Acórdão nº 697/10.3TCFUN.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Abril de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA OLINDA GARCIA
Data da Resolução09 de Abril de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. RELATÓRIO 1.

AA propôs contra BB ação declarativa de condenação, com processo comum, na forma ordinária, peticionando: a) A declaração de que o Autor é dono e legítimo proprietário da fração identificada no art. 1º da petição inicial; b) A condenação da Ré a restituir ao autor a fração autónoma em causa livre e devoluta de pessoas e bens, em bom estado de conservação e em perfeitas condições; c) A condenação da Ré no pagamento de uma indemnização correspondente ao valor pela ocupação do imóvel; d) A condenação da Ré no pagamento das quantias vincendas até à efetiva restituição da mesma livre e devoluta de pessoas e bens; e) A condenação da Ré no pagamento de uma indemnização a título de eventuais danos causados pela utilização e deterioração da fração.

Alegou, em síntese, que: - É dono e legítimo proprietário da fração autónoma designada pela letra "…", tipo T1, destinada a habitação, do prédio urbano sito na Rua ..., Edifico ..., Bloco …, piso …, n° …, freguesia de ..., concelho do …, descrito na Conservatória do Registo Predial do …sob o n° ..., da freguesia de ... e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo …; - A aquisição da propriedade está registada a favor ao Autor; - O dito imóvel veio à propriedade do Autor em 9 de agosto de 2010, através de contrato de compra e venda que celebrou com a sociedade a sociedade CC, Lda.; - Todavia, o Autor nunca usufruiu do imóvel em questão, o qual se encontra ocupado pela Ré, que detém as chaves da fração, ocupação essa efetuada sem qualquer título que permita à Ré ocupar a aludida fração; - O Autor e a Ré foram casados um com o outro, tendo-se divorciado em dezembro de 2009.

- Após o divórcio, o A. adquiriu o referido imóvel, tendo o mesmo passado a ser ocupado pela Ré em março de 2010, tendo ficado combinado entre as partes a futura celebração dum contrato de arrendamento para habitação sob o regime da renda condicionada; - Nesse momento, o contrato de arrendamento não poderia ser celebrado porque o A. era apenas um mero promitente comprador da fração em questão, razão pela qual tal contrato seria celebrado no momento da outorga da escritura pública de compra e venda; - Foi então convencionado entre as partes que, como a Ré carecia de habitação, ficaria a usar e fruir a referida fração até à celebração do mencionado contrato de arrendamento para habitação sob o regime da renda condicionada; - Porém, em junho de 2010, quando a Ré foi abordada pelo Autor para celebrar o contrato de arrendamento, ela recusou-se a celebrá-lo; - Em 23 de agosto de 2010, o A. enviou à Ré uma carta de interpelação para que a mesma procedesse à devolução da fração, atendendo à sua recusa em celebrar o referido contrato de arrendamento e ao facto de estar a ocupar um imóvel que lhe não pertence e pelo qual nada despende, violando assim o direito de propriedade do Autor; - Dado que tal carta foi devolvida ao Autor (por a Ré não ter querido recebê-la), este requereu a notificação judicial avulsa da Ré para o mesmo efeito, o que teve lugar em 3 de novembro de 2010; - Não obstante o A. ter concedido à Ré um prazo de 8 dias para proceder à desocupação da fração, livre de pessoas e bens, a Ré nem a desocupou, nem entregou as respetivas chaves ao Autor; - A ocupação da fração, por parte da Ré, impede o Autor de lhe dar a utilização legalmente permitida, nomeadamente dando-a de arrendamento a terceiros; - Apesar de o Autor ter recebido várias propostas para o arrendamento da fração, elas não se concretizaram porque o A. está, na prática, impossibilitado de a dar de arrendamento, devido à ocupação que dela faz a Ré; - Para adquirir tal fração, o A. contraiu um empréstimo bancário pelo qual paga uma prestação mensal de € 540,73; - Se tal fração fosse dada de arrendamento a terceiros, devido às atuais condições de mercado e ao facto de ela só poder ser arrendada no regime da renda condicionada, o A. auferiria uma renda mensal nunca inferior a € 400,00; - Por isso, o prejuízo causado pela Ré ao Autor, com a ocupação de tal fração desde março de 2010 a dezembro de 2010 (data da propositura da ação), eleva-se a € 4.000,00 (quatro mil euros).

2. A Ré contestou a ação, alegando, em síntese, que ocupa a fração porque o Autor a adquiriu para que ela e os filhos menores de ambos a pudessem habitar, tendo o Autor acordado com a Ré a saída desta, na altura grávida do 2° filho do casal e do filho de ambos, DD, da casa de morada de família, para que esta fosse viver para o apartamento ora reivindicado, que seria propriedade dos menores, filhos do Autor e da Ré, logo que o filho EE nascesse, e onde os menores viveriam com a Ré, sem qualquer encargo, ónus ou retribuição, jamais tendo o Autor dito, acordado ou falado na celebração de um contrato de arrendamento ou no pagamento de qualquer valor como contrapartida da utilização do apartamento.

Deduziu ainda pedido reconvencional, pedindo: i) a condenação do Réu como litigante de má fé em multa a fixar pelo Tribunal, e em indemnização a favor da Ré, em montante nunca inferior a 10.000,00€; ii) a condenação do Réu a pagar à Ré BB e aos filhos menores DD e EE, uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais a fixar em execução de sentença.

3. O Autor replicou, respondendo à matéria das exceções deduzidas pela Ré na sua Contestação (ilegitimidade passiva e abuso de direito).

4. Foi proferida sentença, em 02.07.2014, com o seguinte teor: «Pelo exposto, o Tribunal decide: A) - Julgar a acção totalmente procedente, por provada e, consequentemente, decide: a- condenar a ré a restituir ao autor a fracção autónoma em causa livre e devoluta de pessoas e bens, em bom estado de conservação e em perfeitas condições; b - Condenar a ré a pagar ao autor, a título de indemnização fixada segundo critérios de equidade, a quantia € 4.000,00; c - Condenar a ré a pagar ao autor a quantia de € 150,00 por cada mês de ocupação após o trânsito em julgado da sentença; d - condenação da ré no pagamento de uma indemnização a título de eventuais danos causados pela utilização e deterioração da fracção; B) - Julgar o pedido reconvencional totalmente improcedente, por não provado, e consequentemente decide absolver o autor do pedido reconvencional; C) - Condenar a ré a pagar as custas processuais devidas.

» 5.

Inconformada com o decidido pela primeira instância, a Ré/Reconvinte apelou da sentença para o Tribunal da Relação de Lisboa.

6. O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 04.04.2017, decidiu nos termos que se transcrevem: «Acordam os juízes desta Relação em conceder parcial provimento à Apelação da Ré, revogando a sentença recorrida e julgando a acção totalmente improcedente, razão pela qual a Ré/Apelante é absolvida de todos os pedidos condenatórios contra ela formulados pelo Autor/Apelado.

Do mesmo passo, julga-se parcialmente procedente a reconvenção e, consequentemente, condena-se o Autor/Reconvindo/Apelado a pagar à Ré/Reconvinte/Apelante e a cada dos seus dois filhos menores DD e EE uma indemnização por danos não patrimoniais de 500,00 (quinhentos euros), num total de 1.500,00 (mil e quinhentos euros), absolvendo-o, porém, do pedido da sua condenação no pagamento à Autora e aos seus dois filhos supra identificados duma indemnização por danos patrimoniais (a liquidar em execução de sentença).

Custas da acção e da Apelação a cargo do Autor/Apelado.

Custas da reconvenção a cargo do Autor/Reconvindo e da Ré/Reconvinte, na proporção de 9/10 para o primeiro e de 1/10 para a segunda.

Por ter litigado de má fé, condena-se o Autor/Apelado no pagamento de uma multa de 5 (cinco) UCs, bem como de uma indemnização a favor da Ré, correspondente à satisfação dos prejuízos por ela sofridos como consequência directa ou indirecta da má-fé do Autor (art. 543°, n° 1, al. b) do CPC), sobre cujo montante - por não haver nos autos elementos para a respectiva fixação - as partes deverão pronunciar-se, no prazo de dez dias (nos termos do n° 3 do art. 543° do CPC).

» 7. Inconformado com aquela decisão, o autor/apelado interpôs recurso de revista, em cujas alegações formulou as conclusões que seguidamente se transcrevem (com uma extensão superior a 30 páginas e sem numeração de parágrafos): « Recorre o Autor, AA, do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04 de Abril de 2017 que julgou a Apelação procedente e nessa conformidade, revogou a decisão proferida pelo Tribunal de 1º Instância que foi substituída pela decisão constante dos autos, pretendendo a revogação do douto Acórdão recorrido, com fundamento no erro de interpretação e de aplicação da norma aplicável e ainda nas nulidades previstas nos arts.666.º com remissão para o art. 615.º, conforme prevê o art. 674.º, n.º 1, a) e c) todos do CPC.

- Pretende o Recorrente que o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04 de Abril de 2017 seja revogado e seja confirmada a decisão proferida em primeira instância, ou seja, seja a acção declarada totalmente procedente, por provada e, consequentemente, a Ré seja condenada a restituir ao Autor a fracção autónoma em causa livre e devoluta de pessoas e bens, em bom estado de conservação e em perfeitas condições; a pagar ao Autor, a título de indemnização fixada segundo critérios de equidade, a quantia de € 4.000,00; a pagar ao Autor a quantia de € 150,00 por cada mês de ocupação após o trânsito em julgado da sentença; condenada no pagamento de uma indemnização a título de eventuais danos causados pela utilização e deteriorização da fracção; condenada a pagar as custas processuais devidas; e ainda deve julgar totalmente improcedente o pedido reconvencional, por não provado e, consequentemente, absolver o Autor do pedido reconvencional.

- O douto Acórdão proferido em segunda instância, focou apenas uma parte do litígio, alheando-se à apreciação de parte da prova e na restante seguindo critérios subjectivos e discricionários que não são aceitáveis como fundamentos da decisão, há matéria com manifesta relevância para a decisão da causa, a que o Tribunal...

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