Acórdão nº 472/14.6TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelFÁTIMA GOMES
Data da Resolução19 de Março de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1.

AA, S.A.

, veio propor, em 21.3.2014, contra BB, S.A.

, acção declarativa comum, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 45.520,80, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados desde a citação e até integral pagamento.

Alega, para tanto e em síntese, que celebrou com CC um contrato de seguro do ramo multirriscos habitação que incluiu, designadamente, a cobertura de incêndio, assumindo, por essa via, a responsabilidade por danos emergentes de sinistros ocorridos na fracção sita na ...., em Lisboa. Mais refere que, no dia 9.1.2012, ocorreu um incêndio na aludida fracção, na zona da chaminé das lareiras, o qual se propagou para a estrutura superior da chaminé e cobertura do imóvel. Diz que tal incêndio teve origem no tubo de exaustão do recuperador de calor, sendo a única e exclusiva responsável pela verificação do sinistro a Ré que, tendo remodelado a fracção, violou as mais elementares normas técnicas, bem como as especificações técnicas dos equipamentos utilizados. Refere que do referido evento resultaram danos para o proprietário do imóvel cujo custo de reparação a A. suportou por força do contrato de seguro, ficando sub-rogada no direito do tomador em obter da Ré o respectivo pagamento.

  1. Contestou a Ré, impugnando a factualidade alegada e sustentando, no essencial, que não pode ser responsabilizada pela ocorrência do referido incêndio uma vez que se disponibilizou para a rectificar os eventuais defeitos nos trabalhos por si realizados no âmbito do contrato de empreitada que celebrou com o dono da obra/tomador do seguro, sendo este último quem nunca permitiu o seu regresso à obra para tal efeito. Refere ainda que foi este que contribuiu para a verificação do sinistro, fazendo uma utilização indevida da lareira em questão. Mais invoca que os trabalhos de instalação e execução da lareira foram realizados pela empresa “DD”, e os de execução das especialidades de AVAC e outras instalações mecânicas, designadamente tubagens de exaustão daquela lareira e respectivos isolamentos, foram executadas pela empresa “EE”, ambas por si subcontratadas, as quais executaram de forma defeituosa os referidos trabalhos. Conclui, pedindo a improcedência da causa, mais requerendo a intervenção principal provocada de FF, S.A.

    , para quem tinha transferido, à data dos factos, a sua responsabilidade civil no âmbito da empreitada, e a intervenção acessória das indicadas DD-..., Lda, e EE-..., Lda, sobre as quais virá a ter direito de regresso.

    Por despacho de fls. 339, foram admitidas as referidas intervenções, sendo ordenada a citação das chamadas.

    Contestou a interveniente principal FF, S.A., invocando a prescrição do direito reclamado e defendendo que o sinistro em apreço não se encontra coberto pelo contrato de seguro contratado com a Ré BB, S.A.. Mais impugna a factualidade alegada, concluindo pela procedência da excepção e improcedência da causa, mais requerendo, por sua vez, a intervenção acessória de GG Arquitectos, Lda, responsável pela definição dos materiais da estrutura envolvente da conduta exterior das condutas de extracção das lareiras, e de HH, Lda, encarregada da fiscalização da obra, entidades sobre as quais tem direito de regresso caso proceda a acção.

    Contestou a interveniente acessória DD, alegando, em súmula, que se limitou a construir a lareira em apreço conforme o que lhe foi solicitado e de acordo com o projecto apresentado, seguindo todas as normas de segurança e de funcionamento.

    Contestou também a interveniente acessória EE, sustentando que todos os trabalhos foram por si executados conforme o projecto, o caderno de encargos e o que lhe foi determinado pela Ré BB e pela fiscalização.

    Por despacho de fls. 774 foi admitida a requerida intervenção acessória da GG Arquitectos, Lda, e de HH, Lda.

    Contestou a interveniente acessória GG Arquitectos, Lda, excepcionando a prescrição do direito da A. e invocando que apenas elaborou o projecto de arquitectura (alterações/ampliação), não tendo realizado quaisquer obras na fracção dos autos, nem alterado ou permitido a alteração do projecto de AVAC.

    Contestou igualmente a interveniente acessória HH, invocando a prescrição do direito reclamado pela A. e alegando que não realizou qualquer obra no imóvel, tendo sido contratada pelo dono da obra apenas para proceder à coordenação dos intervenientes (projectistas e empreiteiros) e nem sequer para fiscalizar a qualidade de construção e materiais, pelo que nenhuma responsabilidade pelo sucedido lhe pode ser imputada.

    A A., AA, veio pronunciar-se, a fls. 1006 e ss., sobre as excepções arguidas.

    Dispensada a audiência prévia, foi julgada improcedente a excepção de prescrição arguida pelas intervenientes acessórias, relegando-se para final a apreciação da invocada pela interveniente principal FF, S.A.. Mais foi proferido despacho saneador que conferiu a validade formal da instância, identificou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova, fixando-se ainda à causa o valor de € 45.520,80.

  2. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi, em 17.7.2017, proferida sentença nos seguintes termos: “(…) o Tribunal julga a presente acção procedente, por provada, e, em conformidade: 1.Condena a Ré BB, SA no pedido que consiste no pagamento da quantia de quarenta e cinco mil, quinhentos e vinte euros e oitenta cêntimos (€ 45.520,80), acrescida de juros de mora contados desde a data da citação e até integral e efectivo pagamento, calculados à taxa legal civil; 2. Absolve a Interveniente FF – Companhia de Seguros, SA do pedido.

    As custas são da responsabilidade da Ré, atento o disposto no art. 527.º, do Código de Processo Civil.” 4.

    Inconformada, recorreu a Ré BB, S.A., tendo o recurso sido apreciado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que proferiu acórdão com a seguinte parte decisória: “Termos em que e face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, alterando o ponto 1 do segmento decisório da sentença, condenar a Ré BB, S.A., a pagar à A. a quantia de € 13.656,24, correspondente a 30% do valor reclamado na acção e determinado na sentença recorrida, no mais mantendo o decidido.

    Custas na proporção do vencimento.” 5.

    Não se conformando com a decisão dela apresentou revista a A., AA, SA.

    , formulando as seguintes conclusões (transcrição): 1.

    A Recorrente não se conforma com o douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, pois com o devido respeito, entende que o douto Tribunal a quo não fez a devida interpretação, nem uma correcta aplicação da Lei aos factos provados nos presentes autos, uma vez que o elenco dos factos provados aponta para uma conclusão de Direito distinta daquela que foi alcançada nos autos, em especial, no que diz respeito à culpa do lesado e à divisão de responsabilidades que o douto Tribunal a quo entendeu efectuar entre a Recorrida.

  3. Não pode a Recorrente concordar que tenha existido mora do Dono da Obra, bem como não pode concordar com a interpretação e aplicação do artigo 570, n.° 1 do Código Civil ao caso em apreço, na medida em que considera que não existe qualquer culpa do Dono da Obra na ocorrência do presente sinistro.

  4. Para que o credor incorra em mora é necessário que o devedor se proponha a cumprir a obrigação devida e que esta não tenha sido aceite pelo credor, sem motivo justificado, pelo que revertendo ao caso concreto, cabia à Recorrida demonstrar que propôs proceder à eliminação dos danos existentes na construção da lareira da suite e que estiveram na origem do incêndio e que o Dono da Obra sem motivo justificado não aceitou tal prestação.

  5. Para se poder analisar a conduta do Dono da Obra e da Recorrida e as respectivas responsabilidades pela ocorrência do presente sinistro, apenas se poderá ter em consideração os vícios que conduziram à ocorrência do incêndio.

  6. Dos factos provados não resulta que a Recorrida se tenha proposto a proceder à eliminação dos defeitos existentes na lareira da suite.

  7. Dos factos provados resulta que os vícios que conduziram à ocorrência do incêndio não foram detectados previamente à ocorrência deste.

  8. Não resultando provado que a Recorrida iria proceder à reparação dos vícios que provocaram o incêndio é impossível afirmar-se que se o Dono da Obra tivesse autorizado a eliminação dos defeitos que a Recorrida propôs efectuar provavelmente o incêndio não teria ocorrido, uma vez que mesmo que a Recorrida tivesse realizado todos os trabalhos constantes do seu plano de trabalhos, os vícios que estiveram na origem do incêndio manter-se-iam e o incêndio teria sempre ocorrido.

  9. Não tendo ficado demonstrado que a Recorrida se propôs a corrigir os vícios que estiveram na origem do incêndio, obrigação a que estava obrigada, não existe qualquer mora do Dono da Obra na ocorrência do incêndio.

  10. Dos factos provados, não ficou de todo demonstrado que o Dono da Obra tivesse conhecimento que existia risco de incêndio na utilização da lareira da suite.

  11. Conforme supra referido, entende a Recorrente que o facto do Dono da Obra não ter permitido que a Recorrida iniciasse os trabalhos de correcção dos vícios detectados não teve qualquer influência na ocorrência do incêndio, uma vez que mesmo que a Recorrida tivesse realizado os trabalhos a que se propôs não teria corrigido os vícios que estiveram na origem do incêndio, pelo que o facto do Dono da Obra não ter permitido à Recorrida que iniciasse os trabalhos não foi a causa adequada à produção do incêndio.

  12. Por outro lado, importa também salientar que, na data em que o Dono da Obra não permitiu que a Recorrida iniciasse os trabalhos para correcção dos vícios não existia qualquer elemento que permitisse ao Dono da Obra ou a qualquer pessoa colocada na exacta posição do Dono da Obra, ter conhecimento que o facto da Recorrida não realizar os trabalhos a que se propunha levaria à ocorrência do sinistro.

  13. A circunstância do Dono da Obra não ter permitido à Recorrida proceder à...

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