Acórdão nº 38/18.1GAVNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelARMANDO AZEVEDO
Data da Resolução11 de Março de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I- RELATÓRIO*** 1.

No processo comum com intervenção de tribunal singular nº 38/18.1GAVNF do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Criminal de Vila Nova de Famalicão, Juiz 3, em que em que é arguido P. M., com os demais sinais nos autos, por sentença lida e depositada em 28.09.2018 foi decidido [transcrição]: Pelo exposto, decide este Tribunal julgar a acusação procedente, por provada e, em consequência, condenar o arguido P. M.

pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art. 292°, n.º 1, do Código Penal, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de €7,OO.

Mais vai o arguido condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 07 meses, pela prática do citado crime conforme o disposto no art.º 69.°, nº 1, aI. a) do Código Penal.

Condenado ainda em 02 Uc de taxa de justiça e demais custas criminais do processo.

  1. Não se conformando com a mencionada decisão, dela interpôs recurso o arguido, formulando as seguintes conclusões [transcrição]: I) O objecto do processo é o objecto da acusação, no sentido de que é esta que fixa os limites da actividade cognitiva e decisória do tribunal, ou, noutros termos, o thema probandum e o thema decidendum.

    II) Nos presentes autos, a acusação refere que o arguido foi submetido a exame de pesquisa de álcool no sangue, apresentando uma taxa de álcool no sangue de (TAS) registada de 3,55g/l correspondente a uma (TAS) de 3,10 g/l deduzido o valor máximo de erro admissível.

    III) Porém, a mesma acusação refere que no dia, hora e local em causa, o arguido conduzia um veículo automóvel, tendo sido interveniente em acidente de viação.

    IV) O tribunal ao analisar os documentos constantes dos autos e ao apreciar o depoimento da testemunha apenas teve em conta o resultado do exame de recolha de sangue efectuado ao arguido.

    1. Não teve em conta as circunstâncias em que o exame foi realizado ao arguido, designadamente, no que concerne à impossibilidade de ao mesmo ser feito o exame de ar expirado e, ainda, se ao arguido foi ou não dado a conhecer o fim a que tal exame se destinava e que poderia recusar-se a realizar tal exame.

      VI) O depoimento da testemunha A. L.

      depoimento, prestado na sessão de audiência de julgamento do dia 25 de Setembro de 2018, registado, conforme acta de audiência de julgamento, em sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal em arquivo próprio da Secção de Processos, gravado em E:\20180925142645_5591955_2870596.html, Sistema Áudio, com início às 14:37h e fim às 14:41h - resultando do mesmo, em síntese, a matéria transcrita em sede de alegações, para as quais se remete, não suficiente para que o tribunal possa dar como provada a matéria constante do ponto 2, 3, 4 e 5 dos factos provados.

      VII) Pois, ao contrário do que consta da motivação da douta sentença, o exame de colheita de sangue que foi feito ao arguido, não foi realizado em conformidade com o Código da Estrada e por isso não é válido.

      VIII) Quer da análise do auto de notícia, de fls. 3, quer do depoimento da testemunha A. L.

      , que no essencial confirma o teor do auto de notícia, verifica-se que não resulta provada a factualidade de que o arguido conduzia com uma taxa de álcool de 3,10 g/l.

      IX) A determinação da taxa de alcoolemia de que o arguido era portador foi obtida mediante exame ao sangue.

    2. Contudo, resultando da fundamentação da matéria de facto que a testemunha, agente da G.N.R. confirmou o conteúdo do auto de notícia, necessário se torna apurar em que circunstâncias foi realizado o exame de colheita de sangue.

      XI) Quer do auto de notícia quer do depoimento da testemunha não resulta qualquer prova no sentido de que o arguido se encontrava impossibilitado de realizar qualquer outro teste de despistagem, que não o de recolha de sangue.

      XII) Do depoimento da testemunha é possível concluir, com toda a certeza, que o estado de saúde do arguido não era impeditivo da realização do exame através de ar expirado.

      XIII) Pois, se arguido realizou o teste qualitativo, não se vislumbra de que forma o estado de saúde do arguido não lhe permitia efectuar o exame por ar expirado, do teste quantitativo.

      XIV) O simples facto de o arguido estar no hospital não era motivo para que ao arguido não fosse feito o exame de ar expirado.

      XV) Assim, da prova produzida em sede de audiência e discussão de julgamento seria possível dar como provado, apesar de não constar da acusação deduzida pelo Ministério Público o seguinte: “O estado de saúde do arguido permitia a realização do teste de alcoolemia, teste quantitativo, o que não foi feito”.

      XVI) Por outro lado, atenta a prova produzida em sede de audiência e discussão de julgamento devia o tribunal na secção dos factos não provados incluir a matéria erradamente dada como provada nos pontos 3, 4 e 6.

      XVII) Tendo ocorrido acidente de viação, prescreve o artigo 156º, nº 1 e 2 do Código da Estrada que: “1 – Os condutores e os peões que intervenham em acidente de trânsito devem, sempre que o seu estado de saúde o permitir, ser submetidos a exames de pesquisa ao álcool no ar expirado, nos termos do artigo 153º.Quando não tiver sido possível a realização do exame referido no número anterior, o medico do estabelecimento oficial de saúde a que os intervenientes no acidente sejam conduzidos deve proceder à colheita de amostra de sangue para posterior exames de diagnóstico do estado de influência pelo álcool e ou por substâncias psicotrópicas.” XVIII) Dado o enquadramento legal já aludido, a acusação tinha obrigatória e expressamente de referir, os motivos pelos quais não foi possível realizar o exame de ar expirado, designadamente, que o mesmo não teria sido possível atento o estado de saúde incapacitante do arguido.

      XIX) Em sede de julgamento, o Tribunal está adstrito ao objecto fixado pela acusação, estando-lhe vedada a possibilidade de promover uma alteração substâncial dos factos, excepto nos termos do disposto nos artigos 359º e 358º, respectivamente, do Código do Processo Penal, o que in casu não se verificou.

      XX) A sentença recorrida ao motivar “que o arguido, em declarações, prestadas em sede de audiência e discussão de julgamento, referiu que em consequência do mencionado acidente ficou encarcerado no interior do seu veículo, sofrendo dores ao nível da cabeça e da coluna que motivaram a sua assistência hospitalar. Por último, asseverou ter efectuado o teste no ar expirado já no interior da ambulância, que nunca lhe foi transmitido o resultado e que apenas foi informado que a recolha de sangue efectuada na mencionada entidade hospitalar era para efeitos clínicos ”.

      XXI) A sentença parte de um facto supostamente conhecido que o arguido não podia desconhecer o regime legal da proibição de condução sob o efeito de álcool nem o regime normativo que leva à recolha de sangue, quando não é possível proceder à recolha pelo método de aspiração.” XXII) Por outro lado, tratando-se de condutor com lesões leves, como resulta das declarações prestadas pelo arguido e como se descreve no auto de participação de acidente de fls. 9, podia e devia ter sido realizado o exame TAS por ar expirado.

      XXIII) As declarações do arguido não foram no sentido apontado na supra referida motivação da sentença com se alcança das passagens da gravação das suas declarações registadas entre as 14:26h e as 14:36h.

      XXIV) Em caso de acidente de trânsito, o legislador impõe que seja fiscalizada a presença de álcool nos respectivos intervenientes, devendo tal efectuar-se através de exame de pesquisa de álcool no ar expirado e, caso este não seja possível, através de pesquisa de álcool no sangue ou, na impossibilidade deste, mediante exame médico.

      XXV) No caso de ter sido efectuado exame de sangue, a legalidade da prova só fica demonstrada se da matéria de facto for possível concluir que tal exame ocorreu por não ter sido possível a realização da pesquisa de álcool no ar expirado.

      XXVI) Estamos no domínio da legalidade da prova e a falta de cumprimento dos trâmites legais não é susceptível de sanação, o que significa que a falta de documentação da legalidade não pode corresponder à legalidade do meio de prova, sendo sempre necessário que o processo documente essa legalidade – ex vide Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19.10.2010, Processo n.º 178/09.8GCAGD.C1, in www.dgsi.pt/jtrc.

      XXVII) Na verdade, também como resulta da interpretação feita pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 479/2010, que ao condutor, sujeito à colheita de sangue nos termos e para os efeitos previstos no artigo 156º, nº 1 e 3 do Código da Estrada, é possível a recusa, a qual configura a prática de crime de desobediência nos termos do artigo 153º, nº 2 do Código da Estrada.

      XXVIII) Ora, in casu a legalidade da prova não se encontra devidamente provada.

      XXIX) Da decisão recorrida decorre tão-só que o Arguido «foi interveniente em acidente de viação» e que foi efectuado ao Arguido «um exame de pesquisa de álcool no sangue.

      XXX) Não resulta, contudo, qualquer facto que permita concluir se tal exame de sangue ocorreu «por não ter sido possível a realização» de «exame de pesquisa de álcool no ar expirado».

      XXXI) O apuramento daquela matéria constitui elemento pertinente à validação do exame de sangue realizado, na medida em que apenas a impossibilidade de realização de exame de pesquisa de álcool no ar expirado torna válido e, por isso, eficaz, o respectivo exame de sangue, determinando a condenação do Arguido- ex vide Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 17-12-2013, Processo nº 1135/11.0GBMR.G1, in www.dgsi.pt/jtrg.

      XXXII) Acresce ainda que do Auto de Notícia de fls. 3 dos autos consta que «foi efectuada a recolha de sangue» ao Arguido porque o mesmo «estava a receber tratamento médico».

      XXXIII) Estando em causa uma invasão da integridade física do arguido e uma...

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