Acórdão nº 240/19 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Abril de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Maria Clara Sottomayor
Data da Resolução23 de Abril de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 240/2019

Processo n.º 994/18

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria Clara Sottomayor

Acordam, em Confer ência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I – Relatório

1. Nos presentes autos foi proferida a Decisão Sumária n.º 916/2018, que não admitiu o recurso, de fiscalização concreta da constitucionalidade, apresentado pelo Recorrente A., contra o Tribunal da Relação do Porto que o condenou na pena de 3 anos de prisão, pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada (fls. 3336 a 3342).

Para tanto, considerou a sobredita Decisão Sumária que não se mostrava verificado o requisito da natureza normativa do objeto de recurso, em relação a uma das supostas questões de constitucionalidade e, por outro lado, em relação a outras duas questões, a norma pretensamente impugnada não constituiu o fundamento efetivo da decisão recorrida:

«(…)

São as seguintes as pretensas três questões de constitucionalidade enunciadas nos dois requerimentos de recurso:

1. Não se encontram preenchidos os pressupostos da prova indiciária, com a extensão e nos termos constantes do acórdão recorrido, o que se encontra em manifesta contraditoriedade com o princípio da presunção de inocência do arguido (32º/2 CRP) e da estrutura acusatória do modelo de processo penal português (32º/3).

Assim, a interpretação do artigo 127º do CPP no sentido em que a prova indiciária, em abstrato, é suficiente para afastar a presunção de inocência do arguido é inconstitucional por violação do artigo 32º n.º 2 da CRP.

2. O Mmo. Tribunal valorou, para efeitos de decisão quanto à suspensão da execução da pena, o silêncio do arguido durante a audiência de discussão e julgamento, concluindo que "[o arguido] optou por não comparecer em sede de audiência, não se podendo assim descortinar qualquer arrependimento relativamente às respetivas condutas em apreço.

Assim, a interpretação do artigo 61º/1, d) do CPP, no sentido em que o silêncio que o arguido exerce é valorado como impedimento da suspensão da execução da pena é inconstitucional por violação do artigo 32º/2 CRP .

3. O Mmo. Tribunal valorou, para efeitos de apreciação da decido quanto à suspensão da execução da pena, conclusões plasmadas no relatório social, lavrado por funcionário da Direção Geral de Reinserção Social, quanto ao posicionamento do arguido perante a acusação que lhe foi imputada, militando-as em prejuízo do arguido, o qual se remeteu, durante a audiência de discussão e julgamento, ao silêncio, no exercício do direito que lhe é constitucionalmente reconhecido, nos termos do artigo 61º/1, d) CPP e 32º/2 CRP.

A interpretação do artigo 61º/1, d) do CPP, no sentido em que a valoração das declarações prestadas pelo arguido, plasmadas no relatório do DGRS é inconstitucional por violação do 32º/2 CRP.

No que respeita à primeira questão de constitucionalidade, é manifesto que a mesma se acha desprovida da necessária e imprescindível normatividade, dado que o recorrente dirige a sua censura à decisão propriamente dita, à ponderação casuística realizada em juízo e às idiossincrasias, próprias e irrepetíveis, da dinâmica do caso concreto. Ora, o arquétipo constitucional português, embora admitindo que o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade possa incidir, quer sobre normas, quer sobre interpretações normativas, circunscreve-se sempre a conteúdos normativos, não sendo o processo constitucional um “contencioso de decisões”. Consequentemente, não pode este Tribunal sindicar o ato de julgamento ou a decisão, estando-lhe vedado o controlo das operações subsuntivas realizadas pelo julgador a quo (cf. os Acórdãos deste Tribunal Constitucional n.ºs 303/02, 633/08, 381/2000).

Relativamente à segunda e terceira pretensas questões de constitucionalidade – 2.º) «(…)o silêncio que o arguido exerce é valorado como impedimento da suspensão da execução da pena e 3.ª) «(…) para efeitos de apreciação da suspensão da execução da pena, são valoradas as conclusões plasmadas no relatório social, lavrado por funcionário da Direção Geral de Reinserção Social, quanto ao posicionamento do arguido perante a acusação que lhe foi imputada, militando-as em prejuízo do arguido, o qual se remeteu, durante a audiência de discussão e julgamento, ao silêncio» – não se encontra verificado o requisito que demanda a efetiva aplicação, como ratio decidendi, pelo tribunal a quo, da interpretação normativa cuja constitucionalidade vem questionada pelo recorrente.

Na verdade, sendo pacífico na jurisprudência constitucional que o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade pode incidir, quer sobre normas, quer sobre interpretações normativas, nos casos em que o Recorrente põe em crise uma certa interpretação normativa é indispensável que haja, efetiva e estrita coincidência entre a dimensão normativa especificada pelo recorrente, no requerimento de recurso, como padecendo de inconstitucionalidade e a interpretação que o Tribunal fez ao julgar o caso e que aplicou como fundamento efetivo da decisão.

Ora, quanto à segunda questão – alegada valoração do exercício do direito ao silêncio como fator impeditivo da suspensão da pena – a mesma não constituiu o fundamento a decisão recorrida.

Verdadeiramente, o aresto do Tribunal da Relação do Porto concatenou, tal como determinado pelo artigo 50.º do Código Penal, uma pluralidade de fundamentos para fundar o juízo de não suspensão da execução da pena de prisão. Em lado algum do aresto é dito, de forma expressa ou implícita, que o exercício do direito ao silêncio impediu um juízo de prognose favorável. Ao contrário, o que consta do citado acórdão é que o arguido optou por não comparecer em julgamento (e por conseguinte, não foi possível retirar das suas declarações qualquer juízo de autocensura quanto aos factos que lhe eram imputados), o que é deveras distinto de estar presente na audiência de julgamento, recusando-se, legitimamente, a prestar declarações quanto aos factos descritos no libelo acusatório (fls. 3215, 3216, 3217 e 3219):

«Desçamos ao caso concreto.

O arguido encontra-se social, familiar e profissionalmente inserido, mesmo aquando dos crimes praticados. Importa no entanto salientar como espelhado no relatório social e fundamentação de facto que o arguido se posiciona quanto ao objeto dos autos como vítima (…).

Optou por não comparecer em sede de audiência, não se podendo assim descortinar qualquer arrependimento relativamente às respetivas condutas em apreço que o respetivo relatório social nos termos expostos frontalmente contrario (o arguido não só não está arrependido como se vitima, reitera-se),

A situação de vida do arguido à data não difere muito da atual, posto que já então contava com o apoio da mulher, apresentando postura social aparentemente adequada, como no geral os agentes comprometidos com factos idênticos.

(…)

Posto isto infere-se dos factos provados e atrás expostos que ao arguido A. diz respeito que a reincidência, nem de perto nem de longe se mostra afastada com a simples ameaça de prisão. Mais, os factos provados a este nível permitem só por si concluir por uma personalidade pouco sensível aos valores protegidos pelas normas penais em causa e avessa às respetivas sanções. Pelo que tais qualidades desvaliosas da personalidade reveladas pelo arguido A. não permitem um juízo de prognose favorável quanto à sua capacidade para não voltar a delinquir e, por conseguinte, não pode haver “esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda”.

Acrescem, as fortes exigências de prevenção geral, numa década marcada pela crise (social em particular do Estado), pelos sacrifícios impostos ao cidadão comum e que cumpre os seus deveres fiscais e perante os quais as condutas como a dos autos provocam inequívoca revolta. Pelo...

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