Acórdão nº 692/11.5TBVNO.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Abril de 2019
Magistrado Responsável | MARIA JOÃO VAZ TOMÉ |
Data da Resolução | 09 de Abril de 2019 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório A Diocese de AA e a BB (doravante BB) propuseram ação declarativa contra a CC, alegando, em síntese, o seguinte: - que a BB é uma Associação Pública de Fiéis, ereta canonicamente por Decreto de 2 de março de 1959, emitido pelo então Bispo ..., D. DD, tendo sido depois feita comunicação de participação de ereção ao Governador Civil de ... e registada na Secretaria do Governo Civil de ... sob o n.º 181, a 6 de março de 1959; - que esta associação se reveste de natureza pública e prossegue fins religiosos; - que, a 18 de outubro de 2005, Dom EE, então Bispo da Diocese de AA emitiu um documento no qual declarou, inter alia, a existência de personalidade jurídica no foro canónico e civil da Superiora da BB e indicou os seus poderes para a prática de atos necessários à constituição de uma fundação de natureza social e afetação de património, assim como para conferir os mesmos poderes a FF, na qualidade de procurador da BB; - que, a 19 de outubro de 2005, a Irmã GG, considerando-se superiora Geral da BB, outorgou procuração notarial a favor de seu sobrinho FF, conferindo-lhe poderes para a constituição de uma fundação de natureza social, com fins meramente civis, bem como poderes para administrar e alienar bens; - que, no uso dessa mesma procuração, FF constituiu, a 22 de junho de 2006, mediante escritura pública, a CC, à qual afetou todo o património eclesiástico da BB, nomeadamente bens imóveis que identifica e respetivo recheio, assim como a quantia de € 150.000,00, tudo no valor global de € 285.588,8l; - que não tendo essa fundação existência canónica e não prosseguindo os mesmos fins religiosos da BB, de um lado e, de outro, sendo os referidos bens eclesiásticos, a sua transmissão para fins não religiosos carece de autorização da entidade competente, in casu, o Bispo AA, sujeita a audição e parecer vinculativo do Conselho para os Assuntos Económicos e do Colégio dos Consultores; - que a credencial, supra mencionada, emitida a 18 de outubro de 2005, apesar de consentir na transmissão de bens eclesiásticos para fins não religiosos, não foi, todavia, precedida daquela audição e parecer vinculativo e, por isso, encontra-se ferida de nulidade. Por consequência, são também nulos os atos praticados com base nessa credencial, designadamente a procuração outorgada a 19 de outubro de 2005 e subsequente escritura de instituição da CC.
Concluindo pela procedência da ação, pedem: 1 - Seja declarada nula ou ineficaz a credencial de 18 de outubro de 2005 e, em consequência, a nulidade da pública forma da procuração da superiora geral de 19 de outubro de 2005, conferida com base nessa credencial.
2 - Seja declarada nula a escritura pública outorgada a 22 de junho de 2006 em que instituiu uma fundação de solidariedade social que denominou de "CC", a que foram afetos os prédios indicados.
3 - Seja declarada a nulidade dos respetivos atos de registo e cancelamento correspondentes às respetivas apresentações.
Na sua contestação, a CC invocou a ilegitimidade da Diocese de AA por a mesma não ter interesse direto em demandar, suscitou a questão de falta de poderes de representação da BB, por não se mostrar junta procuração, impugnou os factos e aflorou a eventual caducidade do direito de arguir de anulabilidade por omissão de formalidades no procedimento de autorização por parte da BB para a transmissão de bens.
Conclui pela procedência das exceções e pela absolvição da R da instância, ou pela improcedência da ação por não provada e consequente absolvição da R dos pedidos.
As AA responderam, pugnando pela não verificação das exceções, porquanto a BB é uma associação pública de fiéis e se encontra regularmente representada. Acresce que o vício de omissão de formalidades fere o ato de nulidade e não de mera anulabilidade e, por conseguinte, a sua invocação não está sujeita a prazo de caducidade.
No saneador-sentença, de 2 de setembro de 2013, a ação foi julgada improcedente e a R absolvida do pedido.
Inconformadas, as AA recorreram da sentença.
Por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20 de maio de 2014, foi a decisão anulada pela insuficiência de factos provados para conhecer do mérito da ação em sede de despacho saneador, remetendo-se os autos para o respetivo prosseguimento.
O Tribunal da Relação de Coimbra entendeu que: “Os tribunais eclesiásticos são os competentes em razão da matéria para determinar a natureza canónica de uma associação de fiéis como pública ou privada. Tal não significa, contudo, que o tribunal a quo seja incompetente para, em concreto, fazer tal apreciação nestes autos, na medida em que a avaliação e qualificação da natureza canónica da BB como pública ou privada, surge como questão necessária relativamente à decisão da causa. Por força da extensão da competência estabelecida no art. 91.º nº 1 do C.P.C. para o conhecimento dos incidentes e das questões que o réu suscite como meio de defesa, o tribunal sendo competente para a acção, tem competência para apreciar e decidir da natureza canónica da BB em divergência nos autos, ainda que, por força do nº 2 da norma mencionada a decisão proferida neste processo não constitua caso julgado fora do mesmo. Para se determinar a natureza jurídico-canónica de uma associação de fiéis, enquanto pública ou privada temos de socorrer-nos do que dispõe para o efeito o Código de Direito Canónico, já que é o mesmo que estabelece as regras necessárias a considerar. Para a distinção entre associação pública e privada de fiéis, é fundamental considerar a forma de constituição da associação de fiéis, bem como os fins prosseguidos pela mesma e forma como são prosseguidos- em nome da Igreja ou em nome próprio”.
De novo na 1ª instância, por despacho foi dispensada a realização de audiência prévia. No despacho saneador decidiu-se pela legitimidade de ambas as AA e fixou-se o objeto do litígio, com enunciação dos temas de prova, que não foram objeto de reclamação.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento.
A 5 de dezembro de 2016, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e, em consequência, absolveu a R dos pedidos.
Inconformadas com a sentença, as AA interpuseram recurso da mesma, apresentando as seguintes as conclusões do recurso (transcrição): ”1º Entende a ora recorrente que da prova produzida nos presentes autos, vista no seu conjunto e pelo que resultou do depoimento da testemunha Padre HH, resultou demonstrada mais fatualidade que deveria ter sido dada como provada e que se enquadra nos temas de prova 1º, 2º, 3º e 4º, sendo que a este respeito a douta decisão dos pontos 1º a 24º dos fatos provados corresponde a uma mera reprodução de documentos sem devido enquadramento fatual, com outros fatos resultantes do sobredito depoimento gravado, sobre como foi praticado o que consta nesses documentos, ordem cronológica e motivação subjacente à produção dos documentos que são espelhados nos ditos pontos. 2º Para além disso do dito depoimento da testemunha Padre HH resultaram igualmente provados outros fatos que não têm diretamente a ver com os documentos a que se referem os pontos 1º a 24º dos fatos provados mas que relevam e são essenciais para os temas de prova 1º, 2º, 3º e 4º, os quais, por erro na apreciação da prova gravada a Mma Sra Juiz a quo desconsiderou decidindo nada mais ter sido provado além da matéria que consta dos pontos 1º a 28º dos fatos provados. 3º Em concreto, os meios probatórios que se evocam como fundamento no erro notório na apreciação da prova e do incorreto julgamento da matéria de fato (mais concretamente os fatos não considerados na douta decisão recorrida), cuja reapreciação se requer constam no depoimento gravado e acima transcrito da testemunha HH que ficou registado no sistema digital de gravação integrado H@bilus Média Studio no nº 00:00:00 a 01:10:56 no período das 10:05:46 horas às 11:16:59 horas na audiência de julgamento do dia 21/09/2015. 4º Em face do depoimento supra e após a reapreciação da prova gravada por V. Exmas. Venerandos Desembargadores, que para o efeito se requer, deverá ser alterada a decisão sobre a matéria de fato e, nos termos do disposto no art. 662º nº 1 do CPC, serem julgados como provados os seguintes factos: 1º O decreto formal de ereção da BB foi precedido de contactos formais por parte do Bispo de ... e bem assim por parte do seu Fundador Padre II, constando de troca de correspondência enviada ao Bispo AA no sentido de que o propósito e os fins a prosseguir por parte das irmãs era de trabalho apostólico, nas paróquias e em várias outras actividades assistenciais em cooperação com a outra instituição religiosa em que o Fundador se integrava.
-
A intenção das senhoras que pretendiam integrar a BB era a formação de uma congregação religiosa, vivendo ao serviço da igreja em comunidade religiosa, com despojo da vida material e entrega ao serviço religioso de oração e de assistência aos pobres.
-
As senhoras que passaram a integrar a BB viveram sempre em comunidade religiosa, denominavam-se como irmãs e passavam a ter um nome religioso.
-
A intenção e propósito das irmãs da BB era de nem sequer terem bens, e de viverem completamente despojadas, dedicadas a Deus e de serem pessoas que fazem o bem ao seu próximo e que usem os bens unicamente para essa finalidade.
-
A actividade das irmãs da BB, nomeadamente na angariação de fundos junto de paróquias nos Estados Unidos da América e nas práticas religiosas junto das paróquias com quem colaboravam, foi sempre feita ao abrigo das orientações e por recomendação do Bispo AA que confirmava junto dessas outras instituições da Igreja que as irmãs actuavam no âmbito daquela Igreja Diocesana.
-
O serviço de evangelização das irmãs da BB era feita no dia a dia, tanto numa dimensão espiritual de oração, de estilo de vida e de colaboração com as paróquias e com outros Institutos Religiosos, como numa dimensão caritativa e de acção junto dos pobres.
-
Todas as eleições das Superioras da BB eram e foram...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO-
Acórdão nº 34/09.0TBPVC.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Novembro de 2019
...fora dele, nos termos do art. 619º, nº 1 do CPC, como ainda recentemente foi decidido pelo Ac. do STJ de 9/4/2019 proferido no proc. n.º 692/11.5TBVNO.E1.S1; L) Devendo a decisão interlocutória (Ref-ª Citius 79065435) ser revogada e averiguada a natureza pública ou privada da CC à luz dos c......
-
Acórdão nº 208/11.3TBHRT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Dezembro de 2019
...para apreciar a invalidade de uma confissão de pedido feita no âmbito do proc. 2153/06.5TBCRB. O mais recente Ac. do STJ, de 9-4-19, 692/11.5TBVNO.E1.S1, www.dgsi.pt, não chegou a apreciar o mérito da revista interposta relativamente ao acórdão da Relação que apreciou a qualificação jurídic......
-
Acórdão nº 34/09.0TBPVC.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Novembro de 2019
...fora dele, nos termos do art. 619º, nº 1 do CPC, como ainda recentemente foi decidido pelo Ac. do STJ de 9/4/2019 proferido no proc. n.º 692/11.5TBVNO.E1.S1; L) Devendo a decisão interlocutória (Ref-ª Citius 79065435) ser revogada e averiguada a natureza pública ou privada da CC à luz dos c......
-
Acórdão nº 208/11.3TBHRT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Dezembro de 2019
...para apreciar a invalidade de uma confissão de pedido feita no âmbito do proc. 2153/06.5TBCRB. O mais recente Ac. do STJ, de 9-4-19, 692/11.5TBVNO.E1.S1, www.dgsi.pt, não chegou a apreciar o mérito da revista interposta relativamente ao acórdão da Relação que apreciou a qualificação jurídic......