Acórdão nº 1680/12.0TBGDM.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO VAZ TOMÉ
Data da Resolução19 de Março de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - Relatório AA, Lda., propôs ação declarativa contra BB, S.A., pedindo a condenação da Ré no pagamento de €1.838.169,10, a título de capital seguro, acrescido de juros de mora, contados desde 1 de julho de 2011 até integral pagamento, à taxa de juro aplicável às operações comerciais, cujo valor, à data da propositura da ação, calcula em €151.000,00.

Alegou que, a 8 de julho de 2005, celebrou com a CC, S.A., um contrato de seguro, mediante o qual lhe transferiu o risco de roubo ou de furto de ouro. A CC, S.A., foi ulteriormente incorporada, por fusão, na Ré, ora Recorrente. Esta assumiu assim a posição da CC, S.A., no contrato de seguro concluído com a Autora, ora Recorrida.

Refere que, a partir de 30 de dezembro de 2010, o contrato de seguro foi alterado no que respeita ao capital máximo dos riscos abrangidos, assumindo a Ré perante a Autora o risco de perda de ouro pertença da última, por furto ou roubo, até ao montante de €1.000.000,00, assim como o risco de perda de ouro pertencente a clientes da Autora, que se encontrasse nas instalações desta, por furto ou roubo, até ao montante de €1.000.000,00€, com uma franquia de 10% do montante a indemnizar. Mediante o mesmo contrato a Ré assumiu a obrigação de indemnizar a Autora pelos danos causados no edifício até ao montante de €500.000,00, no mobiliário de escritório até ao limite de €40.000,00, e em equipamentos de escritório e laboratório até ao limite de 260.000,00.

Na madrugada de 3 de março de 2011, a Autora foi vítima de furto da totalidade do ouro que na altura se encontrava nas suas instalações, concretamente lingotes de ouro fino com o peso global de 85 763,20 gramas, em que 34 954,80 gramas pertenciam a clientes, no montante de €1.104.571,68, e 50 808,40 gramas à Autora, na importância de €1.605.545,44. Nessa data, o valor do ouro ascendia a €31,600/grama.

Na reparação dos danos causados pelos autores do furto no alarme, na central telefónica, na porta, no cofre e no computador, a Autora despendeu o montante de €42.410,13 (IVA incluído).

A Autora alega também que, a 9 de março de 2011, participou o sinistro à Ré, reclamando o pagamento da respetiva indemnização. Contudo, a Ré recusou proceder ao pagamento invocando que as condições de segurança existentes ao tempo da celebração do contrato de seguro não se mantinham na data do sinistro e comunicando à Autora a resolução do contrato que, todavia, esta não considera eficaz.

A Ré contestou, pedindo que a ação fosse julgada improcedente, assim como a absolvição do pedido.

Para o efeito, a Ré, além de impugnar parte da matéria de facto alegada na petição inicial, invocou 1) a resolução do contrato de seguro, 2) a aplicação subsidiária do DL n.º 72/2008, de 16 de abril, que aprovou o Regime Jurídico do Contrato de Seguro (doravante RJCS), 3) o vencimento de juros apenas a partir da citação e a aplicação da taxa de juros civis, e 4) a aplicação da regra proporcional à indemnização prevista no art. 15.º das Condições Gerais da Apólice.

A Autora apresentou réplica, concluindo pela improcedência das exceções.

Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença (V Vol., fls. 1225 a 1258), que julgou a ação parcialmente procedente e condenou a Ré a pagar à Autora: “a. € 1 825 348,36, quantia acrescida de juros de mora contados à taxa supletiva dos juros comerciais, desde 20 de Julho de 2011 e até integral reembolso; b. a quantia, a liquidar em decisão ulterior, despendida pela autora com a substituição do cofre referido no ponto 12- da matéria de facto provada, com o limite de € 10 706,13; c. a quantia, a liquidar em decisão ulterior, despendida pela autora com a substituição do computador referido no ponto 10- da matéria de facto provada, com o limite de € 1 500,00”.

A Ré interpôs recurso de apelação. O Tribunal da Relação julgou (IX Vol., fls. 2009 a 2038) a “apelação parcialmente procedente” e alterou “a sentença recorrida condenando-se a ré “BB, SA”, a pagar à autora “AA, Ldª” a quantia de € 1 823 251, 99 (um milhão oitocentos e vinte e três mil duzentos e cinquenta e um euros e noventa e nove cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa supletiva dos juros comerciais, desde a citação até integral pagamento. No mais confirma-se a sentença recorrida”.

Deste acórdão, a Ré interpôs recurso de revista excecional (IX Vol. fls. 2048 a 2085), com as seguintes CONCLUSÕES: “Assim, e em CONCLUSÃO: 1. Ao contrato de seguro dos autos são aplicáveis as regras do Código Comercial (CCom) relativas à formação do contrato e, já quanto às vicissitudes posteriores à sua celebração, as regras decorrentes do Decreto-Lei n° 72/2008, de 16 de Abril que aprovou o Regime Jurídico do Contrato de Seguro (LCS) (arts. 2.

o e 3.

o, n.° 1 da LCS).

  1. Em primeiro lugar, saber se a seguradora pode resolver o contrato de seguro no caso de, após a verificação do sinistro, ter tomado conhecimento de factos ocorridos em momento anterior e agravadores do risco inicialmente contratado, sem que lhe tivessem sido comunicados pelo segurado ou pelo tomador do seguro, mesmo que esses factos não persistissem já à data do sinistro, é questão que, pela sua relevância jurídica e prática, justifica e impõe a apreciação da mesma por este Supremo Tribunal de Justiça para uma melhor aplicação do Direito, assim se verificando fundamento para o recurso de revista excepcional previsto na alínea a) do n.° 1 do art. 672.° do CPC.

    Da Resolução do Contrato 3. O Acórdão recorrido decidiu não haver fundamento para a resolução do contrato de seguro com base no art. 93.°, n.° 2, alínea b) da Lei do Contrato de Seguro (LCS) nem a possibilidade de recusa da cobertura do risco por considerar excluído dolo do segurado, para os efeitos n.° 1, alínea c) do art. 94.° seguinte, concluindo que a Recorrente nunca podia exonerar-se com a declaração de resolução e com efeitos retroactivos previstos no art. 434.°, n.° 1 do Código Civil (CCiv.).

  2. Nos termos do n.º 1 do art. 91.° da LSC, a Autora tinha o dever de comunicar as alterações do risco respeitantes ao objecto das informações pré-contratuais prestadas (a estas aplicável o art. 429.° do CCom. e a regra geral do art. 227.°, n.° 1 do CCiv.).

  3. Saber o que se entende por uma "alteração de risco respeitante ao objecto das informações" envolve um juízo, uma conclusão jurídica que, do ponto de vista do Direito, pressupõe a valoração dos factos dados como provados, no caso sub júdice, em relação aos Factos 12, 13, 25, 26, 28, 29 e 31 que foram considerados provados no Acórdão recorrido.

  4. Todos esses factos se traduzem numa alteração (agravamento) do risco em relação às condições iniciais do risco a que se reportam os Factos 20 e 21 da matéria provada.

  5. Com base nesses Factos 20 e 21, e ponto assente que as conclusões que ficaram descritas na análise de risco efectuada pela Seguradora, previamente à celebração do contrato de seguro, foram obtidas pelo técnico analista do risco na base das informações prestadas pela Autora e no que esta lhe proporcionou no local, aquando da sua visita às suas instalações para esse efeito (cfr. Factos 18 e 19).

  6. Na falta de prova em contrário, deve-se entender que a situação descrita no Facto 21 retratava a realidade existente no momento da contratação, dando-se a mesma como consolidada.

  7. Ficou provado que as condições de segurança das instalações da Autora e, designadamente, a vigência de contrato de prestação de serviços de vigilância com a DD, foram elementos essenciais na decisão da Seguradora, então a CC S.A., de celebrar o seguro em causa (Facto 27).

  8. Na base destes factos, do ponto de vista do Direito, chega-se à conclusão da verificação de um agravamento do risco em relação às informações inicialmente prestadas pela Autora e que foram determinantes na análise e assumpção do risco assumido.

  9. Não é relevante saber se, no decurso do tempo, a Autora voltou a fazer pagamentos, ou pôs termo à mora que tinha para com a DD, ou se esta voltou a prestar os seus serviços nos termos que estavam previamente fixados entre ambas, ou mesmo se a avaria que ocorreu em 2008 veio ou não a ser reparada ou, mesmo, se à data do sinistro ainda se verificava esse agravamento do risco para justificar a resolução do contrato com efeitos retroactivos.

  10. Do Facto 27, dado como provado pelas instâncias, resulta que a Recorrente fez prova da exigência do n.° 2, al. b) deste art. 93.° da LCS.

  11. A solução prevista nesse art. 93.º, n.° 2, al. b) permite ao segurador resolver o contrato quando tenha conhecimento do agravamento do risco, ainda que este conhecimento se dê com o conhecimento do sinistro ou depois (a este propósito, v.

    Lei do Contrato de Seguro Anotada, 2011, 2a Ed., Almedina, pág. 355), não exigindo nem dolo nem negligência do segurado ou do tomador do seguro: o simples agravamento do risco, seguido pela não comunicação legalmente exigida, traduz uma violação do contrato e permite a sua resolução pelo segurador.

  12. 0 direito à resolução foi exercido pela Recorrente quando teve conhecimento de que, antes da verificação do sinistro, ocorreram situações de agravamento do risco sem que lhe tivessem sido comunicadas pela Autora (Facto 24).

  13. Observados que foram pela Recorrente os requisitos que o citado art. 93.°, n.° 2, al. b) obriga, o contrato de seguro celebrado com a Autora considerou-se resolvido.

  14. A Recorrente exerceu o direito potestativo de pôr termo ao contrato naquelas circunstâncias, tendo a declaração de resolução efeitos retroactivos, nos termos do disposto no art. 434.°, n.° 1 do CCiv.

  15. Verifica-se, assim, que no momento do sinistro já não existia contrato em vigor.

  16. Por outro lado, a norma do art. 94.° da LCS terá sempre que ser conjugada com o previsto neste n.° 2, al. b) do art. 93.°: se o pagamento do sinistro nos termos do art. 94.° não determinar a cessação do contrato (v. cit.

    Lei do Contrato de Seguro Anotada, p. 355), reiterando-se aqui o que se acabou de dizer em relação aos efeitos ex tunc da declaração de resolução...

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