Acórdão nº 835/09.9TBPTM.C.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Abril de 2019

Magistrado ResponsávelRAIMUNDO QUEIRÓS
Data da Resolução09 de Abril de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça I.

Relatório 1. Por sentença de 29-05-2009, transitada em julgado, foi declarada a insolvência de AA, S.A.

, tendo sido designado o prazo de 30 dias para a reclamação de créditos.

O credor BB reclamou a verificação de um crédito no montante de € 125 000, alegando que celebrou com a ora insolvente, no dia 17-02-2003, um contrato-promessa de compra e venda de uma fracção autónoma de edifício em construção, tendo procedido ao pagamento da quantia de € 62 500 a título de sinal e não tendo a promitente-vendedora diligenciado pela celebração da escritura nos termos e prazo acordados, pelo que perdeu o interesse na compra da fracção autónoma, pretendendo lhe seja reconhecido o direito à resolução do contrato, por incumprimento imputável à promitente-vendedora, e ao recebimento da quantia de € 125 000, correspondente ao dobro do sinal prestado.

Decorrido o prazo fixado para as reclamações, o Sr. Administrador da Insolvência apresentou relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos, tendo incluído na lista de créditos reconhecidos o crédito reclamado pelo credor BB, no montante de € 125 000, classificado como crédito comum, com a proveniência seguinte: sinal em dobro por força de contrato-promessa de compra e venda que tem por objecto uma fracção (T2) - 1º andar … - Lote … do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob a ficha n.º ....

O credor BB apresentou, em 24-08-2009, requerimento no qual, alegando que a fracção autónoma prometida vender lhe foi entregue em Agosto de 2005, na sequência do que a mobilou e celebrou contratos de fornecimento de electricidade, gás e água, invoca que o seu crédito goza de direito de retenção sobre a fracção autónoma prometida vender, peticionando seja tal direito de retenção considerado na graduação de créditos.

Notificada do aludido requerimento, a credora CC, C.R.L. pronunciou-se no sentido do indeferimento do reconhecimento do direito de retenção aí invocado, sustentando que tal direito só pode ser invocado no requerimento de reclamação de créditos, cujo prazo havia já decorrido, acrescentando que o aludido credor, além de não o ter invocado, também não demonstrou ou provou atempadamente tal direito.

O Sr. Administrador da Insolvência pronunciou-se no sentido de não dever o crédito em causa ser classificado como garantido por direito de retenção.

Foi realizada tentativa de conciliação, constando da respectiva acta despacho no qual se consignou, além do mais, o seguinte: (…) A CC concorda em considerar o documento apresentado por BB de fls. 578 e seguintes como uma impugnação portanto sendo considerado o seu requerimento datado de 11-01-2018 como resposta à mesma (…).

Realizada a audiência final, foi proferida sentença na qual se classificou o crédito de BB como privilegiado por via da garantia adveniente do direito de retenção de que beneficia.

  1. Inconformada, a credora CC, C.R.L. interpôs recurso desta decisão, para o Tribunal da Relação de Évora, pugnando para que seja revogada, na parte em que reconheceu que o crédito de BB beneficia de direito de retenção e o classificou como privilegiado, e substituída por outra que indefira tal reconhecimento e mantenha a classificação de tal crédito como comum, terminando as alegações com a conclusão que se transcreve: “O apelado para além de ter reclamado extemporaneamente o direito de retenção não é consumidor na acepção que o AUJ adotou ao interpretar a al. f) nº 1 do art. 755º do CC, simplesmente porque não detém a qualidade de consumidor definida no nº1 art. 2º da Lei 24/96 de 31/07 (Cfr art.1 nº 2 al a) da Directiva): a sua aquisição e afectação nada teve a ver com o consumo, visando antes a obtenção do pagamento de dívida comercial, não se encontrando numa situação de fraqueza ou debilidade que é pressuposto do conceito de consumidor que o legislador pretendeu prever, daquele particular que investe suas poupanças contraindo uma dívida de largos anos numa situação de clara desprotecção perante o credor hipotecário, muito pelo contrário: na qualidade de contabilista de empresa do grupo da insolvente encontrava-se numa posição de clara vantagem, porque estava precavido das deficiências e da solvência da empresa, pelo que não pode o mesmo beneficiar no âmbito do processo de insolvência em que nos situamos, do direito de retenção previsto no art. 755º nº1 al. f) do CC, mostrando-se inteiramente injustificado e abusivo que se lhe aplique a respectiva medida de protecção, que tem por fundamento e exigência o princípio da igualdade.” 2.1 O credor BB apresentou contra-alegações, defendendo a manutenção do decidido e arguindo a litigância de má fé pela apelante.

  2. O Tribunal da Relação de Évora revogou a decisão recorrida, com fundamento na extemporaneidade da invocação do direito de retenção pelo credor BB e, em consequência, classificou o crédito deste credor como comum.

  3. Desta decisão, o apelado BB, intentou recurso de revista, formulando as seguintes conclusões: “A —A credora ora Recorrida — CC, CRL — após ter apresentado o seu recurso para o Tribunal da Relação de Évora, veio restringir, por requerimento e expressamente, o âmbito do mesmo, passando a pretender apenas o conhecimento da questão da interpretação do direito de retenção. A afirmação, a esse respeito restritivo, é clara: "3. O que a ora reclamante requer é APENAS uma interpretação divergente da norma (al. f) do nº 1 do art. 755º CC", deixando cair a questão da extemporaneidade da apresentação do requerimento no qual o aqui Recorrente pretendia a verificação e graduação do potencial crédito que havia invocado como sendo privilegiado por gozar do direito de retenção.

    B — Tendo essa questão prescindida transitado em julgado, por efeito dessa desistência, não podia o Tribunal da Relação de Évora conhecer da mesma, uma vez que a ela passou a gozar da força do caso transitado em julgado — sendo assim o acórdão manifestamente nulo por violação do princípio basilar da imutabilidade das decisões judiciais transitadas em julgado (art. 6152 nº 1, al. e), segunda parte, do Código de Processo Civil).

    Sem minimamente prescindir do exposto, C — Nos termos do disposto nos arts. 102º e 106º do CIRE, assistia, prima facie, ao administrador de insolvência o direito potestativo de cumprimento ou de não cumprimento do contrato-promessa sub judice.

    D — A reclamação de créditos apresentada pelo Recorrente, encontrando-se assim condicionada ao exercício desse direito, apresentava-se como meramente provisória, tendo então o aqui Recorrente manifestado que o seu desejo seria o de se considerar incumprido o contrato-promessa e receber o sinal prestado em dobro, nada mais lhe sendo exigível face a essa precariedade.

    E —Ao ter reconhecido o crédito do Recorrente, na lista de credores, com indicação do valor do sinal em dobro, a administrador de insolvência adotou a decisão tácita de não pretender cumprir o contrato-promessa, incumbindo-lhe o dever de averiguar a qualificação desse crédito o que, manifestamente, não fez, porquanto reconheceu o crédito apenas como comum.

    F — A decisão de incumprimento do contrato-promessa fez, na sequência do douto entendimento resultante do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2014, despoletar o direito de retenção inerente ao crédito que o administrador de insolvência fez reconhecer na lista provisória de credores.

    G — Assim sendo, não concordando o aqui Recorrente com a qualificação do seu crédito — da exclusiva responsabilidade do administrador de insolvência — assistia-lhe, nos termos do disposto no art. 130º CIRE, o direito de manifestar a sua oposição a essa qualificação, não havendo qualquer limitação a que, nesse contexto, aduzisse factos e provas que sustentassem a diferente qualificação do crédito: no caso, crédito privilegiado por gozar do direito de retenção.

    H — A declaração de insolvência não permite a aplicação automática dos arts. 801º e 808º do Código Civil, sendo sempre necessário que o administrador de insolvência opte, na hipótese, pelo incumprimento do contrato (em detrimento da sua execução).

    I — O aqui Recorrente cumpriu o prazo legal previsto no art. 130º para a impugnação da qualificação jurídica do crédito que lhe foi fixada pelo administrador de insolvência.

    J - Mesmo que se entendesse, por absurdo, que o Recorrente não poderia suscitar, em resposta à listagem dos credores (e implícita decisão do administrador de não cumprir o contrato-promessa), factos que lhe conferissem o reconhecimento e graduação do seu crédito como privilegiado ao abrigo do direito de retenção, sempre tal direito lhe assiste, nos termos legais de direito processual, por se tratar, não de um pedido novo, mas de uma concretização ou um complemento à reclamação de créditos inicial, a qual, na ausência de decisão do administrador ao abrigo do disposto no art. 106º CIRE, sempre teria natureza provisória.

    L- Não está vedado, pela lei processual civil, antes pelo contrário, segundo a sua aplicação ao CIRE nos termos do art. 172 deste diploma, que até à decisão final do apenso de reclamação de créditos (com a verificação e graduação), possa haver desenvolvimentos que configurem, nos termos do disposto no art. 2732 do anterior Código de Processo Civil (então vigente) a alteração simultânea do pedido e da causa de pedir, não havendo convolação para relação jurídica diversa da previamente alegada, sendo apenas um seu desenvolvimento natural e plenamente justificado, seja pela necessidade de realização da justiça material no caso concreto, seja pela definição da posição do administrador da insolvência face ao cumprimento ou não cumprimento do contrato-promessa.

    M- Por força do disposto no art. 17º do CIRE, sendo aplicável subsidiariamente a todo o processo de...

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