dos artigos 107.º, n.º 6, e 113.º, n.º 3, do CPP, por referência aos artigos 2.º (Estado de Direito), 20.º, n.º 4 (tutela jurisdicional efetiva), e 32.º, n.º 1 (garantias do processo criminal, incluindo o recurso) da Constituição da República Portuguesa e ao artigo 6.º (processo equitativo) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, razão pela qual deverá ser revogado e substituído por outro que receba o recurso interposto.

[…]

[Após relatar que foi concedida a outros arguidos do mesmo processo a prorrogação do prazo para alegações por 30 dias, nos termos do artigo 107.º, n.º 6, do CPP:] A jurisprudência […] admite que o benefício do prazo não se estende aos Recorrentes que não requereram a prorrogação do prazo, mas fá-lo com o argumento de que a pretensão tem um caráter pessoal […].

Ora, no presente caso, a pretensão não tem um caráter pessoal, antes decorre das características e natureza do próprio processo, que densificam o grau de dificuldade de elaboração do recurso para todos os Arguidos, e ainda mais, naturalmente, para aqueles que foram condenados a penas de prisão efetiva.

Aliás, basta atentar ao número de Arguidos, de sessões de julgamento – que decorreram todas as semanas entre janeiro e junho de 2016 –, ao número de testemunhas que aí foram interrogadas, à extensão do Acórdão, bem como à matéria do recurso apresentado, para facilmente concluir que seria impossível ao Reclamante exercer de modo efetivo o seu direito ao recurso no prazo ordinário de 30 dias.

Entender o contrário, é violar frontalmente o princípio da igualdade entre os Arguidos, uma vez que temos sujeitos processuais colocados em iguais circunstâncias a ser tratados de modo diferenciado, sem justificação bastante, bem como o princípio da igualdade de armas relativamente ao Ministério Público que, enquanto entidade que deduz e defende a acusação sempre se aproveitou da declaração de excecional complexidade do processo, beneficiando, desde logo, de prazos alargados de instrução e de duração da prisão preventiva. A exigência da igualdade de armas, enquanto componente do processo equitativo, obriga que as «partes» sejam colocadas em perfeita paridade de condições, gozando de idênticas possibilidades de obter a justiça que lhes seja devida, impedindo, quanto possível, que a igualdade jurídica seja frustrada em consequência de uma grave desigualdade de facto.

O princípio da igualdade deve, pois, ser entendido com uma intencionalidade material, no sentido de intenção de justiça: o igual deve ser tratado igualmente e o desigual, desigualmente, na medida da exata diferença. No caso concreto, o diferente tratamento dos Arguidos colocados em igual situação no processo e perante o processo, ao ser relevada uma questão meramente formal em total prejuízo ao direito ao recurso do Reclamante, viola o conteúdo material do princípio da igualdade.

Por outro lado, entender o contrário constitui ainda uma violação do princípio da proteção da confiança, visto que, perante a atitude do Ministério Público e do próprio Tribunal (de instrução e de julgamento) assumida durante todo o processo, o Reclamante fundou legitimamente a sua expectativa no facto de poder aproveitar da prorrogação do prazo concedida a outros Arguidos, sendo certo que a declaração de excecional complexidade sempre foi reconhecida e aceite, e, no momento em que o Reclamante se pretendeu aproveitar da mesma, vê totalmente impedido o exercício efetivo do seu direito de defesa constitucionalmente garantido, o direito ao recurso (cfr. artigo 32.º, n.º 1 da CRP).

[…]

Ora, também por aqui, concluímos que consubstancia uma verdadeira afronta ao princípio da confiança e aos mais básicos direitos do arguido preso, o facto de este não aproveitar da prorrogação do prazo de recurso concedida aos outros arguidos, porquanto, tendo sido criadas legítimas expectativas a esse aproveitamento pela inércia do Ministério Público (ao não cumprir o dever que lhe incumbia de liquidar a pena, remeter cópia da sentença ao TEP e consequentemente dar-se início à instrução do procedimento de concessão da liberdade condicional), o Reclamante se conformou com um regime mais gravoso – continuação em prisão preventiva – atenta a possibilidade de recorrer, que agora lhe vê retirada.

[…]

Em suma, a interpretação feita pelo tribunal recorrido, segundo a qual a prorrogação do prazo de recurso com fundamento em excecional complexidade do processo deferida ao abrigo do artigo 107.º, n.º 6, do CPP não aproveita aos arguidos não requerentes, quando o tribunal (lato sensu) sempre se aproveitou de tal declaração de complexidade e agiu, no prazo de recurso, como se a decisão não tivesse transitado em julgado no terminus do prazo ordinário constante do artigo 411.º, n.º 1, do CPP viola os princípios da segurança e da proteção da confiança, como elementos constitutivos do artigo 2.º da CRP (Estado de Direito).

[…]

[O]s artigos 287.º, n.º 6, e 315.º, n.º 1, do CPP devem ser aplicados analogicamente, perante o caso omisso (não previsto) de possibilidade de aproveitamento dos prazos que terminarem em último lugar quando se trata de recorrer. Ou seja, deve entender-se, por se tratar de analogia permitida, que o disposto no artigo 113.º, n.º 3, é aplicável também aos prazos constantes do artigo 411.º do CPP, apesar de a norma o não prever expressamente, uma vez que entendimento contrário viola o artigo 6.º, n.º 3, alínea b), da CEDH e o artigo 32.º, n.º 1, da CRP.

[…]

No que diz respeito à previsão da própria restrição pela Constituição, resulta, desde logo, do artigo 32.º, n.º 1, que as garantias de defesa, nelas se incluindo o recurso, são as previstas no “processo criminal”, isto é, a Lei fundamental remete para a lei ordinária a delimitação do âmbito do direito. Resulta assim, que o direito ao recurso deve, em regra, ser exercido no prazo de 30 dias (artigo 411.º do CPP), podendo tal prazo ser prorrogado nos casos do artigo 107.º do CPP, e observando a contagem dos prazos as regras constantes do artigo 113.º. É pois, no âmbito destes normativos que se irá buscar o prazo para o exercício do direito ao recurso, que assim fica objetivamente delimitado.

[…]

No caso concreto, atenta a proteção da confiança legítima do Reclamante em que o seu prazo de recurso seria também, conforme concedido a outros arguidos, de 60 dias, a não admissão posterior do recurso com base num argumento meramente formal (porque não requereu), para além de violar as vertentes de segurança e proteção de confiança ínsitas no Estado de Direito, bem como as regras decorrentes do processo equitativo, nomeadamente a igualdade material das partes, a igualdade de armas e o direito à apresentação de defesa num prazo razoável, viola o direito ao recurso plasmado no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, porquanto o restringe sem que tal seja necessário e/ou adequado para a defesa de qualquer outro direito ou interesse constitucionalmente garantido, de uma forma desrazoável que aniquila in totum o direito ao recurso.

[…]” (sublinhados acrescentados).

1.1.3. Pela Exma. Desembargadora Vice-Presidente do...

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