Acórdão nº 2468/15.1T8CHV-A.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelPEDRO DE LIMA GONÇALVES
Data da Resolução26 de Março de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, I. Relatório 1.

O Executado Município de --- deduziu oposição, pelos presentes embargos, à execução comum, para pagamento de quantia certa, que lhe move a Santa Casa da Misericórdia de ---, alegando, em síntese, que o “Protocolo” dado à execução não constitui título executivo, consubstanciando apenas uma promessa de doação, a qual deve ser considerada revogada pelo menos desde finais de 2013, e, por outro lado, estão feridas de ilegalidade as deliberações que sustentaram a referida promessa, e não foi colhido o visto prévio do Tribunal de Contas.

  1. A Exequente contestou a oposição defendendo a exequibilidade do referido Protocolo já que se encontra elaborado e foi assinado a coberto das deliberações dos órgãos municipais respetivos – Câmara Municipal e Assembleia Municipal – que o aprovaram, ficando, assim, o Município constituído na obrigação de o cumprir.

    Mais alega que o próprio Executado, já após o novo executivo camarário estar em funções, reconheceu a existência da dívida e a validade implícita do protocolo de cooperação celebrado, reconhecendo, através de carta assinada pelo Sr. Presidente da Câmara, o débito relativo aos anos de 2013 e 2014.

  2. Realizou-se a audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou improcedentes os embargos, determinando, consequentemente, o prosseguimento da execução.

  3. Não se conformando com esta decisão, o Embargante/Executado interpôs recurso de apelação.

  4. O Tribunal da Relação de --- veio conceder provimento ao recurso, revogando a decisão impugnada, julgaram “procedente a excepção dilatória de incompetência material da Secção de Execução da comarca de ---, absolvendo o Apelante da instância executiva.

  5. Inconformada com tal decisão, a Exequente/Embargado Santa Casa da Misericórdia de --- interpôs recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões: 1ª. O pedido na presente ação traduz-se na pretensão de pagamento do que é devido à Requerente/ Exequente, 2ª. Tal pedido assenta no incumprimento de um Protocolo ou Contrato, celebrado entre ambas as partes com obrigações recíprocas, sinalagmáticas, e em que uma das partes cumpriu e outra não.

    1. Relação jurídica estabelecida no âmbito do direito privado e por ele regulada.

    2. A qualidade pública de um dos intervenientes no contrato ou acordo, só por si, não define nem impõe qual o tipo de contrato/protocolo celebrado e muito menos qual a jurisdição que a regula, nas suas relações diversificadas.

    3. A relação jurídica em causa nestes autos, tal como configurada pela exequente, e, resultante do protocolo/contrato celebrado entre a exequente e o executado é regulada, pelo Direito Civil e não pelo Direito Administrativo.

    4. Todas as obrigações, recíprocas, que resultam do documento em causa são reguladas pelo Direito Civil, donde resultam os direitos e deveres de cada uma delas.

    5. "Segundo FREITAS DO AMARAL, relação jurídico-administrativa é "aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a Administração".

      Independente da disputa doutrinal em torno do conceito de relação jurídica administrativa a que os artigos 212º., nº.

      3, da CRP e 1º.

      do ETAF fazem apelo a Jurisprudência tem vindo sobretudo a decidir as questões concretas que lhe têm sido colocadas a propósito da delimitação de competências dos Tribunais para ações relativas a contratos (que são as que neste momento nos importam) por referência às normas insertas nas alíneas b).

      e) e f) do nº.1 do artigo 4 do ETAF, que são as que ali expressamente a tais litígios [vide, designadamente, os Acórdãos do Tribunal de Conflitos de 09-12-2010, Proc. 20/10; de 16-09-2010, Proc. 13/09; de 09-06-2010, Proc.

      5/10; de 25-11-2010, Proc.

      21/10].

      E com efeito, é ao abrigo das normas específicas insertas nas alíneas b), e) e f) do n°1 daquele artigo 4° do ETAF que devem ser resolvidas as questões da delimitação da competência dos Tribunais Administrativos no que respeita a ações relativas a contratos sempre que se esteja perante situação por elas abrangidas. Na verdade, é na área dos litígios relativos a contratos (e através daquelas normas) que sobretudo se operam os maiores desvios ao critério material (geral) de delimitação da competência dos Tribunais Administrativos vertido no artigo 212º., nº.

      3, da CRP e acolhido no n.

      °1 do artigo 4° do ETAF. " 8ª. Estando nós perante uma relação jurídica regulada pelo direito civil, é nosso entendimento que serão os Tribunais Judiciais os competentes para em razão da matéria, decidirem o litígio.

    6. Uma interpretação literal do artigo 4° nº.1 aI. e) do ETAF, levaria á conclusão de que todos os litígios eventualmente resultantes da celebração de um contrato privado, mesmo sem intervenção de entidades públicas, mas em que sejam exigidos ou efetuados procedimentos pré-contratuais públicos (ex. concurso público) teria de ser submetido à apreciação dos Tribunais Administrativos.

    7. No caso dos autos, para celebração daquele contrato, cuja validade não está em causa, repete-se, não foram nem tinham de ser, era mesmo impossível serem realizados procedimentos pré-contratuais que não são exigidos por lei específica ou geral.

    8. Estamos perante um contrato de direito privado, sujeito às normas do direito civil, em que interveio uma entidade da administração local desprovida de qualquer autoridade de direito público ou das prerrogativas que a sua qualidade de entidade pública lhe confere.

    9. A exequente pretende tão só a cobrança de uma dívida da Câmara Municipal.

    10. 0 contrato não foi precedido de quaisquer formalidades pré-contratuais. nem tinha de ser, pelo que a mera possibilidade de a sua celebração poder ser precedida por um procedimento pré-contratual público, conduziria "lato sensu" ao desvio de todos os litígios relativos à interpretação, validade e execução dos contratos que são puramente civis dos tribunais judiciais para os tribunais administrativos. Solução que ademais não se acha conforme à opção constitucional já referida supra de submeter à apreciação dos Tribunais Administrativos, exclusivamente, a matéria administrativa, e, deixando a competência geral para os Tribunais Judiciais. 14ª. A correta interpretação do artigo 4° nº.1 aI. e) do ETAF, em conjugação com o artigo 211º. nº.1 e 212º. nº.3 da Constituição e artigo 1° do ETAF, impunha decisão diversa da constante no douto Acórdão em crise, reconhecendo que aos Tribunais Judiciais compete apreciar o litígio.

    11. O Tribunal "a quo" não ponderou, a falta de meios nos Tribunais Administrativos, em sede executiva, para efetivação de ações executivas previstas e reguladas no Código de Processo Civil, (artigo 157 nº. do CPTA) como é o caso dos autos, não lhe competindo dar execução a contratos e sua efetivação.

    12. Diferente seria se, por acaso houvesse alguma decisão praticada pelo Executado que alterasse o contrato celebrado, denunciando-o, revogando-o, alterando-o, enfim manifestando de alguma forma vontade contrária ao seu conteúdo.

    13. Independentemente dos intervenientes nesse contrato, para esse objetivo, são competentes os Tribunais Judiciais e não os Administrativos.

    14. Compete aos tribunais administrativos e fiscais o conhecimento das ações que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas.

    15. O conceito de relação jurídica administrativa é decisivo para determinar a repartição de competências entre os Tribunais Administrativos e os Tribunais Judiciais, na medida em que essa repartição se faz em função do litígio cuja resolução se pede, emergir, ou não, de uma relação jurídica administrativa.

    16. O conceito de relação jurídica administrativa é erigido tanto na Constituição como na lei ordinária em pedra angular para a repartição da jurisdição entre os tribunais administrativos e os tribunais judiciais.

    17. À míngua de definição legislativa do conceito de relação jurídica administrativa, deverá esta ser entendida no sentido tradicional de relação jurídica regulada pelo direito administrativo, com exclusão, nomeadamente, das relações de direito privado em que intervém a Administração.

    18. Uma relação jurídica administrativa deve ser uma relação regulada por normas de direito administrativo que atribuam prerrogativas de autoridade ou imponham deveres, sujeições ou limitações especiais, a todos ou a alguns dos intervenientes, por razões de interesse público, que não se colocam no âmbito de relações de natureza jurídico- privada." 23ª. Ao assim não decidir o Venerando Tribunal da Relação de --- violou o disposto nos artigos 211° nº.1 e 212 nº.3 da CRP, e artigos 1° n01 e 4° al. e) do ETAF, pelo que o douto Acórdão em crise deverá ser substituído por outro que considere o Tribunal de Execução de --- competente para o litígio e prosseguindo o processo seus trâmites até final, fundando-se o presente recurso no estatuído nos artigos 674 no1 al. a) e 671 nº1 do C.P.Civil.

  6. Não foram apresentadas contra-alegações.

  7. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

    1. Delimitação do objeto do recurso...

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