Acórdão nº 116/16.1T8OLH.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 28 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA DOMINGAS
Data da Resolução28 de Março de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. n.º 116/16.1T8OLH.E1 Tribunal Judicial da comarca de Setúbal Juízo do Comércio – Juiz 2 I. Relatório (…) instaurou a presente acção declarativa de condenação, a seguir a forma única do processo comum, contra (…), a residir no Monte dos (…), em Grândola, pedindo a condenação do réu a pagar à Sociedade (…), SA montante indemnizatório a fixar em valor não inferior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros). Alegou para tanto e em síntese, que é accionista da sociedade (…), SA, sendo o R. titular de acções ao portador representativas de 80% do capital social desta mesma sociedade, nela exercendo desde a data da constituição as funções de Presidente do Conselho de Administração. Mais alegou que em violação dos seus deveres de administração o réu vem praticando, em seu exclusivo benefício, actos lesivos do interesse da sociedade, apropriando-se das rendas e produto da venda da cortiça extraída do prédio rústico denominado (…), que é o único activo da sociedade, imóvel que intentou já vender, tendo igualmente feito seu o sinal recebido do promitente-comprador. Os factos vindos de descrever fazem incorrer o R. em responsabilidade civil nos termos do art.º 72.º do CSC, com a consequente obrigação de indemnizar a (…), SA dos prejuízos sofridos, sendo a presente acção instaurada ao abrigo do preceituado no art.º 77.º do mesmo diploma legal. * Regularmente citado, o R. apresentou contestação, na qual explicou que o prédio denominado (…) foi destacado de um outro, apelidado de Monte dos (…), que adquiriu por herança, à semelhança do que antes ocorrera com o prédio denominado (…), este adquirido pela Sociedade Imobiliária (…), SA, de que o autor é também accionista. Ambos os prédios resultantes das referidas desanexações destinavam-se a ser afectados a um projecto turístico de grande envergadura, tendo sido acordado entre todos os accionistas que a exploração agrícola seria desenvolvida pelo contestante por intermédio da Sociedade Agrícola dos (…), Unipessoal, Lda., revertendo os resultados obtidos em seu proveito conforme vinha ocorrendo desde 1989, e até que fossem vendidos, altura em que o valor da venda seria repartido pelos accionistas como contrapartida dos investimentos realizados. Tal acordo de cavalheiros justifica o silêncio do autor e demais accionistas durante mais de 10 anos, motivando a presente acção o conhecimento de que a sociedade (…), SA – a qual nunca se dedicou à exploração agrícola – enfrenta dificuldades financeiras, actuando o demandante em claro abuso de direito e com a única intenção de obter para si ou para terceiro o controle da sociedade e, consequentemente, do seu valioso activo, o que lhe é vedado pelo disposto no n.º 5 do art.º 77.º do CSC. Tendo impugnado quanto fora alegado pelo autor em suporte dos valores indemnizatórios reclamados, concluiu pela improcedência da acção, tendo ainda requerido que por aquele fosse prestada caução, conforme prevê o citado n.º 5 do art.º 77.º do CSC. * Foi requerida e admitida a intervenção principal provocada da sociedade (…), SA, na sequência do que (…) – que fora citada em representação da chamada – veio aos autos declarar que fazia seus os articulados do autor (cf. fls. 592). Dispensada a realização da audiência prévia, prosseguiram os autos com enunciação dos temas da prova, sem reclamação das partes. Realizou-se audiência de julgamento, no termo da qual foi proferida sentença que, na procedência da acção, condenou o R. “a pagar à Sociedade (…) – Sociedade Imobiliária, S.A. a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença referente à extracção de cortiça e rendas auferidas no âmbito de contrato(s) de arrendamento rural, do imóvel denominado …, (…), desde a constituição da sociedade até à propositura da presente acção, até ao limite máximo do pedido de € 1.000.000,00 (um milhão de euros)”. Inconformado, apelou o R. e tendo desenvolvido em doutas alegações os fundamentos da discordância com o decidido, formulou a final as seguintes conclusões: 1.ª- Em sede de dispositivo, o Douto Tribunal a quo concluiu: “Pelo exposto, julgo a presente acção em que é autor (…) e interveniente principal (…) – Sociedade Imobiliária, S.A., procedente e, em consequência: Condeno o réu a pagar à Sociedade (…) – Sociedade Imobiliária, S.A. a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença referente à extracção de cortiça e rendas auferidas no âmbito de contrato(s) de arrendamento rural, do imóvel denominado …, (…), desde a constituição da sociedade até à propositura da presente acção, até ao limite máximo do pedido de € 1.000.000,00 (um milhão de euros)”. 2.ª O facto dado como provado sob o n.º 31 da Sentença: “O ora Réu, como sócio único da Sociedade Agrícola dos (…), Unipessoal, Lda. e ao mesmo tempo Presidente do Conselho de Administração da (…), Sociedade Imobiliária, SA, desviou as receitas recebidas da exploração do imóvel propriedade da sociedade Serrasul em seu proveito próprio, em detrimento da Sociedade (…)”, consiste numa mera conclusão e não num facto, pelo que deverá tal facto ser retirado da matéria de facto dada como provada. 3.ª Face à prova testemunhal produzida, conjugada com a documentação junta aos autos, devem ser dados como provados os factos julgados não provados sob as als. f), g), h)[1], j), k), l) e m). 4.ª O ora Recorrido litiga em manifesto abuso de direito, proibido pelo art.º 334.º do CC, na forma de venire contra factum proprium. 5.ª Havia um acordo – pelo menos tácito – entre os accionistas da sociedade (…), para que o Recorrente realizasse a exploração agrícola do Imóvel até à respectiva venda. Esta condição era, portanto, bem conhecida dos Accionistas Minoritários, os quais participaram na sociedade única e exclusivamente com vista à realização de um projecto turístico. 6.ª Não se concebe que desde a constituição da sociedade (…) só agora venha o Recorrido colocar em causa a exploração do Imóvel e solicitar uma indemnização pelos montantes associados com a mesma, porquanto tal prática já era bem conhecida do Recorrido desde a data da sua constituição. 7.ª O Recorrente adoptou, ao longo dos anos, uma conduta conciliável com o comportamento activo e omissivo do Recorrido (e do outro accionista minoritário), criando um conjunto de expectativas legítimas. A posição jurídica agora assumida pelo Recorrido é contrária àquela assumida anteriormente, i.e. de permissão e concordância, colocando em causa o equilíbrio jurídico-material nas relações entre Recorrente e Accionistas Minoritários. 8.ª O que o Recorrido pretende é, por caminhos ínvios, obter uma compensação às custas do Recorrente pelo insucesso do projecto imobiliário turístico idealizado pelos accionistas da sociedade (…). Ora, tal circunstância não é certamente atribuível ao Recorrente, sendo que, como accionista maioritário, foi quem mais perdeu com tal insucesso. 9.ª Não obstante a acção ter sido proposta em nome da sociedade (…), a má-fé inerente à actuação abusiva do Recorrido deve comunicar-se à sociedade (…), através da imputação subjectiva de conhecimentos, qualidades ou comportamentos juridicamente relevantes. 10.ª Porquanto, as únicas pessoas que beneficiariam da procedência da presente acção seriam o Recorrido e o outro accionista minoritário que, conjuntamente com o Recorrente, detêm a integralidade do capital social da sociedade (…), uma vez que a sociedade não tem quaisquer dívidas a terceiros. Tal benefício materializar-se-ia em sede de distribuição de lucros e/ou de liquidação. 11.ª De acordo com os critérios gerais para a fixação do valor – aplicáveis in casu –, fixados no artigo 297.º do CPC, o valor da causa corresponde à quantia certa em dinheiro que se pretende obter, a qual deverá equivaler ao montante concreto dos danos alegadamente sofridos, impendendo sobre o Recorrido o dever de indicação do valor da causa. 12.ª Nos termos do artigo 483.º do CC, a responsabilidade civil por factos ilícitos depende de uma actuação com dolo ou mera culpa, ilícita, que resulte em danos concretos, contando que exista nexo de causalidade entre a actuação e os danos, cabendo ao pretenso lesado provar os pressupostos constitutivos de tal responsabilidade, enquanto factos constitutivos do direito que alega, competindo-lhe o ónus de alegação e prova desses mesmos factos incluindo, obviamente, a extensão dos danos sofridos e o cálculo do valor monetário destes. 13.ª O ora Recorrido limitou-se, em sede de petição inicial, a requerer a condenação do R., ora Recorrente, a indemnizar directamente a sociedade (…) “em montante a fixar, mas nunca inferior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros)”, sem especificar o valor da causa, o qual se quer certo e determinado, e sem pedir qualquer tipo de prova, e.g. prova pericial ou inspecção judicial, que permitisse calcular a extensão e o valor dos danos alegados. 14.ª No presente caso não se esgotaram os meios processuais ao dispor do Recorrido para a determinação do montante dos danos por si alegados. 15.ª O Recorrido peticiona uma indemnização não inferior a EUR 1.000.000,00 (um milhão de euros), a qual corresponde, na sua óptica, essencialmente, ao montante das: - Rendas recebidas decorrentes de contrato de arrendamento e exploração agrícola e outras receitas consequentes da exploração do Imóvel; e - Receitas recebidas em resultado da venda da cortiça extraída do Imóvel. 16.ª Entende o ora Recorrente que a condenação imposta pelo Tribunal a quo não é passível de ser fixada com recurso à liquidação em execução de sentença, uma vez que os valores supra identificados poderiam ter sido quantificados – e provados – em sede de audiência de julgamento, mediante recurso, nomeadamente, à prova pericial ou inspecção judicial. 17.ª A admitir-se uma condenação nestes termos, premiar-se-ia a inércia processual do Recorrido, que lançou mão de um enquadramento factual vago, impreciso e inexacto, sem, desde logo, ter quantificado e provado os alegados danos, conforme lhe cabia à luz do princípio do dispositivo – princípio basilar do processo...

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