Acórdão nº 258/14.8TJPRT-J.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Abril de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA CRISTINA CERDEIRA
Data da Resolução09 de Abril de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO A. F.

e M. J.

instauraram a presente acção de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente do repúdio da herança e da habilitação de herdeiros, nos termos do artº. 125º do CIRE, contra a Massa Insolvente de M. A.

e mulher A. H.

, representada pelo Administrador de Insolvência, pedindo que: a) seja declarado que a comunicação do Sr. Administrador de Insolvência, quanto à pretensão de resolução do acto de repúdio da herança e da habilitação dos AA. como herdeiros da falecida E. R. (mãe do insolvente marido e avó dos Autores), é nula e de nenhum efeito; b) ou caso assim não se entenda, seja revogada a declaração de resolução em benefício da massa e, em consequência, mantido válido e eficaz o repúdio da herança e a habilitação de herdeiros a favor dos Autores.

Para tanto, invocam, em síntese, a ineficácia da notificação da resolução em benefício da massa insolvente do repúdio da herança aberta por óbito de E. R., feito pelo insolvente M. A. a favor dos AA. e da habilitação destes como herdeiros, em representação do pai M. A., por não cumprir os pressupostos legalmente previstos, nomeadamente, porque da notificação efectuada não resulta que o referido acto dos insolventes (repúdio da herança) coloca em perigo a satisfação dos credores, já que não se identificam quaisquer bens que integrem a mencionada herança e respectivos valores, sendo a declaração de resolução ambígua e deficiente, padecendo de concretização ou motivação, tornando-se, por isso, injustificada.

Relativamente à ineficácia do repúdio da herança invocada na declaração de resolução, alegam que, apesar de filhos dos insolventes, desconheciam por completo a situação económica de seus pais e que estes haviam sido declarados insolventes, porquanto os mesmos jamais relataram aos AA. que tinha sido requerida a sua insolvência ou que a mesma havia sido declarada judicialmente.

Acrescentam que o acto de repúdio da herança praticado pelos insolventes visou apenas respeitar a vontade da falecida E. R., já que esta sempre teve intenção de deixar metade dos seus bens aos aqui AA., seus netos, como reconhecimento por tudo quanto estes fizeram por ela. Os bens da herança de E. R. jamais integraram o conjunto de bens da massa insolvente e sujeitos à administração do Administrador de Insolvência (doravante AI), nem os insolventes alguma vez tiveram poderes de administração sobre os mesmos, sendo o repúdio da herança aberta por óbito de E. R. efectuado pelo insolvente M. A. perfeitamente válido e eficaz.

No tocante à nulidade do repúdio por simulação invocada na declaração de resolução, alegam que a massa insolvente, representada pelo AI, carecia de legitimidade para arguir a simulação e, ao contrário do referido na declaração de resolução, com o acto de repúdio não se visou enganar ou prejudicar terceiros, nomeadamente os credores dos insolventes, não tendo existido qualquer divergência entre o declarado e a vontade das partes, nem conluio entre os insolventes e os aqui AA., uma vez que estes desconheciam a situação de insolvência dos seus pais, tendo o repúdio da herança visado unicamente cumprir a vontade da falecida E. R..

Em relação à resolução em benefício da massa insolvente nos termos do artº. 121º, nº. 1, al. b) do CIRE, referem que o repúdio da herança foi celebrado a 18/03/2015, ou seja, 9 meses depois da declaração de insolvência, destinando-se tal acto a cumprir a vontade da autora da herança como contrapartida ou forma de reconhecimento pela atenção e cuidados que lhe foram prestados pelos Autores. Não se tratou de nenhum acto prejudicial à massa insolvente, sendo que da declaração de resolução não resulta a indicação de qualquer prejuízo ou a sua quantificação, para se aferir do “quantum” do prejuízo invocado.

No que concerne à resolução em benefício da massa insolvente ao abrigo do disposto no artº. 120º do CIRE, alegam os AA. que nem eles, nem os insolventes, agiram de má fé no acto de repúdio da herança, reiterando a argumentação supra referida. Acrescentam que a declaração de resolução é omissa quanto à identificação dos bens que integram a herança objecto de repúdio e respectivo valor, sendo meramente conclusiva a invocada referência de que o acto de repúdio diminui a garantia geral dos credores e consubstancia um acto prejudicial à massa, além de que, da mencionada declaração de resolução, bem como dos presentes autos, não se extrai qual o valor real das dívidas vencidas da responsabilidade dos insolventes, nem o valor real dos bens apreendidos, referindo, ainda, que a declaração de resolução é omissa no tocante à inexistência de outros bens no património dos insolventes ou quanto à sua insuficiência para garantir o pagamento dos créditos reconhecidos.

Por outro lado, pese embora os AA. integrem a lista de “pessoas especialmente relacionadas com o devedor” (artº. 120°, n°. 4 do CIRE) e, por isso, se presuma a sua má fé, esta presunção é ilidível, porquanto desconheciam e não estavam em condições de saber da situação de insolvência dos seus pais, pelo que estando os AA. de boa fé não pode operar contra si a resolução comunicada pelo AI, nos termos do artº. 120º do CIRE, devendo ser declarado válido o repúdio da herança e a habilitação dos AA. como herdeiros, nos seus precisos termos e fundamentos, por não ser prejudicial à Ré, uma vez que, não diminuiu, nem frustrou a satisfação dos credores da insolvência.

A Ré veio apresentar contestação, na qual defende a validade e eficácia da resolução efectuada pelo Administrador da Insolvência, alegando, em síntese, que: - O repúdio da herança aberta por óbito de E. R., por parte do insolvente M. A. a favor dos seus filhos, ocorreu sem qualquer contrapartida ou mais-valia para aquele, sendo, pois, um negócio gratuito; - Apesar de M. A. e mulher A. H. saberem que já se encontravam insolventes, não se inibiram de outorgar a escritura na qual o insolvente marido repudiou a herança de que era titular, com o consentimento da sua mulher, sem ter dado conhecimento ou solicitado autorização ao AI nomeado; - A M. E., cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de E. R. e que outorgou a escritura de habilitação de herdeiros a favor dos AA., é irmã do insolvente M. A. e, pela relação familiar e de proximidade, tinha pleno conhecimento de que aquele e sua mulher já se encontravam insolventes à data do repúdio da herança pertença de ambos na qualidade de filhos da falecida; - Os AA. são filhos dos insolventes, pelo que não podiam ignorar - como não ignoram - que os seus pais M. A. e A. H., à data do repúdio da referida herança, já haviam sido declarados insolventes; - O insolvente M. A. já não possuía a administração dos bens que integravam a herança, uma vez que estes, bem como todos os bens que lhe pertenciam, passaram a estar na disposição do AI, após ter sido proferida sentença de declaração de insolvência, pelo que o aludido repúdio da herança aberta por óbito de E. R. é ineficaz, não produzindo, pois, quaisquer efeitos, sendo igualmente nula ou mesmo ineficaz a escritura de habilitação de herdeiros promovida pela cabeça-de-casal; - Em 29/07/2015 o AI, quando tomou conhecimento do repúdio da mencionada herança operado pelo insolvente M. A., enviou carta registada com aviso de recepção aos insolventes, aos seus filhos A. F. e M. J. e a M. E. a comunicar a ineficácia do negócio e a apreensão da meação dos bens que integram a referida herança, tendo advertido aqueles de que não podiam dispor de tais bens; - O repúdio da herança e a habilitação de herdeiros supra mencionadas são nulas por serem simuladas, uma vez que os intervenientes agiram concertadamente com o intuito de enganar e prejudicar os credores dos insolventes, fazendo com que os bens da herança não integrassem o património da massa insolvente, sendo certo que o insolvente M. A. não quis abdicar da herança aberta por óbito da sua mãe E. R.

, apenas pretendendo salvaguardar tal património e impedir que o mesmo fosse apreendido para a massa insolvente, os filhos dos insolventes A. F. e M. J. também não quiseram, em representação do pai, aceitar tal herança e M. E. ao outorgar, na qualidade de cabeça-de-casal, a referida escritura de habilitação de herdeiros a favor dos filhos dos insolventes, apenas visou auxiliar o seu irmão e cunhada a dissipar o património subtraindo-o à massa insolvente; - O repúdio da herança sempre seria prejudicial à massa insolvente, porquanto é um acto gratuito, praticado unicamente com o intuito de dificultar o exercício dos direitos dos credores, pelo que é um acto passível de ser resolvido incondicionalmente em benefício da massa insolvente, nos termos do artº. 121º, nº. 1, al. b) conjugado com os artºs 120°, n.° 3 e 123º todos do CIRE; - Foram apreendidos bens para a massa insolvente que, de acordo com o auto de arrolamento e apreensão, têm o valor global de € 386.341,19, sendo insuficientes para a liquidação das dívidas vencidas, porquanto em sede de reclamação de créditos no âmbito da insolvência, foram reclamados créditos no montante global de € 8.368.737,23; - Os intervenientes no repúdio da herança e na habilitação de herdeiros supra identificados agiram com má fé, pois bem sabiam e não podiam ignorar que esses actos prejudicariam os credores dos insolventes, sendo, por isso, os mesmos passíveis de serem resolvidos em benefício da massa insolvente, nos termos dos artºs 120°, nºs 1, 2, 4 e 5 e 123º do CIRE.

Conclui, pugnando pela improcedência da acção, considerando-se totalmente válida e eficaz a resolução do negócio em causa nos presentes autos.

Após realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador em 23/06/2016, tendo o Tribunal “a quo” entendido que o estado do processo permitia, sem necessidade de mais provas, conhecer imediatamente do mérito da causa, pelo que foi proferida sentença que julgou improcedente a presente acção e, em consequência, absolveu a Ré dos pedidos formulados pelos Autores.

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