Acórdão nº 2411/10.4TBVIS.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Data da Resolução14 de Março de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I - RELATÓRIO AA intentou acção declarativa sob a forma de processo comum contra BB, LDA e CC, LDA, pedindo a condenação solidária das rés a pagar-lhe a quantia de € 95.000,00, na qual computou os danos morais por si sofridos, acrescida de juros legais, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Alegou, em síntese, que foi atingida por um produto que continha ácido sulfúrico, produzido e comercializado pela ré “BB” e adquirido à ré CC”. Tal produto destinava-se a desentupir canos e foi vendido sem qualquer ficha técnica. No momento em que a autora procedia à abertura da embalagem, a tampa soltou-se e o seu conteúdo atingiu-a, causando-lhe graves lesões corporais. O sinistro deveu-se ao não cumprimento das normas de segurança no fabrico da embalagem do produto, designadamente da sua tampa.

Cada uma das rés apresentou a sua contestação, excepcionando a prescrição do direito indemnizatório de que se arroga a autora, por terem decorrido mais de três anos desde a data do sinistro até ao momento de interposição da acção, nos termos do disposto no artigo 498º nº 1 do Código Civil. Arguiram a respectiva ilegitimidade processual, por serem meras importadoras, distribuidoras e redistribuidoras do produto em questão, não tendo qualquer responsabilidade na sua produção, fabrico, classificação, rotulagem e embalagem, respeitando a relação material controvertida em debate ao produtor. Arguiram a ineptidão da petição inicial, por a autora não ter esclarecido em que condições lhe foi processada a indemnização laboral, em que valor esta foi fixada e qual a entidade que a liquidou, e ainda por não ter esclarecido a factualidade relativa à participação criminal que alegou ter efectuado.

Argumentaram que não lhes cabe qualquer responsabilidade no sinistro em causa, tanto mais que foi a autora que solicitou a terceiro a abertura do frasco e que, de forma imprudente, o manuseou, derramando sobre si própria o líquido que continha.

A autora foi elucidada pela co-ré CC sobre o risco de utilização do produto, desconhecendo as rés se foi o produto por ambas distribuído que causou os danos invocados, cujas características eram do conhecimento da autora, por o vir manuseando ao longo dos anos na sua actividade profissional.Do rótulo do produto constavam indicações precisas, designadamente quanto à sua perigosidade e quanto ao facto de se destinar a uso profissional. Concluem pela procedência das excepções invocadas ou, caso assim não se entenda, pela improcedência da acção.

A autora replicou, alegando, em síntese, que o facto ilícito por si invocado constitui crime, pelo que é aplicável o prazo de prescrição de cinco anos previsto no artigo 498º nº 3 do Código Civil. As rés são partes legítimas por terem colocado no mercado um produto com defeito na embalagem e sem a necessária ficha técnica, concluindo ainda que a petição inicial não padece de ineptidão.

Foi proferido despacho saneador, no qual foram julgadas improcedentes as excepções de prescrição, de ineptidão da petição inicial e de ilegitimidade.

Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo as rés do pedido.

Foi proferido acórdão da Relação de Coimbra de 18.09.2018, que julgou a apelação parcialmente procedente, revogando a decisão recorrida e condenando solidariamente as rés a pagar à autora a quantia de € 60.000,00 por danos não patrimoniais, acrescida de juros legais desde a citação e até integral pagamento.

Não se conformando com tal acórdão, dele recorreram as rés e a autora, esta através de recurso subordinado.

CONCLUSÕES DAS RÉS: 1ª - Como é sabido, a obrigação de indemnizar, de acordo com o disposto no artº 483º do CC, depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: o facto (voluntário do agente); a ilicitude desse facto; a imputação do facto ao lesante; o dano; um nexo de causalidade entre aquele facto e este dano (cfr., dentre outros, P. Lima e A. Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. I, págs. 444 e sgs.).

  1. - Com efeito, dispõe o artº 563º do CC que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

  2. - Constitui entendimento corrente na doutrina e na jurisprudência que, nos casos em que se possa firmar uma responsabilidade pelo risco, também exige verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, à excepção da ilicitude e da culpa, ou seja, para que se afirme a responsabilidade pelo risco basta a ocorrência de um facto naturalístico (lícito ou ilícito) e de um nexo de causalidade entre o facto e o dano (cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, vol. I, 10º edição, pg. 636; Almeida e Costa, Direito das Obrigações, Almedina, 11ª edição, 612; acórdão do STJ, de 2006.10.10, Silva Salazar, www.dgsi.pt.jstj, proc. 06 A 2764, da Relação do Porto, de 2008.09.30, Pinto dos Santos, www.dgsi.pt.jtrp, proc. 0825401).

  3. - A matéria respeitante ao nexo de causalidade adequada, como tal designada pela doutrina e tida como adoptada no artigo 563º do CC, envolve duas componentes: uma, de feição naturalística, respeitante ao nexo entre o facto-condição e o resultado por ele provocado; outra, de alcance estritamente normativo, tendente a saber se esse facto, em abstracto, é causa adequada daquele resultado (Vide, a este propósito, o acórdão do STJ, de 09/07/2014, relatado pelo Juiz Cons. Fernandes do Vale, no processo n.º 5395/08.5TB LRA.C1.S1, entre outros ali citados, disponível na Internet – http://www.dgsi. pt/jstj).

  4. - Decorrentemente, o juízo sobre a causalidade integra, por um lado, matéria de facto, certo que se trata de saber se, na sequência de determinada dinâmica factual, um ou outro facto funcionou efectivamente como condição desencadeadora de determinado efeito; E, por outro, matéria de direito, designadamente a determinação, no plano geral e abstracto, se aquela condição foi ou não causa adequada do evento, ou seja, dada a sua natureza, era ou não indiferente para a sua verificação.

  5. - Enquanto que a componente naturalística, abarcando a fixação dos factos e a sua valoração probatória, escapa à sindicância do tribunal de revista, nos termos dos artigos 674º, nº 3, e 682º, n.º 1 e 2, do CPC, já a vertente normativa é passível de apreciação por este Supremo Tribunal (Vide, entre muitos outros, o acórdão do STJ, de 07/05/2014, relatado pelo Juiz Cons. Gabriel Catarino, no processo n.º 1253/07.9TVLSB.L2.S1, disponível na Internet - http://www.dgsi. pt/jstj.).

  6. - À luz da causa de pedir tal como foi desenhada pela autora, a causa natural determinante que esteve na base do acidente decorreu do facto de a embalagem do produto não estar dotada de uma “tampa de segurança” ou de esta não estar a funcionar adequadamente, o que motivou que, quando aquela procedia à sua abertura, aquela tenha saltado (estoirou no dizer da autora) atingindo-a na cara, projectando sobre si o líquido que estava no seu interior.

  7. - É verdade que a autora também alegou a falta da entrega da ficha técnica e a omissão do dever legal de informar a cliente a manusear o produto e o tipo de produto.

  8. - Porém, quanto a estes dois últimos aspectos, a autora não retira - em termos de alegação fática – da sua omissão qualquer consequência causal do acidente. Pois que a causa do acidente centra-a a autora na omissão ou no mau a funcionamento da “tampa de segurança” da embalagem do produto; 10ª - A autora também não põe em evidência, como tendo tido interveniência causal do acidente, o facto de o rótulo do produto não estar redigido em língua portuguesa. Sendo este um facto discutido no decurso da acção já e em face da própria contestação apresentada pelas rés.

  9. - Conjugada a matéria de facto assente consignada no acórdão recorrido, duas conclusões é possível tirar, com a simples recurso às regras da lógica, e que estão fortemente condicionadas pela forma como a causa de pedir da acção foi desenhada pela autora na petição inicial: - Não obstante do rótulo do produto constar a menção de “corrosivo” e os dizeres “DD”, bem como instruções de manuseamento aí se mostrando expresso que o mesmo se destinava a uso profissional e alertando para o facto de conter 90% (ou mais) da sua constituição, em ácido sulfúrico, tanto o nome do produto como as demais informações a eles respeitantes se encontravam aí apostas em espanhol; Contudo, Não foi possível apurar quais as razões que motivaram que, quando manuseava a embalagem do produto “DD”, o seu conteúdo foi subitamente projectado para fora da embalagem, atingindo a autora na zona torácica, pescoço, braço esquerdo, barriga e pernas, designadamente – e ao contrário do alegado pela autora - que tal se tenha ficado a dever à omissão ou defeito da tampa de segurança da embalagem; 12ª - Ou seja, assentando, necessariamente, o “nexo de causalidade” entre o facto imputado ao agente (no caso as aqui recorrente) e o dano, em “factos” que revelam aquela relação causa/consequência, esses factos devem, também eles constar da própria “decisão de facto” da sentença.

  10. - E não se diga que esta ausência de alegação e prova dos factos integradores do “nexo de causalidade” são supridos – como se fez, a nosso ver erradamente, no acórdão agora recorrido - pelo recurso às “presunções judiciais” na fase da fundamentação jurídica da decisão.

  11. - Tem sido entendido pela doutrina e pela jurisprudência, as presunções judiciais não se reconduzem a um meio de prova próprio, consistindo antes em ilações que o julgador extrai a partir de factos conhecidos (factos de base da presunção) para dar como provados factos desconhecidos (factos presumidos), nos termos do artigo 349º do CC. A presunção centra-se, pois, num juízo de indução ou de inferência extraído do facto de base ou instrumental para o facto essencial presumido, à luz das regras da experiência (Sobre a noção de prova por presunção vide, por todos, Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1976, p...

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