Acórdão nº 1733/15.2T8STS-B.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 21 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Data da Resolução21 de Fevereiro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso de Apelação ECLI:PT:TRP:2019: Proc n.º 1.733/15.2T8STS-B.P1* Sumário:....................................................

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*Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:I. Relatório:A administradora da insolvência de B…, Lda.

apresentou parecer sobre a qualificação da insolvência sustentando o seu carácter culposo da insolvência e indicando como pessoas a afectar pela qualificação a devedora e os gerentes C…, D… e E….

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B] da matéria de direito:Na parte que interessa para a apreciação do recurso, na decisão recorrida a insolvência foi qualificada como culposa com base na seguinte fundamentação: «Dos factos provados o que salta à vista é a alienação, em Outubro de 2013, da globalidade dos elementos patrimoniais da empresa, a favor da sociedade F…, Lda., pelo valor facturado de 120.556,40€. Isto numa altura em que já não tinha trabalhadores, transferidos num dos dois meses anteriores para a mesma empresa.

Verificou-se, aqui, um esvaziamento completo da insolvente. Logicamente, sem bens nem trabalhadores não poderia gerar receitas. Ficou impossibilitada de pagar as dívidas. A alienação do activo a uma empresa terceira, que tem uma sócia comum à insolvente, constitui uma disposição dos bens em proveito de terceiro. O que preenche a hipótese da alínea d), do nº 2: Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros.

Não se diga contra esta conclusão que não houve proveito porque a adquirente, a F…, era também credora da insolvente. O proveito existiu porque a F… não teve que concorrer com os demais credores para satisfazer os seus créditos. Em especial com a Irmãos Peixoto, à data já credora por créditos já vencidos. Ora, se tivesse que vir ao processo de insolvência reclamar os seus créditos, a probabilidade de os satisfazer na medida em que foram satisfeitos seria, naturalmente, inferior. E, por isso, se entende que se verifica a previsão da alínea d).» Para fundamentar a afectação do ora recorrente por essa qualificação da insolvência, escreveu-se: «Também D… será afectado. Pois, ele era o gerente da F…, a empresa que adquiriu o activo da insolvente. E foi gerente desta até Setembro de 2013. No mês anterior ao negócio. Está, por conseguinte, ligado directamente a este negócio.» O recorrente discorda desta solução jurídica e defende que não estão provados factos para preencher a previsão da alínea d) do n.º 2 do artigo 186.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, que não sendo ele mais gerente da insolvente não pode ser afectado, que não se provou o valor dos bens transferidos para a outra sociedade e, por fim, que a massa já foi indemnizada em virtude da transacção lavrada no apenso de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente.

Quid iuris?[1] Com a declaração de insolvência, abre-se oficiosamente um incidente tendente à obrigatória qualificação da insolvência como culposa ou fortuita (artigos 185.º e 189.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março).

A insolvência pode ser qualificada como fortuita ou como culposa (artigo 185.º do CIRE). Uma vez que a lei apenas define os pressupostos da insolvência culposa, por exclusão de partes se não for culposa a insolvência é fortuita.

O artigo 186.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas estatui o seguinte: «1- A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.

2 - Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham: a) Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor; b) Criado ou agravado artificialmente passivos ou prejuízos, ou reduzido lucros, causando, nomeadamente, a celebração pelo devedor de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com eles especialmente relacionadas; c) Comprado mercadorias a crédito, revendendo-as ou entregando-as em pagamento por preço sensivelmente inferior ao corrente, antes de satisfeita a obrigação; d) Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros; e) Exercido, a coberto da personalidade colectiva da empresa, se for o caso, uma actividade em proveito pessoal ou de terceiros e em prejuízo da empresa; f) Feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse directo ou indirecto; g) Prosseguido, no seu interesse pessoal ou de terceiro, uma exploração deficitária, não obstante saberem ou deverem saber que esta conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência; h) Incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor; i) Incumprido, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração até à data da elaboração do parecer referido no n.º 2 do artigo 188.º 3 - Presume-se a existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular tenham incumprido: a) O dever de requerer a declaração de insolvência; b) A obrigação de elaborar as contas anuais, no prazo legal, de submetê-las à devida fiscalização ou de as depositar na conservatória do registo comercial.» De acordo com este preceito, a insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.

São assim pressupostos desta qualificação da insolvência (i) uma conduta do devedor (ou dos seus administradores, de facto ou de direito), (ii) ocorrida nos três anos anteriores ao início do processo, (iii) que seja dolosa ou com culpa grave e (iv) tenha criado ou agravado a situação de insolvência.

Segundo Alexandre de Soveral Martins, in Um curso de direito da insolvência, 2016, 2.ª edição revista e actualizada, pág. 404, “considera-se culposa a insolvência se a situação (de insolvência) foi «criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, de devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência» (artigo 186.º, 1). Assim, a lei exige que esteja em causa um comportamento de certos sujeitos (o devedor ou os seus administradores, de direito ou de facto), a existência de dolo ou culpa grave, uma relação causal entre aquele comportamento e a criação ou agravamento da situação de insolvência e, por fim, que o comportamento tenha lugar dentro de um certo lapso de tempo (nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência). A situação de insolvência pode ter sido criada sem que existisse culpa mas pode ter havido culpa no agravamento da situação de insolvência. Em ambos os casos a insolvência pode ser qualificada como culposa.” A este propósito assinalou-se no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12.10.2010, relatado por Cecília Agante, no processo n.º 243/09.1TJPRT-G.P1, in www.dgsi.pt, que “o que se qualifica é o comportamento do devedor na produção ou agravamento do estado de insolvência, de modo a que se averigúe se existe, à luz da teoria da causalidade adequada, um nexo de causalidade entre os factos por si cometidos ou omitidos e a situação de insolvência ou o seu agravamento, e o nexo de imputação dessa situação à conduta do devedor, estabelecido a título de dolo ou culpa grave. Dolo que, enquanto conhecimento e vontade de realização do facto em causa, pode revestir-se das modalidades de directo, necessário e eventual. Culpa, (stricto sensu) quando o autor prevê como possível a produção do resultado, mas por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria crê na sua não verificação e não toma as providências necessárias para o evitar. Este é o recorte da culpa consciente, já que na culpa inconsciente se enquadram as situações em que o agente, por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, não chega sequer a conceber a possibilidade do facto se verificar, podendo e devendo prevê-lo e evitar a sua verificação, se usasse da diligência devida. Estes os termos em que devem ser entendidas estas noções usadas pelo CIRE (artigo 186º, 1). Nada dispondo em particular sobre essa matéria, tais conceitos devem ser entendidos nos termos gerais do Direito. E, por isso, também repescada a tese da culpa em abstracto consagrada no Código Civil, apreciada pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (artigo 487º, 2). A norma exige, no entanto, a culpa grave, traduzida em não fazer o que faz a generalidade das pessoas, em não observar os cuidados que todos, em princípio, observam, contraposta à culpa leve, vertida na omissão da diligência normal, e à culpa levíssima, correspondente à omissão de cuidados especiais que só as pessoas mais prudentes e escrupulosas observam».

O n.º 2 do artigo 186.º acrescenta que se considera...

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