Acórdão nº 877/18.3YRLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelFÁTIMA GOMES
Data da Resolução26 de Março de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1. AA, Lda, em Março de 2016, apresentou petição inicial em Tribunal Arbitral, contra a BB, S.A.

, na qual alega, muito resumidamente, que: em 3/01/2003, as sociedades CC e BB celebraram com as sociedades DD e AA um contrato de consórcio, relativo a um empreendimento imobiliário na ..., figurando a BB como promotora investidora e a AA como promotora imobiliária; a BB, detida pela CC, pertencente ao sector público, era a dona dos terrenos; a AA, do grupo DD, dispondo de larga experiência no campo da urbanização, forneceria o know-how, a capacidade humana, a consultoria; a BB suportaria as despesas, repartindo-se os lucros nos termos da cláusula 9.ª do contrato. O contrato foi sendo executado até que, em 1 de Junho de 2015, a BB invocou a cessação do contrato pelo decurso do prazo. Entende a demandante que não ocorreu a invocada caducidade, pelo que a declaração da demandada deve ser havida como uma resolução sem justa causa, o que a obriga a indemnizar os prejuízos havidos.

Termina pedindo que a acção seja julgada procedente por provada e, em consequência: a) Declarada ilícita a declaração de caducidade do contrato de consórcio efectuada pela demandante por carta datada de 8 de Abril de 2015; b) Declarada a cessação do contrato de consórcio celebrado entre as partes em 8 de Janeiro de 2003, por efeito de resolução sem justa causa operada por via da declaração efectuada pela BB por cartas datadas de 8 de Abril e 24 de Junho de 2015; c) Declarado o incumprimento do contrato de consórcio decorrente da fusão por incorporação da CC, SA na sociedade EE, SA e pela projectada fusão da BB, SA na FF, SA; d) Caso o tribunal não considere ter o contrato cessado por resolução da demandada, a demandante requer, subsidiariamente, que seja apreciado o direito que lhe assiste à resolução do contrato fundado na quebra de confiança decorrente do incumprimento do contrato pela demandada e, caso conclua pela verificação de tal direito, declare resolvido o contrato, com justa causa; e) Em qualquer caso, seja condenada a demandada a pagar à demandante a quantia de € 148.181.841 (cento e quarenta e oito milhões, cento e oitenta e um mil, oitocentos e quarenta e um euros), acrescida de juros à taxa supletiva legal aplicável às operações comerciais, a contar desde a data de entrada em juízo da acção até integral e efectivo pagamento.

  1. A demandada contestou, impugnando parte dos factos que sustentam os pedidos, nomeadamente os que se prendem com incumprimentos da sua parte, e invocando, ainda, que a demandante, em 13 anos, não concluiu a fase de implementação dos estudos urbanísticos (a primeira fase) e nada foi aprovado, nem há expectativas de vir a sê-lo, não obstante o apoio que a demandada sempre deu à demandante. Contesta as avaliações da demandante, contrapondo-lhe as suas. Segundo entende, o prazo de 10 anos fixado no artigo 11, n.º 2, do DL 231/81, de 28 de Julho, não foi afastado pelas partes, pelo que o contrato teria caducado em 2013. Mais entende que, na falta de caducidade, a apresentação da GG, S.A. (anteriormente denominada DD), indirectamente detentora da demandante e parte no contrato de consórcio, a processo especial de revitalização (PER), seria fundamento de resolução com justa causa. Configura, ainda, um direito a denunciar o contrato.

    Termina concluindo que a demandante não só não tem direito à indemnização por não estarem preenchidos os pressupostos da ilicitude e da culpa, de que depende a mesma, como não demonstrou a existência de quaisquer danos, presentes ou futuros, causados pela demandada, pedindo que se reconheça que o contrato se extinguiu por caducidade devido ao decurso do prazo legal em 8/1/2013; caso assim não se entenda, que se qualifiquem as comunicações de 8/5/2015 e 24/6/2015 como uma resolução lícita do contrato; ou, ainda subsidiariamente, que se qualifiquem as comunicações de 8/5/2015 e 24/6/2015 como uma denúncia válida e eficaz do contrato, julgando-se, em qualquer caso, a ação totalmente improcedente e condenando a demandante no pagamento dos honorários e despesas despendidos pela demandada com esta acção.

    Juntou um parecer do Prof. Doutor José Engrácia Antunes.

  2. O processo seguiu os seus termos, houve réplica, outros requerimentos, despachos e diligências preliminares.

    Após julgamento foi proferida sentença arbitral que assim terminou: “I.

    Pelo exposto, acordam os árbitros: a) Em julgar improcedente a invocação da caducidade do contrato de 8 de janeiro de 2003 ou, em qualquer caso, em considerar que o mesmo se prorrogou por condutas concludentes de ambas as partes; b) Em julgar irrelevantes as alterações subjectivas verificadas na Demandada; c) Em subscrever o entendimento de que um PER não equivale a uma concordata, para efeitos de aplicação do artigo 10.º/2, a), do Decreto-Lei n.º 231/81; d) Em considerar subsistente o contrato de consórcio de 8 de Janeiro de 2003; e) Em julgar que o mesmo não foi cumprido pela Demandada, tendo sido correctamente resolvido pela Demandante.

    II.

    Mais decidem os árbitros: f) Que o não-cumprimento do contrato não ocasionou danos emergentes pedidos (e provados) mas antes g) Que desse não-cumprimento resultaram lucros cessantes provados de aproximadamente € 79.767.000,00.

    h) Que essa cifra, descontados os custos contratualmente assumidos pela Demandada e feita a distribuição clausulada, dá lugar a uma indemnização de € 2.025.000,00.

    III.

    Termos em que julgam a presente acção parcialmente provada e procedente, condenando-se a Demandada numa indemnização de € 2.025.000,00, acrescida de juros, à taxa legal, contados a partir da notificação do presente acórdão.

    IV.

    Mais decidem os árbitros, uma vez que ambas as partes agiram com total correcção, não sendo individualmente responsabilizáveis pela presente acção, repartir igualmente as custas do processo por ambas. As correspondentes quantias foram já pagas, pelo que nada mais é devido.

    V.

    Pela mesma ordem de razões, cada parte pagará ao seu ilustre e respectivo Mandatário.” 4.

    Não se conformando com a decisão, ambas as partes interpuseram recurso de apelação para o TR de Lisboa que, conhecendo, decidiu: “Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação da BB e improcedente a apelação da AA, revogando o acórdão arbitral e absolvendo a BB do pedido.

    Custas pela AA (na Relação e em 1.ª instância, sendo de considerar os n.ºs 4 e 5 do art. 17 do Regulamento do Tribunal Arbitral).” A parte dispositiva foi antecedida da seguinte síntese fundamentadora: “O caso foi julgado em 1.ª instância por tribunal arbitral ao abrigo de convenção de arbitragem acordada em Janeiro de 2003, quando vigorava a LAV-1986, que permitia que da decisão arbitral fossem interpostos para o tribunal da relação os mesmos recursos que caberiam da sentença proferida pelo tribunal de comarca, a menos que as partes tivessem renunciado aos recursos ou autorizado os árbitros a julgarem segundo a equidade, o que no caso não fizeram.

    Quando o processo arbitral foi iniciado corria o ano 2015 e estava em vigor a Lei da Arbitragem Voluntária aprovada pela Lei 63/2011, que, apesar de estabelecer regras de recurso mais restritivas, ressalvou os recursos permitidos à data da celebração de convenções arbitrais anteriores, mantendo em tal caso as partes o direito aos recursos que caberiam da sentença arbitral, nos termos do artigo 29 da velha LAV-1986.

    Em Janeiro de 2003, vigorava o velho Código de Processo Civil na redacção do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, já com várias alterações, mas na versão imediatamente anterior à introduzida pelo DL 38/2003, de 8 de Março, que admitia a modificação da decisão de facto pela Relação nos termos definidos pelo então art. 712 e desde que o recorrente cumprisse as regras impostas pelo art. 690-A, o que as recorrentes fizeram, pelo que a prova foi reapreciada.

    As alterações introduzidas na decisão de facto foram pontuais, muitas delas resultantes de acordo entre as partes, e não foram decisivas para a decisão final destes recursos.

    Consórcio é o contrato pelo qual duas ou mais pessoas, singulares ou colectivas, que exercem uma actividade económica se obrigam entre si a, de forma concertada, realizar certa actividade ou efectuar certa contribuição com um (ou mais) dos seguintes fins: a) realização de actos preparatórios de um determinado empreendimento ou de uma actividade contínua; b) execução de determinado empreendimento; c) fornecimento a terceiros de bens, iguais ou complementares entre si, produzidos por cada um dos membros do consórcio; d) pesquisa ou exploração de recursos naturais; e/ou e) produção de bens que possam ser repartidos, em espécie, entre os membros do consórcio.

    O objecto imediato do contrato de consórcio não se reduz à realização de uma actividade ou à efectivação de uma contribuição, nem sequer à realização concertada de uma actividade ou à efectivação concertada de uma dada contribuição; o objecto imediato do consórcio é complexo e exige a realização concertada de uma actividade ou a efectivação concertada de contribuições para um dos mencionados fins.

    As actividades que o contrato de consórcio tem por objecto podem ser: i) contínuas ou reiteradas (fornecimento de bens a terceiros, pesquisa ou exploração de recursos naturais, produção de bens que possam ser repartidos em espécie entre os membros do consórcio); ou ii) actividades delimitadas pela consecução de um dado resultado (realização de actos, materiais ou jurídicos, preparatórios, quer de uma actividade contínua quer de um determinado empreendimento, e execução de determinado empreendimento).

    No primeiro caso, por força do disposto no art. 11, n.º 2, da LCC, o consórcio extinguir-se-á decorridos dez anos sobre a data da sua celebração, sem prejuízo de eventuais prorrogações expressas, a menos que as partes tenham fixado ab initio prazo mais longo.

    No segundo caso, o consórcio extingue-se pela realização do seu objecto ou por este se tornar impossível...

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