Acórdão nº 216/19 de Tribunal Constitucional (Port, 02 de Abril de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Catarina Sarmento e Castro
Data da Resolução02 de Abril de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 216/2019

Processo n.º 558/18

2 .ª Secção

Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I – Relatório

1. Nos presentes autos, o ora recorrente, A., foi condenado, no Juízo Criminal de Penafiel – Comarca de Porto Este – pela prática, em concurso real, de um crime de fraude fiscal qualificada, em coautoria material e sob a forma continuada, e de um crime de detenção de arma proibida, na pena única de cúmulo jurídico de 4 anos e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por período de tempo igual ao da respetiva duração e subordinada ao dever de reparar, no prazo de 2 anos e 6 meses, o prejuízo provocado à Administração Fiscal, e a regime de prova, em termos a definir pelo Instituto de Reinserção Social.

Inconformado, o arguido interpôs recurso da decisão condenatória para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 17 de junho de 2015, decidiu anular a decisão recorrida e ordenar o reenvio do processo ao tribunal para novo julgamento, proferindo-se nova decisão que, designadamente, «contenha juízo fundamentado sobre a possibilidade de cumprimento, por parte dos arguidos, da condição a que está obrigatoriamente sujeita a suspensão da execução da pena de prisão, se for esta a opção do tribunal, ou seja, o pagamento ao Estado das prestações tributárias em dívida e legais acréscimos».

Devolvidos os autos à 1.ª instância, aí se deu cumprimento ao determinado.

Na sessão de audiência realizada em 16 de março de 2017, o Juiz Presidente do Tribunal Coletivo do julgamento leu uma comunicação de alteração não substancial dos factos (relativa a factos que não estavam descritos exatamente da mesma forma na pronúncia e que, vindo a ser dados como provados, poderiam ser tidos em consideração na decisão), mais advertindo que os factos descritos poderiam implicar uma alteração da qualificação jurídica, pela imputação de mais crimes de fraude fiscal aos arguidos, sendo, em conformidade com o disposto no artigo 358.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Penal (doravante, designado CPP), concedido aos mesmos o prazo de 10 dias para requererem a produção de prova sobre esses factos ou para informarem que pretenderiam alegar sobre tal matéria.

Na sequência da utilização da referida faculdade de defesa, foram ouvidas as testemunhas arroladas pelos arguidos e produzidas alegações orais.

Posteriormente, foi proferido novo acórdão, em 16 de maio de 2017, que decidiu condenar o arguido, aqui recorrente, pela prática, em concurso efetivo, de um crime de fraude fiscal qualificada, na forma continuada, e de um crime de detenção de arma proibida, na pena única de cúmulo jurídico de 4 anos e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com a condição de, no prazo da suspensão, proceder ao pagamento do montante das prestações tributárias em falta e respetivos acréscimos – deduzida a quantia de € 160.000,00 que lhe foi apreendida e que viria a ser declarada perdida a favor do Estado –, impondo-se o pagamento de € 50,00 a ocorrer sucessiva e mensalmente até ao dia 8 de cada mês, mais se fazendo acompanhar a referida suspensão da execução da pena de regime de prova.

Novamente inconformado, o arguido aqui recorrente interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do qual, no que ora releva, alegou que a comunicação respeitante à alteração não substancial dos factos, feita pelo tribunal a quo, não observou o legalmente exigido quanto à sua fundamentação, que se deveria traduzir na explicitação ou concretização dos factos e meios de prova indiciários donde aqueles emergiram. Afirmou, ainda, que “a condenação do recorrente, por factos que não integravam a acusação, constitui a nulidade do artigo 379.º, n.º 1, alínea b)”. Concluiu, então, que a interpretação dada ao disposto no artigo 358.º do CPP, no sentido de não ser necessário referir os meios de prova indiciária em que a alteração não substancial dos factos se fundamenta, deve ser julgada inconstitucional, por violação do disposto no artigo 32.º, n.ºs 1 e 5, da Constituição.

Por decisão proferida em 30 de abril de 2018, o Tribunal da Relação do Porto decidiu negar provimento ao recurso interposto pelo arguido aqui recorrente, confirmando integralmente o acórdão recorrido. Quanto à assinalada questão em particular, atinente ao disposto no artigo 358.º do CPP, foi julgada improcedente a invocada arguição de nulidade do acórdão, por não se vislumbrar nenhuma inconstitucionalidade na interpretação normativa convocada.

2. Nesta sequência, veio o ora recorrente interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), delimitando o seu objeto, entre outras, à questão de constitucionalidade da norma anteriormente identificada, reportada a interpretação do artigo 358.º do CPP, no sentido que não é necessário referir os meios de prova indiciária em que a alteração não substancial dos factos de fundamenta, por violação do disposto no artigo 32.º, n.ºs 1 e 5 da Constituição.

3. Prosseguindo os autos para alegações apenas quanto à primeira questão de constitucionalidade já identificada (já que, relativamente à segunda e terceira questões apresentadas no requerimento de interposição do recurso, pela decisão sumária n.º 711/2018, o Tribunal Constitucional concluiu pelo não conhecimento, por falta de verificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso), foi proferido o seguinte despacho:

«A primeira questão, apresentada no requerimento de interposição do recurso, é identificada pelo recorrente como correspondendo à inconstitucionalidade da interpretação do disposto no artigo 358.º do Código de Processo Penal, no sentido que não é necessário referir os meios de prova indiciária em que a alteração não substancial dos factos se fundamenta.

Argumenta o recorrente que tal interpretação viola o disposto no artigo 32.º, n.ºs 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa.

Apesar de o recorrente não especificar o segmento pertinente do preceito que indica como suporte legal do enunciado apresentado, deduz-se da análise da disposição legal que se reporta ao n.º 1.

Assim, de forma mais completa, respeitando o núcleo essencial da questão colocada, poderemos sintetizar a mesma como a inconstitucionalidade da interpretação, extraída do n.º 1 do artigo 358.º do Código de Processo Penal, conducente ao sentido de que a comunicação da alteração não substancial dos factos, efetuada no decurso da audiência de julgamento, nos termos do citado preceito, não carece de ser acompanhada da referência aos meios de prova indiciária em que se fundamenta.

Desta forma, delimitado nos termos expostos o objeto do recurso, notifique, para efeito de junção de alegações, no prazo de trinta dias, nos termos do artigo 79.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional)» (destacado nosso).

4 . Nesta sequência, o recorrente apresentou as seguintes conclusões de alegações de recurso:

«I

Por Acórdão proferido nestes autos pelo Tribunal da Relação do Porto em 30.4.2018, considerou-se que a comunicação feita ao arguido em audiência de julgamento de alteração não substancial dos factos a que alude o n.º 1 do artigo 358º do Código de Processo Penal não carece de ser acompanhada da referência aos meios de prova indiciária em que se fundamenta.

II

A comunicação feita pelo tribunal a quo ao arguido de alteração não substancial dos factos não acompanhada da referência aos meios de prova indiciária não observou o legalmente exigido quanto à sua fundamentação, que no caso se traduz na explicitação ou concretização dos factos e meios de prova indiciários, única forma de assegurar ao arguido os direitos consignados no n.º 1 do artigo 358º do Código de Processo Penal e nºs. 1 e 5 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa.

III

Na situação prevista no n.º 1 do artigo 358º do Código de Processo Penal, o julgador tem o dever de informar o arguido que os factos (novos) se mostram indiciados com base em determinados e concretos meios de prova, única forma que permitirá àquele identificar o objeto da sua defesa, permitindo-lhe contraditar aqueles meios de prova e até oferecer outros suscetíveis de abalar os indícios até então existentes.

IV

No caso dos autos, analisado o teor da comunicação feita aos arguidos por Despacho do Sr. Juiz Presidente proferido em 16.3.2017, impunha-se, até pela densidade dos (novos) factos, um especial rigor e pormenor na identificação dos meios de prova indiciária em que se estribou para promover a alteração não substancial dos factos.

V

A omissão resultante da não inclusão na comunicação de alteração não substancial dos factos feita pelo tribunal aos arguidos condicionou de forma grave e irreversível o pleno exercício do contraditório e, por consequência, a sua defesa.

VI

É totalmente inaceitável e injustificada qualquer discriminação entre as exigências que são impostas ao Ministério Público, em sede acusatória, ou ao Sr. Juiz de Instrução, em sede de pronuncia, quer no que toca à fundamentação de facto das decisões, quer no que concerne aos meios de prova que as sustentam.

VII

Em qualquer dessas fases processuais, impera o rigor, para que a defesa do arguido não possa ser posta em causa, ao invés de um facilitismo em sede de julgamento, quando se trata de alteração não substancial dos factos, onde, na tese perfilhada pela decisão recorrida, se permitem atropelos aos direitos dos arguidos, com total omissão dos meios de prova que fundamentam tal alteração.

VIII

A omissão perpetrada naquela...

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