Acórdão nº 6/17.0JDLSB.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 02 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelALMEIDA CABRAL
Data da Resolução02 de Maio de 2019
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência (art.º 419.º, n.º 3, al. c), do C.P.P.), os Juízes da 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: 1 – No Juízo Central de Cascais, Juiz 1, Processo Comum Colectivo n.º 6/17.0JDLSB, onde é arguido/recorrente AA…, foi este julgado e condenado, como autor de 19 crimes de abuso sexual de criança, previstos e punidos nos termos do artigo 171.º, n.º 2 do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão por cada um deles; como autor de 1 crime de acto sexual com adolescente, previsto e punido nos termos do artigo 173.º, n.º 2 do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; como autor de 1 crime de acto sexual com adolescente, previsto e punido nos termos do artigo 173.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão.

Em cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena única de 11 (onze) anos de prisão.

Na total procedência do pedido de indemnização civil formulado, foi o arguido, ainda, condenado a indemnizar a menor BB.., por danos não patrimoniais, no montante de 10.000,00 €uros. Não conformado com a referida decisão, da mesma interpôs o arguido o presente recurso, o qual sustentou no incorrecto julgamento da matéria de facto, com verificação do vício previsto no art.º 410.º, n.º 2, al. c) do C.P.P. e violação do P.º in dubio pro reo, no incorrecto enquadramento jurídico dos factos, subsumíveis, na sua perspectiva, na figura do crime de “trato sucessivo”, nas desajustadas, por excessivas, medidas das respectivas penas parcelares, na nulidade do acórdão por omissão de fundamentação relativamente ao cúmulo jurídico efectuado e no erro na fixação do montante indemnizatório arbitrado.

Da motivação do recurso extraiu as seguintes conclusões: “(...) 1.ª O Aresto judicial recorrido condena o Arguido pela prática, em autoria material, na forma consumada, de (i) 19 (dezanove) crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo art.º 171º n.º 2 CPenal, na pena cada um deles, de 04 (quatro) anos de prisão; (ii) de 01 (um) crime de actos sexuais com adolescente, p. e p. pelo art.º 173º n.º 2 CPenal, na pena de 01 (um) ano e 06 (seis) meses de prisão; (iii) de 01 (um) crime de actos sexuais com adolescente, p. e p. pelo art.º 173º n.º 1 CPenal, na pena de 01 (um) ano de prisão; (iv) e, em cúmulo jurídico, na pena única de 11 (onze) anos de prisão; (v) bem como assim na condenação no pagamento à menor o montante de €10.000,00 (dez mil euros), a título de compensação por danos morais, acrescidos de juros vencidos desde a notificação para contestar e vincendos até integral pagamento, à taxa legal em vigor.

  1. Em face da prova carreada para os autos e da prova produzida em julgamento, impõe-se flagrantemente decisão diversa porquanto se constata: A) - Que foram incorrectamente julgados os factos que o Tribunal a quo julgou como provados, impondo-se decisão diferente quanto à matéria de facto, através da reapreciação da prova, nos termos do art.º 412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP, porquanto se verifica a violação, além do mais, do art.º 127.º CPP, bem como do princípio in dubio pro reo na vertente objectiva; B) - Que se verifica vício no texto do Acórdão recorrido, nos termos do art.º 410.º, n.º 2 CPP, por valoração errónea da prova pericial (art.º 163.º CPP) cujo juízo estava subtraído à apreciação do Tribunal a quo, atribuindo este, ao invés, valor de prova pericial a elemento de prova diverso da perícia (fls. 64 e segs.); C) - Vício por não enquadramento da realização do crime de abuso sexual de criança (art.º 171.º n.º 2 CPenal), no âmbito do crime de trato sucessivo, em razão da falta de prova bastante para julgar-se provada a realização plúrima e autónoma do crime no número exacto de 19 vezes (posição por que também pugnou o Ministério Público em sede de alegações, que entendeu verificar-se apenas um crime de abuso sexual de criança do art.º 171.º, n.º 2 CPenal); D) - Que foi incorrectamente determinada a medida concreta de cada pena parcelar, em violação dos art.º 40.º, 70.º e 71.º CPenal; E) - Nulidade do Acórdão recorrido por omissão de fundamentação quando à fixação do cúmulo das penas parcelares em concurso, violando os art.ºs 77.º CPenal, e 374.º n.º 2, 379.º n.º 1, al. a), 97.º n.º 5, todos do CPP; F) - Quantum indemnizatório por danos não patrimoniais desproporcional e consequente violação dos art.ºs 129.º CPenal, 483.º e 563.º CCivil.

  2. Entendeu o Tribunal a quo dar como provado, de entre outros factos, os constantes dos pontos 8, 9, 10, 11, 12, 13, 15, 16, 17, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32 e 33.

  3. No que tange ao crime (um crime) de actos sexuais com adolescente (art.º 173.º, n.º 1 CPenal) por referência às alegadas mensagens de telemóvel que o Arguido teria enviado à menor, com vídeos de teor pornográfico, o Tribunal a quo aprecia erroneamente a prova pericial constante dos autos a fls. 558 a 563.

  4. A prova pericial de fls. 558 a 563 é única nos autos, e em parte alguma se reporta à propriedade dos equipamentos electrónicos, mas unicamente ao conteúdo dos mesmos (2 telemóveis e 1 pen-drive), remetidos pelas autoridades espanholas às congéneres portuguesas, porquanto se encontravam no interior do veículo pesado de mercadorias que é propriedade de uma empresa espanhola e que era conduzido pelo Arguido.

  5. O Arguido é motorista profissional de veículos pesados de mercadorias, e a execução do mandado de detenção europeu concretizou-se quando e no momento em que aquele trabalhava como motorista – cfr. fls. 200 e segs., 219, 227, 237, 302 dos autos.

  6. Os ditos equipamentos foram apreendidos unicamente por se encontrarem no interior de um veículo profissional da empresa espanhola para a qual o Arguido exercia as suas funções, que também era utilizado por mais motoristas, e que não era, portanto, exclusivo do Arguido (que também conduzia outros veículos da mesma empresa).

  7. Indicam-se como concretos meios de prova para o necessário efeito para dar como NÃO PROVADOS os factos dos pontos 22, 23, 32 e 33, os seguintes: - Depoimento da testemunha CC… (acta de 13NOV2018 pelas 14h00 com a ref.ª 116088326 – gravação digital de 15:07:17 a 15:51:52 – com particular destaque para os períodos de 00:36:56 a 00:31:50 – transcrição literal supra); - Expediente de fls. 200 e segs., 219, 227, 237, 302 dos autos; - Expediente de fls. 560.

  8. Ou seja, não resulta que fossem do Arguido os telemóveis e pen-drive que se encontravam no interior do veículo pertença da empresa espanhola para a qual o Arguido trabalhava, Como também é certo que os ditos equipamentos nada de interesse continham para os presentes autos (vídeo, imagem de cariz pornográfico, ou comunicações com a menor), inexistindo qualquer ligação dos alegados factos ao Arguido, como tendo sido quem teria/terá enviado vídeos de cariz pornográfico à menor.

  9. O Tribunal a quo lavra em erro notório ao atribuir fé e valor probatório como se de perícia se tratasse, ao expediente constante de fls. 64 e segs.

  10. A única perícia é a de fls. 562 dos autos, não existindo qualquer perícia pelos peritos da UTI da PJ relativamente a vídeos no whatsapp ou mensagens do equipamento electrónico mencionado a fls. 64 e segs. dos autos, como sendo o telemóvel da menor.

  11. Em reforço, indicam-se ainda como concretos meios de prova para infirmar o deliberado no Acórdão recorrido, os seguintes: - Depoimento do Perito Dr. CC… (acta de 13NOV2018 pelas 09h30 com a ref.ª 116088298 – gravação digital de 11:46:38 a 11:57:21 – com particular destaque para os períodos de 00:02:21 a 00:04:44 00:06:06 a 00:09:34 – transcrição literal supra); - Depoimento da Perita Dra. EE, em sede de audiência de discussão e julgamento (acta de 13NOV2018 pelas 09h30 com a ref.ª 116088298 – gravação digital de 11:57:22 a 12:05:23 – com particular destaque para os períodos 00:03:29 a 00:06:27 – transcrição literal supra).

  12. Ou seja, os peritos em questão não periciaram o telemóvel e seu conteúdo, que se faz constar de fls. 64 e segs dos autos, mais afirmando que não podem aferir da fidedignidade, fiabilidade e segurança de tais elementos extraídos e documentados, mas tão somente dos procedimentos que eles, peritos, possuem e usaram na perícia de fls. 562 dos autos.

  13. Assim, não resulta valor pericial ao teor de fls. 64 e segs. dos autos, como pressupõe o Tribunal a quo.

  14. Está irremediavelmente comprometida a conclusão do Tribunal a quo exarada no Acórdão recorrido, de que: i) os telemóveis e a pen-drive que estavam no interior do veículo da empresa espanhola eram pertença do Arguido; ii) que o telemóvel da menor tenha sido objecto de perícia pela UTI da PJ; iii) que o teor das mensagens e vídeos constantes de fls. 64 e segs. não tenham sido alterados e adulterados, uma vez que a UTI os não examinou e também, desconhece os modos e meios como foram extraídas tais informações; iv) que tais vídeos e mensagens, que não se sabe se foram alterados e adulterados, tenham sido remetidas pelo Arguido, e que além do mais, se destinassem à menor.

  15. Sobre o teor de fls. 64 e segs., de referir que os metadados aí mencionados (data, hora, n.ºs de telemóvel associados, locais, et cetera) não validam nem são coerentes com a versão apresentada pela mãe da menor, testemunha FF (acta de 13NOV2018 pelas 09h30 com a ref.ª 116088298 – gravação digital de 10:37:19 a 11:31:29 – com particular destaque para os períodos de 00:03:26 a 00:04:35 e 00:41:58 a 00:42:36 – transcrição literal supra).

  16. Ou seja a testemunha FF afirma que em 24DEZEMBRO2016 falou com a menor e viu os vídeos e mensagens que o Arguido teria enviado para o telemóvel da menor; que, depois dessa data, não mais voltou a falar com o Arguido, de igual forma sucedendo com a menor.

  17. Mas o que resulta de fls. 102 e segs. dos autos é que as ditas comunicações/mensagens estão datadas de 29 DEZEMBRO 2016 e 31 DEZEMBRO 2016, pelo que, não era possível que tivessem sido lidas em 24 DEZEMBRO 2016.

  18. Assim, o Tribunal a quo lavra em vício quando confere valor de prova pericial ao expediente constante de fls. 64 e seguintes...

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