Acórdão nº 2025/18.0BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 21 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelSOFIA DAVID
Data da Resolução21 de Março de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO H..... interpôs recurso da sentença do TAC de Lisboa, que julgou procedente a presente acção, na qual se peticionava a inibição do R., ora Recorrente, para o exercício do cargo de vogal do Conselho de Administração (CA) da C…. (C..) por não ter apresentado a declaração de rendimentos, património e cargos sociais junto do Tribunal Constitucional (TC).

Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões:” A. A sentença recorrida enferma de nulidade por erro na forma de processo, uma vez que, na ausência de disposição em contrário, e por força do art. 37.º, 1 CPTA, a inibição do exercício de cargo que obrigue à declaração de rendimentos, património e cargos sociais a que se refere a Lei n.º 4/83, de 2 de Abril, segue a forma de processo da acção administrativa e não qualquer forma de processo urgente, como aquela que foi adoptada nos presentes autos.

  1. A sentença recorrida enferma de nulidade emergente da nulidade da citação, uma vez que esta violou as formalidades exigidas no Regulamento (CE) n.º 1393/2007, de 13 de Novembro de 2007, em particular no art. 8.º, 1, aplicável ex vi do art. 239.º CPC, por sua vez aplicável ex vi do art. 23.º CPTA.

  2. A sentença recorrida enferma de nulidade por violação do princípio do contraditório, uma vez que, em virtude da indevida adopção de uma forma de processo especial, ficou prejudicado o direito de defesa do Recorrente, tendo mesmo a sentença sido proferida na pendência do prazo de que dispunha para contestar caso tivesse, como devia, sido seguida a forma da acção administrativa, circunstância que, manifestamente, influiu no exame e na decisão da causa, nos termos do art. 195.º, 1 CPC, aplicável ex vi do art. 1.º CPTA.

  3. A sentença recorrida é nula por ter conhecido de questão da qual não podia conhecer, nos termos do art. 615.º, 1, d) CPC, aplicável ex vi do art. 1.º CPTA, uma vez que, na petição inicial, o Ministério Público não concretizou de que modo é que os factos alegados consubstanciavam a suposta culpabilidade do Recorrente, nem de que modo é que tais factos determinavam a graduação dessa culpabilidade, ficando-se por uma mera referência vaga, genérica, tabelar e conclusiva à culpa, pelo que a sentença recorrida não podia, como fez, ter fundamentado a decisão nela contida com juízos de culpabilidade que não encontram suporte no alegado pelo Ministério Público na petição inicial.

  4. A sentença recorrida enferma de violação de lei por errada interpretação e aplicação do art. 4.º, 3, a) da Lei n.º 4/83, de 2 de Abril, uma vez que, à data dos factos relevantes, à luz da versão então vigente do art. 1.º, 2 do Estatuto do Gestor Público, o Recorrente, não obstante ser administrador da C...... S.A., não podia ser considerado gestor público, pelo que não se encontrava abrangido pela previsão da disposição primeiramente citada.

  5. Subsidiariamente, caso não procedessem as causas de nulidade identificadas nos pontos anteriores, a sentença recorrida sempre enfermaria de violação de lei por violação do princípio da culpa uma vez que, conforme resulta da factualidade dada como provada em primeira instância, o Recorrente aceitou ser administrador da C…. no pressuposto juridicamente fundado de que não estaria sujeito à apresentação de qualquer declaração acerca do seu património ou de outros aspectos da sua vida privada, pelo que a exigência de tal declaração, independentemente de ser normativamente bem ou mal fundada, consubstancia em si mesma uma violação das exigências de previsibilidade inerente ao Estado de direito democrático, pelo que, ao não entregar a declaração controvertida, o Recorrente agiu ao abrigo do direito constitucional de resistência, pelo que não teria cometido qualquer facto sancionável.

  6. Subsidiariamente, caso não procedesse o alegado nos pontos anteriores, a sentença recorrida sempre enfermaria de violação de lei por violação do princípio da culpa, pois se deveria considerar que o Recorrente, ao não entregar a declaração controvertida, agiu na convicção de estar no exercício de um direito, no limite o direito de resistência, ou seja, com falta de consciência da ilicitude, pelo que não teria cometido qualquer facto sancionável.

  7. Subsidiariamente, caso não procedesse o alegado nos pontos anteriores, a sentença recorrida sempre enfermaria de violação de lei por violação do princípio da proporcionalidade, por a sanção aplicada ser manifestamente excessiva em relação à gravidade da suposta infracção, por não ter o tribunal tomado em consideração as circunstâncias atenuantes, dadas como provadas nos autos, de o Recorrente ser estrangeiro, residente no estrangeiro e desconhecedor do direito português, de ter aceitado o cargo de membro do conselho de administração da C...... S.A., apenas por supor que não teria que entregar qualquer declaração, de ter sido nomeado para um período de três anos, tendo cessado as funções menos de seis meses após a sua assunção de funções, assim que foi notificado da decisão do Tribunal Constitucional de acordo com a qual teria que entregar a declaração, de nunca se ter conformado com a obrigação de entrega da declaração e de ter explicado sempre de forma clara e coerente, ao longo do processo no Tribunal de Constitucional e depois dele, a sua posição e o contexto próprio da mesma, donde resulta que não pretendeu de forma alguma afrontar o direito ou o Estado português, nem pretendeu exercer quaisquer funções equiparadas às funções públicas sem cumprir as obrigações que fossem por si conhecidas.” O Recorrido Ministério Publico (MP) nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “1º - Seguem a forma de acção administrativa a tramitar como processo urgente as acções instauradas pelo Ministério Público para inibição de funções.

  1. - O acordão do Tribunal Constitucional faz caso julgado sobre a existência do dever de apresentação das declarações de rendimentos e património e cargos sociais.

  2. - Encontra-se demonstrado que o recorrente foi notificado, aquando da cessação de funções para apresentar as declarações de rendimentos e mesmo notificado, manteve a omissão das referidas entregas.

  3. - Existe pois base factual para a censura da sua conduta omissiva, pelo menos a título de culpa grave.” Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO II.1 – OS FACTOS Em aplicação do art.º 663º, n.º 6, do Código de Processo Civil (CPC), ex vi do art.º 1.º e 140.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), por não ter sido impugnada, remete-se a matéria de facto para os termos em que foi decidida pela 1.ª instância.

II.2 - O DIREITO As questões a decidir neste processo, tal como vêm delimitadas pelas alegações e contra-alegações de recurso e respectivas conclusões, são: - aferir da nulidade decisória porque a decisão recorrida foi tomada no âmbito de uma errada forma processual, porquanto a acção de inibição do exercício de cargo segue a forma de acção administrativa não urgente; - aferir da nulidade decisória porque a citação efectuada violou as formalidades exigidas nos art.ºs 8.º, n.º 1 do Regulamento CE n.º 1393/2007, de 13-11-2007, aplicável ex vi art.º 239.º do CPC e 23.º do CPTA; - aferir da nulidade decisória por violação do direito ao contraditório do R. e Recorrente, que ficou prejudicado face à tramitação urgente da acção, que diminuiu o tempo para a apresentação da contestação; - aferir da nulidade decisória por se ter conhecido da culpa do Recorrente com base em factos que não foram alegados em termos concretos e especificados pelo MP, ou, se assim não se entender, do erro decisório por violação do princípio da culpa, por o Recorrente ter aceite ser administrador da C…. no pressuposto juridicamente fundado de que não estaria sujeito à apresentação de qualquer declaração do seu património ou de outros aspectos da sua vida privada e porque a não entrega da indicada declaração ocorreu ao abrigo do seu direito de resistência; - aferir do erro decisório por se fazer uma errada interpretação e aplicação dos art.ºs 4.º, n.º 3, al. a) da Lei n.º 4/83, de 02-04 e 1.º, n.º 2, do Estatuto do Gestor Público, uma vez que o Recorrente não poderia ser considerado gestor público; - aferir do erro decisório porque o Recorrente estava convicto que estava a actuar ao abrigo do direito de resistência, não tendo culpa e consciência da ilicitude da sua conduta; - aferir do erro decisório por violação do principio da proporcionalidade, por a sanção aplicada ser manifestamente excessiva face à gravidade da sua actuação e por o Tribunal não ter tomado em conta como circunstâncias atenuantes os factos de o Recorrente ser estrangeiro, estar a residir no estrangeiro, desconhecer a língua portuguesa, ter aceite o cargo em questão por supor que não teria de entregar qualquer declaração e por ter cessado funções menos de 6 meses após a assunção de funções.

As nulidades processuais não se confundem com as nulidades da sentença.

Conforme decorre do art.º 195.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA, ocorre nulidade do processo quando se pratique um acto que a lei não admita, ou se omita um acto ou uma formalidade que a lei prescreva, caso tal consequência seja determinada na lei, ou caso a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.

As regras para a arguição das nulidades do processo constam dos art.ºs 186.º a 202.º do CPC. Por regra, o prazo para a respectiva arguição é de 10 dias, contados da notificação de qualquer termo subsequente do processo.

Constituindo anomalias do próprio processo, as nulidades a ele relativas devem ser suscitadas e conhecidas no próprio Tribunal onde ocorrem, por via de reclamação para o respectivo Juiz. Depois, discordando o reclamante da decisão que tenha sido tomada pelo Juiz do processo, poderá impugnar, em recurso, dessa mesma decisão.

Já a nulidade da sentença decorre de um desvalor intrínseco ou próprio dessa mesma sentença e só se verifica nos casos taxativamente indicados no...

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